Discurso durante a 21ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre os trinta anos da Constituição Federal de 1988.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONSTITUIÇÃO:
  • Reflexões sobre os trinta anos da Constituição Federal de 1988.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2018 - Página 38
Assunto
Outros > CONSTITUIÇÃO
Indexação
  • HOMENAGEM, PERIODO, VIGENCIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REFERENCIA, DOCUMENTO, AUTORIA, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), TITULO, ESPERANÇA (PB), CRITICA, ATUALIDADE, PROPOSTA, PARTIDO POLITICO, PONTE, FUTURO.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Do velho MDB de guerra, Presidente João Alberto.

    O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA. Fora do microfone.) – Muito bem!

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – Presidente, hoje eu quero homenagear uma jovem senhora que, na flor dos seus 30 anos, agoniza, agoniza uma dolorosa, pungente, torturante agonia. Asfixiada, manietada, com os membros dilacerados e decepados, o sangue esvaindo-se, a jovem senhora não haverá de resistir por mais tempo, e, logo adiante, poderemos anunciar a sua morte.

    Hoje, quero glorificar uma jovem senhora que, quando nasceu, trouxe-nos tanta esperança, fez-nos sonhar com uma vida melhor, com uma vida plena de justiça, de igualdade, de harmonia, de prosperidade e de paz.

    Hoje, quero honrar uma jovem senhora cuja concepção, gestação e nascimento custaram sangue, dor, exílio, desespero, amargura e aflição.

    Hoje, quero reverenciar e enaltecer a Constituição de 1988, a nossa Constituição, Presidente João Alberto, a que Ulysses Guimarães chamou de "cidadã".

    É sobre essa jovem brasileira, hoje em agonia excruciante, que vou falar. É o meu réquiem, a minha palavra, o meu kadish, as minhas incelências para uma jovem à morte.

    No entanto, é impossível falar da Constituição cidadã sem se referir ao documento que a inspirou – a sua matriz –, lançado seis anos antes, em 1982. É o documento, do nosso Partido, "Esperança e Mudança", que o PMDB, ainda com as características de uma frente, uma frente de partidos, propôs ao País para reconstrução de uma república democrática, nacionalista e popular.

    Não seria impróprio afirmar que, nos 36 anos decorridos do lançamento do documento "Esperança e Mudança", nenhuma outra agremiação ofereceu ao País um programa partidário de tal alcance e solidez, resistente ao tempo. Está tudo lá: política industrial planejada; financiamento à produção; aumento de crédito; ampliação do mercado interno; distribuição de rendas; elevação do salário real, do salário mínimo real; queda de juros; reforma tributária progressiva; controle do câmbio; nacionalização das riquezas do subsolo; controle das fronteiras internacionais, do espaço aéreo e do mar territorial; fortalecimento das empresas estatais nas áreas financeira, de petróleo, energia e infraestrutura para dar suporte ao desenvolvimento nacional; política externa soberana; integração política e econômica com a América Latina.

    "Esperança e Mudança" é, por excelência, um programa de governo desenvolvimentista, nacionalista, democrático e profundamente voltado aos interesses de trabalhadores, das classes médias, dos funcionários públicos, das classes populares e do empresariado brasileiro.

    Não é à toa que, a essa época, o velho PMDB de guerra definia-se como um partido desvinculado dos interesses do grande capital, nacional ou estrangeiro.

    Vejam só a atualidade e a precisão política e ideológica desse documento. Vou citá-lo:

O Brasil atravessa uma fase crítica: a pior crise econômica e social desde os anos 30 coexiste com uma profunda crise institucional. As estruturas do Estado estão carcomidas pela privatização do interesse público, a política econômica está imobilizada, o Governo carece de largueza de visão para enfrentar o estado de desagregação crescente. O mais grave, porém, é a crise política — o divórcio profundo entre a sociedade e o Estado, a ausência de confiança e de representatividade. A dívida sufoca, obriga o Governo a curvar-se ante os grandes interesses bancários, campeia a corrupção, a imprevidência e a desesperança.

    Diante disso, sigo citando o "Esperança e Mudança".

