Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao Governo Federal pela intervenção decretada no estado do Rio de Janeiro.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Críticas ao Governo Federal pela intervenção decretada no estado do Rio de Janeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/2018 - Página 56
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • CRITICA, INTERVENÇÃO FEDERAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), NECESSIDADE, DISCUSSÃO, SEGURANÇA PUBLICA.

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Obrigado, Sr. Presidente. Cumprimento V. Exª; cumprimento os Senadores, Senadoras, ouvintes da Rádio Senado e telespectadores.

    É evidente que o tema é o decreto de intervenção; mas eu vou começar falando de propostas, apresentadas por nós nesta Casa, que buscaram resolver ou forçar a União a se preocupar com a segurança dos brasileiros.

    A segurança pública é delegada aos Estados federados. A União não tem política de segurança pública.

    Em 2012, nós apresentamos, nesta Casa, uma proposta de emenda à Constituição, a PEC 24, que foi debatida em vários Estados. Eu percorri vários Estados, reunindo-me com a cúpula de segurança desses Estados, para debater essa proposta de criação do Fundo Nacional da Segurança Pública, para que se definisse um orçamento tal qual se definiu para a saúde e para a educação. Seria completar o tripé das políticas sociais: educação, saúde e segurança pública. Essa PEC propunha formar um fundo com a contribuição de parcelas do ICMS e do IPI sobre venda de armas, munição, material bélico e outras fontes.

    Depois de cinco anos – cinco anos e meio – tramitando aqui, no Senado Federal, sem nenhuma atenção da Presidente Dilma e menos ainda do Temer, do ilegítimo Presidente Temer, a proposta, finalmente, no bojo desta enorme crise que domina o País, na hora em que se percebeu que o Estado brasileiro não controla uma parte do País, o Senado decidiu aprovar. No apagar das luzes de 2017, a PEC 24 foi aprovada no Senado da República e, agora, tramita na Câmara Federal. Mas, com o decreto de intervenção, paralisa-se tudo.

    Ou seja, o Presidente Temer – essa figura retratada muito bem pelas escolas de samba, pela Tuiuti, lá no Rio de Janeiro – em vez de se preocupar com a segurança do cidadão, porque é isso que está jogo, toma uma atitude para desviar a atenção do povo brasileiro. Fracassou o seu intento da reforma da previdência, e ele, então, contra a vontade do Exército, contra a vontade dos militares, decreta a intervenção no Rio de Janeiro.

    Vejam só: dizem que o Brasil é o País do Carnaval. Ah, antes fosse o País do Carnaval! Antes fosse o País do Carnaval, porque não seria essa desorganização gigantesca; o Estado brasileiro não seria essa desordem generalizada que nós conhecemos. O Carnaval – e todos os anos está aí diante dos nossos olhos – deveria ser imitado pelo Estado brasileiro, porque não há nada mais organizado do que um desfile de escola de samba.

    Desfile de escola de samba é uma ópera a céu aberto com mais de 3 mil atores. E essa ópera é ensaiada o ano todo, em cima de uma história, com um enredo que tem começo, meio e fim. E ela é preparada para acontecer num dia específico, na hora tal, sem passar nem sobrar tempo. Essa organização é que nós precisamos observar e trazer para a polícia, trazer para a gestão pública. Não há nada mais organizado do que desfile de escola de samba.

    Vejam, esse decreto de intervenção...

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – É tão organizado que, quando a escola não cumpre o horário, cai para a segunda divisão.

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - AP) – É, é. E o Estado brasileiro não.

    O Estado brasileiro é desorganizado...

    Veja o Estado do Rio de Janeiro. Existe desordem maior do que o Estado do Rio de Janeiro? Senador, eu acho que o General Braga, o General interventor do Rio de Janeiro, deveria começar a sua faxina...

    Eu seria até a favor da intervenção, mas com uma cláusula. A primeira: mandar para a cadeia a cúpula do Governo do Rio de Janeiro, inclusive, o Sr. Pezão – a começar pelo Governador–; mandar para a cadeia a cúpula da Assembleia Legislativa e a do Judiciário do Rio de Janeiro. Aí, sim, eu concordaria. Depois, o General Braga iria se ocupar do tráfico, porque, enquanto estiver esse time jogando no Rio de Janeiro, não tem Exército brasileiro, ou Exército no mundo que consiga controlar a violência no Estado do Rio de Janeiro.

