Discurso durante a 14ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões a respeito da situação política e institucional do Brasil.

Críticas à política de privatizações adotada pelo governo do Presidente Michel Temer.

Críticas ao uso das Forças Armadas na intervenção federal.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATIVIDADE POLITICA:
  • Reflexões a respeito da situação política e institucional do Brasil.
GOVERNO FEDERAL:
  • Críticas à política de privatizações adotada pelo governo do Presidente Michel Temer.
DEFESA NACIONAL E FORÇAS ARMADAS:
  • Críticas ao uso das Forças Armadas na intervenção federal.
Publicação
Publicação no DSF de 27/02/2018 - Página 22
Assuntos
Outros > ATIVIDADE POLITICA
Outros > GOVERNO FEDERAL
Outros > DEFESA NACIONAL E FORÇAS ARMADAS
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, MICHEL TEMER, MOTIVO, EMENDA CONSTITUCIONAL, LIMITAÇÃO, GASTOS PUBLICOS, AUSENCIA, INVESTIMENTO, SAUDE, EDUCAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS ECONOMICOS, LOCAL, BRASIL.
  • CRITICA, POLITICA, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA, BRASILEIRA (PI), REALIZAÇÃO, GOVERNO, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOREIRA FRANCO, MINISTRO DE ESTADO.
  • CRITICA, INTERVENÇÃO FEDERAL, MOTIVO, UTILIZAÇÃO, FORÇAS ARMADAS.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senador Paim, a frase não é minha; é bíblica: "Não és quente nem frio, e de minha boca te lançarei." Não é um momento para pronunciamentos mornos. O projeto brasileiro que me levou a fazer política, à esperança da construção de um País socialmente justo e organizado está desaparecendo.

    Agora há pouco, uma oradora que me precedeu, a Senadora Gleisi, falava da grande dificuldade de comunicação que os nacionalistas têm no Brasil, os progressistas. E falava também da imprensa alternativa. Eu cito aqui o Ismael Morais, lá no meu Paraná, o Attuch, do 247, o bravo Paulo Henrique Amorim e o Nassif, que são os principais comunicadores que ainda veiculam as teses nacionalistas e progressistas.

    Mas hoje, aqui neste meio que ainda temos de comunicação, que é a TV Senado e a Rádio Senado, eu quero falar de um País para poucos.

    Quero percorrer sendas, atalhos, desvios; quero percorrer os mata-burros, as pinguelas que obrigatoriamente se deve percorrer, tomar, atravessar, para a construção de um País para poucos.

    Hoje quero falar de um País que se aprumou e, como o homo erectus, ensaiou passos de cabeça erguida, orgulhoso de sua nova postura, mas que, logo depois, regressou à mediocridade do "País do possível", dizem eles – coloco entre aspas – o País liliputiano de Fernando Henrique Cardoso.

    Hoje quero falar de um País que, em um instante de três anos – e isso é um segundo na história da humanidade, na história de uma República – recuou às últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, retirando da Constituição, das leis, do orçamento e das obrigações do Estado, mais de 90% dos brasileiros. Noventa por cento dos brasileiros foram excluídos das leis, do orçamento e da Constituição.

    Quero falar, Senador Gurgacz, de um País que, em um piscar de olhos, trasmuda-se de protagonista a figurante sem importância ou talento na cena internacional; um País que renuncia a soberania sobre o petróleo, sobre a energia, sobre os minerais, as terras, a água, indústrias, tecnologia, o espaço aéreo, e aceita o papel de maior produtor planetário de couve e de cenouras.

    Hoje, quero falar da elite suicida, que, ao mesmo tempo em que acirra a luta de classes, apertando ao máximo os torniquetes da exploração do trabalho, é ela própria expropriada e espoliada pelo capital especulativo global e vê, a cada dia que passa, sua importância política, econômica e social reduzida ao papel de fantoche, no teatro dos acontecimentos nacionais e internacionais.

    Mas, como é, Senador Gurgacz, que se faz um País para poucos?

    Não se trata de uma receita muito sofisticada. Basta fazer uma mistura, uma gororoba, misturando as sobras do fim de feira do sistema neoliberal.

    Basta fazer uma xepa com aqueles produtos já em processo de deterioração, que ninguém mais compra e o mundo rejeita.

    Basta reunir o besteirol apregoado pela GloboNews, CBN, Bom Dia Brasil, pelo Otavinho, pelos Mesquitas, pelos Civitas e pelos Sirotskys, com as inestimáveis contribuições de Kim Kataguiri, do Alexandre Frota, do Luciano Huck, do Ratinho, do Danilo Gentili e do guru desses todos, o Armínio Fraga, que temos a receita exata do grude para fazer do Brasil um país para poucos.