O PMDB propõe o planejamento democrático como forma de estabelecer e garantir que o conjunto de políticas públicas obedeça a prioridades fixadas democraticamente – prioridades que busquem um novo estilo de desenvolvimento social, [...] O planejamento democrático implica a elaboração de um plano sob controle e influência das instituições democráticas. Plano fixado através de lei, supervisionado eficazmente pelo Congresso, com a interação e auxílio das organizações populares.

    É o nosso documento Presidente João Alberto!

    As principais medidas desse plano são estas:

A distribuição de renda começa com uma nova política salarial, começa com a elevação da base dos salários, com o aumento real do salário mínimo e [...] com uma reforma justa para a previdência social.

    É o nosso documento, Presidente João Alberto, "Esperança e Mudança".

É preciso conter a alta contínua do custo de vida através de uma política anti-inflacionária eficaz. [...]

A distribuição de renda e da riqueza nacional também não virá de maneira progressiva e irreversível sem grandes reformas sociais e institucionais. [Não virá] Sem uma reforma agrária que garanta o acesso à terra [...] [e reorganize] a vida rural, [...] [criando] uma agricultura eficiente, com população rural livre e próspera. [...] [Não virá] Sem uma ampla reforma tributária [que elimine] as enormes injustiças do atual sistema de impostos, que gravam muito pesadamente os assalariados de baixa renda enquanto que as classes privilegiadas pagam parcelas insignificantes de seus rendimentos.

    É o programa "Esperança e Mudança" do velho MDB de guerra.

[Não virá] Sem uma reforma financeira que democratize o crédito com taxas de juros baixas acessíveis aos consumidores de baixa renda.[...] [Não virá] Sem uma reforma fundiária urbana, [...] uma verdadeira política urbana que regularize a situação de milhões de favelados, e que coíba a especulação imobiliária [...].

    A atualidade desse documento "Esperança e Mudança", desse extraordinário documento, avança mais ainda com a proposta de uma estratégia de desenvolvimento que – abro aspas – "liquidasse a especulação parasita, sustentada atualmente pela dívida pública interna".

    É o documento base do meu velho MDB de guerra. Como eu disse, está tudo lá. E quase tudo que estava no documento de 1982 acabou sendo transplantado para a Constituição de 1988.

    O texto que Ulisses Guimarães encomendou a Maria da Conceição Tavares, a Carlos Lessa, a Luiz Gonzaga Belluzzo, a Luciano Coutinho e João Manuel Cardoso de Mello, e que depois foi aprovado na convenção nacional do PMDB, serviu de farol para a redação da mais democrática, mais nacionalista e mais popular das constituições brasileiras desde 1822.

    Exatos 160 anos depois da Independência, havia, enfim, se não uma Carta ideal, pelos menos o esboço de uma proposta que nos levaria à verdadeira emancipação. Havia, porque o que restou da Carta de 1988 é um pastiche, uma contrafação da ideia original.

    A desfiguração da jovem senhora começa no próprio ato de seu nascimento, com a delonga da regulamentação de inúmeros artigos da nova Constituição.

    O mesmo destino teve o documento "Esperança e Mudança". Sem que a proposta tenha sido revogada por congresso ou convenção nacional do PMDB e sem que o estatuto que definia o PMDB como um partido das classes populares tenha sido alterado por congresso ou convenção, a direção atual do PMDB adota, discricionariamente, a maior sandice já concebida no século XXI: a tal "Ponte para o Futuro", uma coletânea medíocre, paupérrima de conceitos econômicos ultrapassados, que qualquer brasileiro com um mínimo de bom senso repugnaria.

    "Ponte para o Futuro" é uma declaração de submissão ao mercado, de subserviência ao imperialismo, de escravização à globalização financeira.

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – "Ponte para o Futuro" recua ao século XIX; recua aos tempos em que a questão social era uma questão de polícia; recua aos tempos em que não havia limites para a jornada de trabalho.

    Presidente, eu peço de V. Exª uma dilação do prazo.

    Recua ao tempo em que não havia limites para a jornada de trabalho, nem férias, nem descanso remunerado, nem abono salarial, nem salário mínimo, nem aposentadoria, nem liberdade de organização sindical, nem repressão ao trabalho escravo (hoje, eufemisticamente chamado de trabalho análogo à escravidão). São àqueles tempos a que nos remetem as reformas trabalhista e da previdência, aconselhadas pela "Ponte para o Futuro".