    Veja, eu levantei... O Temer tem que justificar os seus atos. Esse decreto tem que ter uma justificativa. É a violência? Muito bem. Se é a violência, então vamos promover a intervenção. Mas, antes do Estado do Rio de Janeiro, temos o Estado de Sergipe, o Rio Grande do Norte, Alagoas, Pará, o Amapá, Pernambuco, Bahia, Goiás, Ceará. O Rio de Janeiro é o décimo Estado no ranking da violência no País. Então, se é por causa da violência, o Exército teria de operar inicialmente nesses dez Estados para depois chegar ao Rio de Janeiro. Então, não é porque o Rio ostenta o maior índice de violência no País.

    Esses dados são de 2016. Mas, vejam só, eu tive o cuidado... É possível que em 2017 a violência no Rio tenha aumentado; mas não é verdade.

    Senador, a violência no Rio no período do Carnaval... Eu tenho aqui os dados do Instituto de Segurança Pública do Rio que mostram o seguinte: comparando, os dias 12 a 18 de fevereiro dos anos de 2015, 2016, 2017, 2018, ou seja, o período carnavalesco, 2018 foi o ano em que a violência do Rio de Janeiro baixou. Foi menor do que nos anos anteriores. Ou seja, o Estado do Rio de Janeiro não é o primeiro do ranking; 2018 não é o ano mais violento; e, no entanto, Temer determina a intervenção.

    Qual é o objetivo dessa intervenção? O que está por trás disso? O que ele pretende com isso, além de desviar a atenção da reforma da previdência, de que ele perdeu o timing? O que vão dizer os seus patrões? O que vai dizer o mercado financeiro?

    Ele certamente está sendo abandonado pelo mercado financeiro e está se escorando no Exército brasileiro. Está fazendo de âncora o Exército brasileiro para tentar chegar até o final deste ano, continuar infelicitando a vida do povo brasileiro até o final de 2018. Esse é o objetivo dessa intervenção.

    E nós precisamos refletir: qualquer iniciativa que venha de um Presidente como Michel Temer não pode ser levada a sério.

    É evidente que o Exército Brasileiro é disciplinado para cumprir missão e cumprir ordem. O Presidente determinou, o Exército vai lá. Mas nós sabemos que hoje nós temos... Não é apenas pela força da arma, da espada que se vai controlar a violência no País – não só no Rio, mas no País. Nós temos um Judiciário que precisa funcionar e fazer justiça.

    Olha, eu vi um absurdo. Esta semana um juiz determinou que uma mulher que foi apanhada com 40 gramas de maconha tivesse seu filho na prisão.

    Então, o Judiciário precisa ser ágil e precisa fazer justiça e acabar com a impunidade, porque o problema do Brasil passa pelo Judiciário. Se houvesse punições severas, e não só para traficantes, mas para o andar de cima, para essa casta política que infelicitou a vida do Rio de Janeiro e está infelicitando a vida de muitos Estados brasileiros... Portanto, não há como justificar essa intervenção. Não podemos aceitar.

    Este Senado vai, amanhã, votar essa intervenção. Eu acho que a gente precisa criar juízo, parar com a insensatez. O Senado vem reproduzindo, tomando decisões insensatas, que aprofundam cada vez mais a crise brasileira.

    E, por último, Srs. Senadores, eu estou vivendo uma experiência única. Nós trabalhamos, nesses dois últimos anos, fomentando, estimulando o controle social de obras públicas e de compra de materiais e equipamentos com a participação de cidadãos organizados no WhatsApp. Esses cidadãos passaram a acompanhar a execução de obras feitas pelas prefeituras, pelo governo lá do meu Estado, e essas obras estão sendo concluídas com sobras de recursos, com a participação ativa do cidadão.

    E mais: esses grupos organizados nos bairros passaram a monitorar a segurança de seus moradores. Alguns desses grupos monitoram perfeitamente todos os passos dentro de seus bairros. Só falta uma conexão com os órgãos de segurança. Portanto, para nós vencermos a violência no País, nós teríamos que ter uma interação entre os órgãos de segurança pública e a comunidade organizada, utilizando a comunicação em rede, utilizando os aplicativos em conexão direta com a polícia. Não é possível mais imaginarmos o controle das cidades a partir de quartéis da Polícia Militar, que é a polícia ostensiva, concentrado em quartéis. Nós temos que criar grupos táticos espalhados na cidade e conectados com os moradores, para que haja um acompanhamento permanente entre o cidadão e a força policial responsável pela sua segurança.