    Se já éramos donos de algumas marcas notáveis, como a disputa com a Botsuana pelo troféu do país com a pior distribuição de renda do planeta, et pour cause, da maior concentração de rendas do mundo; se já éramos o campeão da desigualdade planetária, onde apenas cinco pessoas – cinco, os dedos de uma mão: um, dois, três, quatro, cinco – concentravam a mesma riqueza que a metade da população mais pobre – cinco contra cem milhões; se tínhamos, anualmente, mais brasileiros mortos de forma violenta que, por exemplo, as vítimas dos tantos conflitos que incendeiam o Oriente Médio, englobando aí Síria, Israel, Palestina, Turquia, Iêmen, Iraque e Afeganistão; se mais de 90% desses 60 mil brasileiros anualmente abatidos são compostos por negros, mulatos e pobres; se o Governo Federal e os governos estaduais haviam perdido a batalha contra o crime organizado e, em consequência, o controle dos presídios, das favelas, da periferia pobre das grandes, médias e pequenas cidades brasileiras, nada era tão ruim, Senador Gurgacz, que não pudesse piorar.

    E piorou, Senador Paim. Piorou. Degenerou com a incrível e nunca suficientemente amaldiçoada PEC da Redução dos Gastos Públicos.

    Confesso que até hoje quedo-me estupefato com a aprovação no Congresso dessa suprema sandice que é a emenda constitucional que congelou por 20 anos os gastos públicos.

    Busquei na literatura das crises econômicas mundiais decisões semelhantes e só encontrei paralelo com iniciativas de débeis governantes terceiro-mundistas que as colocaram em prática sob pressão de credores, dos rentistas, dos agiotas e dos discípulos da mais tacanha doutrina econômica formulada pelo homem, desde que o antecedente do Homo sapiens desceu das árvores, Senador Paim. A mais estúpida sandice, desde que o Homo sapiens desceu das árvores.

    Em contrapartida, vejo o Presidente dos Estados Unidos anunciar o investimento deficitário de US$1,500 trilhões em infraestrutura, para alavancar a geração de empregos e reativar os negócios. O Congresso de lá aprova investimento deficitário de US$1,500 trilhão em infraestrutura; o Congresso daqui congela os gastos por 20 anos. Lá, pouco se importam com o déficit público; aqui transformaram o déficit público em uma questão ideológica.

    É assim, Senador Paim, que se faz um País para poucos.

    O pior disso tudo, o kafkiano, o absurdo, é que, diariamente, Senadores e Deputados que votaram, Senador Paim, que votaram, Senador Acir, que votaram o raio do congelamento de gastos por 20 anos ocupam a tribuna e desfilam uma lista gigantesca de pedidos de recursos, para isso e para aquilo. Será que não sabem o que votaram? Ou sabem perfeitamente e apenas jogam para a plateia, para ludibriar os seus eleitores?

    Adota-se uma política econômica recessiva, antinacional e antipopular, que privilegia o pagamento dos juros da dívida, e choramingam dinheiro para os Municípios, lamentam o desemprego, deploram a violência, a qualidade do atendimento à saúde e à educação pública, o encolhimento do programa habitacional, as condições das rodovias e mais, muito mais.

    Vejam então o caso da intervenção no Rio de Janeiro.

    Com a aprovação da maioria de Deputados e Senadores, o Governo cortou até o talo as verbas para a segurança. Apenas cinco dias, Senador Paim, antes da mediática e errática ideia da intervenção, Temer e Meireles podaram R$240 milhões da segurança.

    Na sexta de Carnaval, dia 9, passaram o facão em R$240 milhões da segurança pública e, no dia 14, na Quarta de Cinzas, anunciam a intervenção para garantir a segurança dos cariocas.

    Será que a nossa capacidade de raciocinar, de somar dois e dois foi enublada por alguma magia ou algum feitiço, a tal ponto que o País não vê essa farsa?

    Faz-se um País para poucos, destruindo-se as leis sociais, o Estado social, flexibilizando-se, Senador Gurgacz – para usar um eufemismo bem sem-vergonha –, a jornada de trabalho, o descanso, as férias remuneradas, o décimo terceiro salário, o FGTS, o contrato assinado; flexibilizando-se – para usar um eufemismo bem safado – as regras para o trabalho de lactantes e grávidas em ambientes insalubres.

