Discurso durante a 11ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à intervenção federal decretada no Rio de Janeiro (RJ), utilizada como forma de campanha publicitária.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Críticas à intervenção federal decretada no Rio de Janeiro (RJ), utilizada como forma de campanha publicitária.
Publicação
Publicação no DSF de 22/02/2018 - Página 45
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, GESTÃO, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUTOR, INTERVENÇÃO FEDERAL, SEGURANÇA PUBLICA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), OBJETIVO, REALIZAÇÃO, CAMPANHA, POLITICA, AUMENTO, POPULARIDADE, DEFESA, REFORÇO, COMBATE, TRAFICO, DROGA, VIGILANCIA, FISCALIZAÇÃO, FAIXA DE FRONTEIRA, BRASIL, INVESTIMENTO PUBLICO, SEGURANÇA, ESTADOS, MOTIVO, ORADOR, VOTO CONTRARIO, INTERVENÇÃO.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, como não podia deixar de ser, o assunto é o mesmo que todo mundo está tratando, até porque no primeiro dia, no retorno do recesso, todo mundo falou do combate à violência, da busca da não violência, que inclusive é o tema da Campanha da Fraternidade da Igreja este ano – é da Igreja Católica, mas é uma campanha ecumênica.

    Todo mundo falou, inclusive o Presidente da Casa. Parecia... Depois do que aconteceu com o Rio, a gente acha que era uma deixa para o ato... Despertou o Presidente Temer para o ato extremo no Rio de Janeiro.

    Intervenção federal – que a gente diz que é militar, sim – para quê?

    Combater a violência no Rio. E os outros Estados?

    No meu Piauí, anteontem, explodiram dois carros-fortes nas estradas. Assaltaram uma agência dos Correios na cidade de Pedro II. Morreram dois assaltantes.

    Então, não é só o Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro é a vitrine que a Rede Globo escolheu para mostrar a violência. Aliás, no Carnaval... De Carnaval, a Globo só mostrou o desfile das escolas, porque ela tem exclusividade; mas o resto foi só mostrando arrastões, assaltos... Até há algumas imagens que a gente jura que já viu na vida, porque parecem muito repetidas.

    O cotidiano do Rio ninguém nega. Agora, não é só o Rio de Janeiro que tem violência, e, portanto, não se justifica o ato extremo.

    Combater o narcotráfico com o tráfico de armas e de drogas. Não consta que o Rio tenha fábrica de fuzil, nem que seja o local do refino da cocaína, da maior parte da cocaína. O Rio é depósito. O Rio é repassador. A droga chega lá pronta. As armas chegam lá para serem distribuídas. E, aí, há que perguntar como, por onde vai e quem leva. E está na cara que são as fronteiras. Então, era preciso espalhar o Exército nas fronteiras, nos rios!

    Monitorar o espaço aéreo, porque toda hora se ouve falar de avião. De vez em quando pegam alguns com cocaína.

    O espaço aéreo para os aviões pequenos é muito livre, principalmente nas fazendas. Há três semanas, lá no Piauí, um avião fez um pouso forçado. Quando foram olhar, 300kg de cocaína. Piloto, funcionário do Ministério da Agricultura. O avião em nome de Yvens Murata, e o outro personagem não foi revelado ainda. Então, é preciso monitorar o espaço aéreo também. E as Forças Armadas são para isso, porque, se não se impedir a entrada da droga, não adianta combater drogas no morro. Isso é um preconceito com o morro. Parece que só no morro há traficante, só no morro há consumidor, só no morro há vendedor de droga. E não é isso! Todo mundo sabe.

    Combater o tráfico no morro, mas os barões do tráfico estão no asfalto; estão nas mansões. Parece que o Brasil não tem é coragem de ver, de enxergar a cara dos verdadeiros barões do tráfico. No dia em que tiver coragem, vai resolver o problema.

    O Brasil passou de 23º a segundo maior consumidor de cocaína em 20 anos. Então, a cocaína é um grande negócio. Primeiro são os Estados Unidos. Façam as ligações que quiserem. O primeiro consumidor no mundo são os Estados Unidos; o segundo é o Brasil. Em 20 anos, o Brasil sai de 23º para segundo. Então, é um grande negócio, e é preciso olhar para esse negócio, como é que ele acontece no Brasil.

    E não é prendendo microtraficante, como fizeram com aquela mulher grávida, na hora de parir. Prenderam, porque tinha 87g de maconha. Foi presa como traficante. Serviu pelo menos para escandalizar. O mundo inteiro viu botarem uma mãe e uma criança com um dia de nascida numa cela de dois metros quadrados, um colchão sujo no chão... E, aí, o mundo se escandalizou, e o Supremo julgou o habeas corpus ontem, colocando o direito de essas mães ficarem em prisão domiciliar.

    As não apenadas, mas tem as apenadas. Eu estou com um projeto de lei, inclusive, que, ou dá condições aos presídios de terem espaço digno para essas mulheres darem à luz e amamentarem seus filhos, ou então vai ter que botar também com prisão domiciliar. Afinal de contas, as "bacanas" vão para prisão domiciliar com os filhos já adolescentes. A justificativa é de que é para cuidar dos filhos.