    Esse debate sobre segurança pública precisa ser levado a sério, mas é preciso ter um Presidente da República. A gente precisa ter um condutor político que leve a sério as necessidades do povo brasileiro. É isso que nos falta!

    Nós precisamos ter um Congresso que leve a sério as necessidades do povo brasileiro. É isto que nos falta: a representação política. O povo não acredita na representação política. Esse é o grande problema. Nós não merecemos créditos da sociedade brasileira, porque aqui não debatemos os reais problemas que o povo vive.

    Essa intervenção no Rio de Janeiro eu tenho impressão de que vai ser de curto fôlego. O Exército brasileiro, os militares vão se dar conta de que essa não é a solução, até porque eles não foram preparados para isso. E não haverá... Não imagine que... Eu conheço o sistema de segurança pública; não haverá cooperação da maneira como foi, em que o Presidente Temer impôs a intervenção, anulou o Governador...

    O Governador Pezão era para renunciar, porque ele não tem autoridade para nada. Ele está infelicitando a vida do povo carioca. Ele e aquela Assembleia Legislativa, de que finalmente prenderam o Presidente e mais um ou dois. Isso é que tem que ser feito.

    General Braga, comece pela cúpula do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. A faxina tem que começar por aí. Depois, eu tenho certeza de que o crime organizado, as milícias, tudo isso será controlado. Mas, se não se liquidar com o andar de cima da criminalidade, não haverá sucesso.

    Eu fico torcendo para que tudo dê certo, mas infelizmente essas experiências foram vividas inúmeras vezes. E de todas, até agora, as intervenções feitas na Maré e em outras favelas do Rio, nós não conhecemos o resultado. Nós tínhamos que ter os relatórios para que pudéssemos nos basear, para discutir; mas não há um fórum nacional de segurança pública. O Ministério da Justiça está alheio, não se importa com o que está acontecendo; criou uma Força Nacional de Segurança Pública para fazer, para tomar essas medidas cosméticas.

    Inclusive, eu quero aqui dizer que o meu Estado é o quinto no ranking dos Estados mais violentos do País. Aqui está: 49,6 homicídios por 100 mil habitantes. Olhem, em Sergipe são 64 homicídios por 100 mil habitantes; no Rio de Janeiro são 37,6. Então, uma diferença enorme! Essa operação deveria começar por Sergipe, ou pelo meu Estado.

    Eu pedi ao Ministro, encaminhei um ofício ao Ministro, porque, no meu Estado, é um absurdo nós termos 49,6 assassinatos por 100 mil habitantes, um Estado pequeno... Mas esta é a realidade: a violência no Amapá está descontrolada. Eu encaminhei um ofício ao Ministro da Justiça, solicitando uma investigação para saber as causas dessa mortalidade, da violência que se instalou ali e, sobretudo, das matanças que estão ocorrendo. Há final de semana em que são executadas seis, sete ou oito pessoas, e ninguém sabe as causas. Eu pedi a intervenção da Força Nacional, pedi uma investigação da Polícia Federal, para que nós possamos conhecer as causas e buscar uma solução. Sem conhecer as causas da violência, nós não temos como encaminhar uma solução.

    Portanto, essa intervenção é mais um jogo de cena do Michel Temer, um Presidente sem autoridade para nada, um Presidente com uma impopularidade gigantesca, que busca, de qualquer maneira, se manter ativo, se manter na Presidência até o final do ano.

    Eu tenho a convicção de que, nos primeiros momentos, os cariocas vão ter uma sensação de segurança, mas evidentemente essa não é a solução para a segurança pública do Rio de Janeiro, menos ainda para os 27 Estados brasileiros, todos eles mergulhados numa brutal violência – todos eles. Não há um Estado brasileiro em que a gente diga que pode ocupar as ruas com liberdade e caminhar sem medo de sofrer um assalto ou sem medo de ser assassinado.

    Infelizmente, essa é a realidade do País. E infelizmente as autoridades deste País e as autoridades dos Estados brasileiros não têm solução para a violência. Elas não têm proposta, porque não debatem e porque não têm interesse em resolver o problema da violência no País.

    E começa por Michel Temer e pela cúpula do Governo Federal, muitos deles nas mãos da Justiça. Um Presidente que está sendo investigado, com Ministros investigados, vários Ministros na cadeia, como esses homens podem dar uma solução para a violência no País?

    Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/2018 - Página 56