    Abro outro parêntese, para confessar de novo meu espanto, para deixar meu queixo cair mais uma vez: o que leva um ser humano a votar na lei e a defender o trabalho de mulheres que amamentam ou de gestantes em ambientes prejudiciais à saúde delas e das crianças? O que leva um Parlamentar eleito a tomar uma atitude dessas?

    Bem, acabo de reconhecer a ingenuidade de minha pergunta, afinal, se até flexibilizaram – de novo, Senador, vou usar um eufemismo cafajeste – as regras para o trabalho escravo, o que mais podemos esperar?

    Faz-se um País para poucos, destruindo-se sua burguesia nacional, a indústria nacional, a tecnologia nacional, o desenvolvimento nacional, a autoestima e a dignidade nacional.

    Mas a nossa burguesia nacional, que vestiu a camisa da CBF e que foi para as ruas abraçada ao pato da Fiesp; que aplaudiu com entusiasmo a reforma trabalhista; que invadiu Brasília, para convencer Parlamentares a votar pela reforma da previdência; que apoia esta estupidez absoluta que é o plano de privatizações de Temer e Moreira Franco, que abarca desde a venda da Eletrobras à autonomia do Banco Central, essas elites não percebem que o pau que dá em Chico dá também em Francisco, que o cipó que as compraz, quando vergasta o lombo do trabalhador, também açoita suas ilustres ilhargas, quando a luta de classes global as atinge, contrapondo seus interesses aos interesses imperiais.

    Temos aí a liquidação do setor brasileiro de petróleo e gás; a extinção da cláusula de conteúdo nacional para aquisição de implementos para esse setor; a destruição de todo o complexo nacional de engenharia de obras; a desnacionalização do setor aeronáutico, com a absorção da Embraer pela Boeing.

    Onde está o pensamento de homens como o do Brigadeiro Ferolla, na defesa da tecnologia aeronáutica nacional?

    Da mesma forma que, na área do pré-sal, não serão as empresas brasileiras que fornecerão para a Shell, a Exxon, a Total, a British, é de se acreditar que a nova dona da Embraer terá seus próprios fornecedores, sempre estrangeiros, é claro, sem nenhuma oportunidade para a evolução da tecnologia nacional.

    Temos aí, como nunca em nossa história, a desnacionalização dos setores industrial, agropecuário, comercial, educacional, de serviços. Mas, com tudo isso acontecendo, a nossa burguesia nacional – as elites – não refreia o impulso do salto para o suicídio. Ela se excita com qualquer iniciativa que retire os direitos dos trabalhadores, mas se recolhe diante desse processo massacrante de desnacionalização da economia, de alienação da soberania nacional, de apequenamento de seu espaço, espaço próprio da burguesia industrial e de sua importância, no Brasil e no mundo.

    Um País para poucos se faz com o domínio absoluto do capital financeiro sobre todos os setores, atividades, e a destruição das empresas e do empresariado nacional, a destruição da tecnologia nacional. Um País para poucos se faz com a destruição da Previdência Social. Eufemisticamente, essa destruição é chamada de reforma. Faz-se com a restrição da aposentadoria dos trabalhadores e da classe média. Faz-se, supremo objetivo do mercado, com a privatização da Previdência. A destruição do Estado social, da República social, intentada nos últimos anos, não se completaria sem a aniquilação da previdência.

    Um País para poucos faz-se também com a transformação das Forças Armadas em polícia interna. Faz-se com a desmoralização das Forças Armadas, incumbindo-a da tarefa de capitão do mato a perseguir pobres e negros nos morros do Rio de Janeiro, enquanto a criminalidade, o tráfico e o consumo de drogas correm soltos nos bairros da classe média da zona sul. Vejam a que ponto chega a hipocrisia das mídias e dos governantes!

    Enquanto as Forças Armadas recebiam o mandato de capitães do mato nas favelas cariocas, o PCC, em ações espetaculares, Senador Paim, em ações inacreditáveis, Senador Acir, e à vista de todos, dava demonstração de poder e de impunidade, ajustando contas para manter a unidade de comando do maior agrupamento do crime organizado no Brasil e no continente. Reprimir o tráfico de drogas e de armas sem combater o PCC, Senador Paim? É possível que se entenda isso? Afrontar o crime organizado sem retomar o comando estatal do sistema penitenciário?

    Com a cartelização do tráfico de drogas e de armas e com a internacionalização das suas operações, o PCC é hoje, como já se disse, a nossa mais poderosa multinacional, a mais poderosa multinacional brasileira.