    Então, é preciso parar com o espetáculo. Tiroteio mais tiroteio, desperdício de munição, sobra de "bala perdida", para, depois, exibir umas poucas armas, algumas porções de droga, algumas pessoas do trabalho intermitente – aquele pessoal que vende ali é o verdadeiro trabalho intermitente da reforma trabalhista – e notas de R$2, R$5 e R$10, como se fosse uma grande coisa. Aí, a "bala perdida" atinge um inocente. Então, isso não resolve.

    Uma pergunta: os chefes do tráfico estão presos, comandam o tráfico dos presídios – é o que dizem. Que tal uma delaçãozinha premiada desse povo? Quem sabe eles não entregam os verdadeiros "barões" do tráfico. Eles estão lá. Não existe aí o instituto da delação premiada para os presos, para os políticos? Então, vamos embora usar também. De repente, a gente acha o fio da meada do tráfico neste País.

    Então, quando a gente vota contra essa intervenção, é uma atitude de coragem. É muito fácil votar porque a população aprova. "Não, eu vou votar com o povo, o povo aprova". O povo aprova qualquer coisa que lhe dê esperança ou a ilusão de que vai sair de casa e vai voltar. É o desespero. Mas isso não é só no Rio; é em todo lugar. As pessoas saem e não sabem se voltam. O filho vai para a escola e não sabe se vai voltar. E o remédio já foi elaborado.

    Houve um encontro no Acre com 23 governadores e quatro ministros. Inclusive o da Defesa, o da Secretaria de Assuntos Institucionais, o das Relações Exteriores e o da Justiça. Assinaram um documento, e não colocaram nada em prática. Quem quiser ler, há a Carta do Acre. É só ler. Estão lá o sistema nacional, o fundo, a integração entre os Estados e a União... Estão lá todas as sugestões. Aí, de repente, vêm com essa coisa mirabolante, para fazer peça publicitária para os impérios de comunicação ganharem dinheiro mais uma vez, como ganharam com a reforma da previdência. Cem milhões de reais foram "torrados" para fazer a campanha publicitária da reforma da previdência, tirando-se da agricultura familiar e de outros lugares.

    Então, é preciso que a gente bote o dedo na ferida, e eu não tenho nenhum problema de dizer que votei contra. Não votei contra o povo do Rio de Janeiro, não; eu votei a favor do povo brasileiro, e votei mostrando o caminho: em vez de o Exército estar lá no morro, revistando mochila de criança, bota na fronteira, para não deixar entrar a droga no Brasil.

    E preocupa-nos a fala dos atores envolvidos, entre eles o Comandante Villas Bôas. Fiquei preocupada quando ele disse que é preciso dar garantias aos militares, para que não surjam comissões da verdade no futuro. Ora... O que é isso? Está dizendo que vai fazer alguma coisa errada? Só vai haver comissão da verdade se houver tortura, se houver excesso, extermínio, tortura, execução, abuso nos autos de resistência...

(Soa a campainha.)

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – ... sumiço de corpos... Se houver isso, vai haver comissão da verdade sim.

    E eu gostaria que incluísse no meu discurso o documento da Comissão dos Desaparecidos, que soltou uma nota de repúdio a essa declaração do General, porque foi muito infeliz em dizer isso... Quer dizer que está querendo permissão para fazer as coisas que levam à comissão da verdade? Só vai haver comissão da verdade se houver, se acontecerem essas coisas que a gente viu que aconteceram na ditadura militar.

    Então, quando a gente vota contra, é pelo temor de que "cada vez que surgir um descontrole, chamem o General!" Vai que eles gostam da brincadeira! O que é que vai ser deste País? Até porque não é o papel deles fazer, cuidar disso não. E o preconceito com o morro? Está tudo no morro! Parece que lá no morro só existe bandido. Não. Lá existe gente de bem, que precisa ser respeitada. Vamos descer para o asfalto, e vocês vão encontrar a entrega de droga em domicílio, em carrões de luxo... Mas ninguém quer ver isso, porque o preconceito...

    Dom Mauro Morelli já disse: "É o preconceito com os pobres!" Ele trabalhou na Baixada 20 anos. E ele disse: Uma coisa é um branco sair de noite na Baixada Fluminense! Outra coisa é um preto sair de noite na Baixada Fluminense!" Só quem viveu lá, como ele, Dom Mauro Morelli, sabe disso.

    Até o momento não se sabe quem vai ganhar com isso, mas a gente sabe que os impérios da comunicação... Esses vão ganhar, porque a campanha publicitária já deve estar sendo aprontada para começar a rodar nas grandes redes de comunicação.

    Será que vai haver busca e apreensão em Ipanema? No Leblon? Em Copacabana? É bom que haja, para descobrir a outra face do consumo de droga!

(Interrupção do som.)

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Então quero deixar quase uma justificativa para o meu voto "não". E votei "não" com a maior convicção, sem nenhum medo por ser ano eleitoral, porque há gente que votou com medo do ano eleitoral.

    Obrigada.

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELA SRª SENADORA REGINA SOUSA.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

    Matéria referida:

     – Comissão de Desaparecidos solta nota de repúdio a declarações do general Villas Bôas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/02/2018 - Página 45