Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene do Congresso Nacional destinada a comemorar o Dia Internacional da Mulher e a realizar a entrega do Diploma Bertha Lutz às agraciadas em sua 17ª edição.

Autor
Lúcia Vânia (PSB - Partido Socialista Brasileiro/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão solene do Congresso Nacional destinada a comemorar o Dia Internacional da Mulher e a realizar a entrega do Diploma Bertha Lutz às agraciadas em sua 17ª edição.
Publicação
Publicação no DCN de 08/03/2018 - Página 25
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO SOLENE, CONGRESSO NACIONAL, OBJETIVO, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, MULHER, REALIZAÇÃO, ENTREGA, DIPLOMA, BERTHA LUTZ.

     A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco/PSB-GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Bom dia a todos e a todas aqui presentes. Cumprimento a Presidente Simone Tebet e, cumprimentando-a, saúdo todas as componentes da Mesa.

      Neste ano, a solenidade de entrega do Diploma Bertha Lutz tem para mim um duplo sentido. Estou aqui não apenas para homenagear, como de hábito, os que contribuíram para a defesa dos direitos da mulher e das questões de gênero no Brasil, mas também na condição de homenageada, como uma das 26 Deputadas que participaram da Assembleia Nacional Constituinte de 1987.

      Esse duplo lugar de fala, de convidada homenageada e de anfitriã homenageadora que compartilho com as Senadoras Rose de Freitas e Lídice da Mata, já é um sintoma de transformação, já é, sem dúvida nenhuma, um momento especial para as mulheres brasileiras.

      Em 1987, não havia, seja na Câmara, seja no Senado, quem condecorasse mulheres, quem defendesse os direitos das mulheres. Não havia nem sequer o Diploma Bertha Lutz. Na verdade, não havia nem mesmo banheiro feminino no plenário da Câmara. Principalmente, durante a Assembleia Constituinte, não havia no Senado Federal nenhuma Senadora em exercício de mandato.

      No entanto, soubemos fazer dessa ausência uma presença. Impulsionadas pela campanha movida pelo então Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, que proclamava que Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher e cuja iniciativa culminou com a célebre Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes, conseguimos fazer da Constituição de 1988 um marco de equidade de gênero.

      Não foi um processo fácil. A setores da imprensa interessavam muito mais nossas roupas, penteados e perfumes do que nossas ideias. Buscavam uma musa da Constituinte, como se fosse possível enquadrar a bancada feminina como elemento decorativo e ornamental do processo. Éramos conhecidas por um chiste que mal disfarçava o preconceito como o “Lobby do batom”.

      Mas de lobby tínhamos muito pouco. Não formávamos um grupo homogêneo. Divergíamos com frequência em relação a várias propostas apresentadas, e nosso poder de pressão como grupo era, para dizer o mínimo, bastante limitado.

      Compartilhávamos todas, porém, a perspectiva de que a Constituição deveria contemplar um papel não subalterno à mulher brasileira e conseguimos fazer que se explicitasse ali, logo no início do art. 5º, que inaugura o Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, a declaração que fere de morte o preconceito de gênero -- abre aspas --: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.

      E fomos além. Asseguramos o direito das gestantes, a proteção ao trabalho feminino e a plena igualdade entre os cônjuges em todos os aspectos da sociedade conjugal -- igualdade! Não buscávamos privilégios, regalias ou imunidades. Lutávamos por isonomia, pelo fim da discriminação, pelo fim da assimetria, pelo fim da violência de gênero.

      Sabíamos que a Constituição não poderia, por mágica, transformar uma sociedade em que se depositaram, durante séculos, os traços de uma cultura patriarcal, quando não flagrantemente misógina. Sabíamos que o texto constitucional sozinho não seria capaz de resolver o problema da participação da mulher na política, da sub-remuneração no mercado de trabalho, da violência doméstica, da proteção à maternidade, da exclusão social. Mas sabíamos também que a Constituição não é apenas um mero receptáculo que recolhe, legítima e eterniza costumes e valores sociais. Sabíamos da força criadora e transformadora das leis, principalmente das leis fundamentais. Sabíamos que, antes de organizá-la, o Direito imagina a sociedade e trabalha para que essa sociedade imaginada, essa sociedade de sonhos, essa sociedade de direito, venha a se constituir como sociedade de fato.

      Portanto, nunca fomos ingênuas. Tínhamos aprendido, com o exemplo de Bertha Lutz, que a mera previsão legal do princípio da igualdade não seria suficiente para sua plena aplicação. Se a inclusão do voto feminino no Código Eleitoral de 1932 representou um primeiro passo na luta pela igualdade política entre homens e mulheres, sabemos que não representou mais do que uma igualdade formal, que nunca fomos capazes, até hoje, de transformar em igualdade material, haja vista a proporção minoritária de mulheres no Parlamento brasileiro.

      No entanto, a Constituinte representou, sim, uma oportunidade de institucionalização de várias das demandas femininas, que muito contribuíram e têm contribuído para uma sociedade mais justa, apesar de estarmos ainda muito distantes do ideal.

      Quero encerrar as minhas palavras agradecendo, especialmente, àquelas que não puderam estar hoje aqui. Faço, assim, uma saudação carinhosa à memória de Abigail Feitosa, de Cristina Tavares, de Dirce Tutu Quadros, de Márcia Kubitschek e de Rita Furtado. Tenho certeza de que, se aqui estivessem, compartilhariam do nosso orgulho e da nossa emoção. E às demais digo que continuemos nessa lida de fazer deste Brasil um País melhor. Posso apenas dizer: sigamos em frente, porque, embora tenhamos ajudado a pavimentar a estrada, ainda não chegamos lá.

      Muito obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 08/03/2018 - Página 25