    O sucateamento das Forças Armadas, sonegando-se a elas os meios para bem guardar as nossas fronteiras, dá passe livre para a expansão do crime, do crime organizado. Mas, ao invés de prover as Forças Armada para bom desempenho de suas tarefas, gasta-se, Senador Paim, R$600 milhões na operação na favela da Maré, sem qualquer resultado, absolutamente nenhum resultado.

    Em outubro de 1887, Senador Acir Gurgacz, em outubro de 1887, Senador Paim, o Clube Militar – talvez o mais influente fórum de debates de nossas Forças Armadas – mandou uma petição à Princesa Isabel – isto foi em 1887 –, então regente do Império, solicitando que o Exército brasileiro não fosse usado como "capitão do mato" para a captura de escravos foragidos que se escondiam nos morros do Rio de Janeiro, atemorizando a cidade – 1887.

    Dizia a petição – abro aspas: "Os membros do Clube Militar, em nome dos mais santos princípios de humanidade, esperam que o Governo Imperial não consinta que os oficiais e os praças do Exército sejam desviados de sua nobre missão". Fecho aspas.

    Além da desonra que o papel implicava, ponderavam que em todos os tempos os meios violentos de perseguição não produzem nunca o efeito desejado. Cento e trinta anos depois, com o fracasso da operação na Maré, eis aí a comprovação do que diziam os militares do Clube Militar à Princesa Isabel: em todos os tempos violentos de perseguição não se conseguiu o efeito desejado.

    Um País para poucos se faz também com o monopólio dos meios de comunicação, com a manipulação e domínio da opinião pública.

    O presidente Temer disse que decidiu intervir militarmente no Rio de Janeiro depois de ver, pela TV Globo, os arrastões na praia de Ipanema, no Carnaval. Realmente, as Organizações Globo, com a prestimosa colaboração dos parceiros que açambarcaram o jornalismo pátrio, deram aos arrastões uma dimensão rigorosamente apocalíptica.

    Daí o raciocínio primário e preconceituoso da mídia e das autoridades: arrastão é coisa de pobre, de favelado. Vamos então tomar as favelas do Rio de Janeiro.

    Operações contra o crime organizado que domina o tráfico nos bairros chiques da Zona Sul? Não.

    Operações contra bicheiros que dominam o Carnaval do Rio de Janeiro e o crime organizado nos subúrbios cariocas? Não.

    Operações contra o crime organizado que domina os presídios brasileiros e o tráfico nacional e internacional de drogas e de armas? Não.

    Operações contra o crime organizado que repete em grande estilo, sem inibição ou castigo, o massacre norte-americano de São Valentim, fazendo de Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo Chicagos quaisquer? Não, isso, não.

    Isso não vem ao caso, Senador Paim, como diria um famoso e prestigiado certo juiz federal.

    Faz-se um País para poucos vendendo fantasias, mentiras, notícias falsas para a opinião pública.

    Faz-se um País para poucos escondendo a verdade, distorcendo a verdade, contando meias verdades, como faz a mídia comercial e monopolista.

    Faz-se um País para poucos dizendo que o País está crescendo, que o desemprego diminuiu, que as atividades industriais crescem, enquanto vendem a Embraer, que as reformas da CLT e da Previdência vão salvar o Brasil do buraco, que as privatizações vão destravar o crescimento.

    Faz-se um País para poucos quando a imprensa comercial monopolista vende a ideia de que o Ministério Público, o Judiciário e a Polícia Federal – aquela de que a lei é para todos – não precisam de provas para condenar quem quer que seja, bastam a sua visão ideológica, filosófica, política e os famosos indícios.

    Em todo o mundo ocidental, adotaram-se medidas para garantir a democratização da informação, de tal forma a impedir que alguns poucos veículos, vinculados a grandes grupos econômicos e políticos, a serviço deles, dominassem e manipulassem a opinião pública. Em todo o mundo ocidental, menos no Brasil.

    Essas são algumas receitas para se fazer um País para poucos. Como não há mal que sempre dure, essa receita, essa estranha mistura será vomitada pelos brasileiros a seu tempo e a seu momento.

    Senador Paim, nós temos que, pelo menos na tribuna do Senado, tratar com coragem e sinceridade os temas que nos afligem, contando com o apoio da nossa rádio, da nossa televisão e dos famosos blogues alternativos que, com coragem, pela internet, estão passando a informação ao povo.

    "Não és quente nem frio [...], és morno [...] de minha boca te lançarei" – não sou eu que digo, é a Bíblia Sagrada.

    Obrigado pelo tempo, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/02/2018 - Página 22