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – "Ponte para o Futuro" é desavergonhadamente entreguista. É quinta-coluna. É um hino amoral, satanista, que canta, de forma abjeta e incensa afrontosamente o deus mercado, o deus dinheiro.

    "Ponte para o Futuro", em que pesem suas teses liberais e globalizantes, é tremendamente provinciano, coisa de jeca deslumbrado que pretende introduzir em nosso País o que já saiu de moda no dito Primeiro Mundo. Acolhe-se aqui o que o mundo rejeita.

    Descartaram os ingleses com o Brexit e a extraordinária votação ao programa de esquerda de Jeremy Corbyn nas últimas eleições.

    Descartam agora os italianos, com a derrota arrasadora de Matteo Renzi e dos liberais do Partido Democrático, e com a vitória da direita eurocética. Na verdade, a Itália parece caminhar na mesma direção da Espanha, que, há anos, vive de governos provisórios, porque nenhum partido ou corrente consegue estabelecer uma maioria para formar um governo estável.

    Descartaram os portugueses com a vigorosa invenção da geringonça, que, depois de mandar às favas a austeridade recomendada pelo Banco Central Europeu, o FMI, o Banco Mundial, voltou a crescer, criar empregos, aumentar salários e pensões.

    Descartam os franceses, que jogaram a popularidade do Governo de Macron a índices de governantes brasileiros.

    Descartou "Donaldo" Trump, que mandou para aquele lugar o cânone, a sacrossanta guerra neoliberal sobre o déficit público e anunciou o investimento deficitário do ponto de vista orçamentário de US$1,5 trilhão em infraestrutura, para alavancar a retomada dos negócios, a criação de empregos e o aquecimento do mercado interno.

    Descartou, mais uma vez, "Donaldo" Trump, ao proteger empresas norte-americanas, fixando tarifas elevadas para a importação de aço e de alumínio.

    Desgraçam-se os gregos, cujo Governo submeteu-se às imposições do capital financeiro e vê hoje o seu povo sofrer as agonias do desemprego, do cancelamento da aposentadoria, da redução de salários, da fome e da pobreza.

    O mesmo caminho a que nos leva a destruição da Constituição de 1988 e sua substituição por essa excrecência chamada "Ponte para o Futuro". E vejam que só é tristeza.

    Se o documento que inspirou a Constituição cidadã, "Mudança e Esperança", teve a sua redação encabeçada pelo brilho de Maria da Conceição Tavares, na "Ponte para o Futuro", desponta a opacidade econômica e histórica de Moreira Franco.

    Como se vê, são realmente tenebrosos os tempos em que vivemos. Mas não há, Presidente, João Alberto, noites eternas.

    Srªs e Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, encerro estas incelências, encerro este réquiem para a jovem senhora que definha, depois de 30 anos de muito sofrer, encerro com o otimismo de Guerreiro Ramos: mais do que a demonstração de vigor e poder, o avanço das reformas neoliberais entre nós revela a inexorável obsolescência do sistema, porque não serve mais à sociedade; porque só faz aprofundar a crise; porque destrói a República social; porque exclui do Estado mais de 90% de brasileiros; porque é desumana, na medida em que concentra rendas, propriedades e privilégios; porque permite que apenas cinco brasileiros amealhem riqueza igual à renda de 100 milhões de brasileiros; porque nunca, ao longo da história do homem sobre a Terra, sistema assim injusto, com grau tão elevado de violência social jamais sobreviveu por longo tempo e em sua hipertrofia está a semente de seu fim...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... porque da decadência irresistível do velho nasce o novo.

    Assim, da Constituição que morre, tão jovem e de vida tão atribulada, haverá de nascer uma nova Carta cidadã.

    Eleição direta para a Presidência da República, referendo revogatório de todas as injustiças e barbaridades cometidas pelo Governo e pelo Congresso e o renascimento do Estado social e justo no nosso Brasil.

    Obrigado pelo tempo, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2018 - Página 38