Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Expectativa com a realização do 8º Fórum Mundial da Água e considerações sobre importância estratégica dessa questão para o Brasil.

Autor
Marta Suplicy (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEIO AMBIENTE:
  • Expectativa com a realização do 8º Fórum Mundial da Água e considerações sobre importância estratégica dessa questão para o Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2018 - Página 32
Assunto
Outros > MEIO AMBIENTE
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, DISTRITO FEDERAL (DF), CONFERENCIA INTERNACIONAL, AGUA, PROMOÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, OBJETIVO, DISCUSSÃO, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, BRASIL, MUNDO.

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Boa tarde a todos os Senadores e às Senadoras e a vocês que estão nos escutando pela Rádio ou vendo pela TV.

    No próximo dia 18 de março, vai ter início, aqui em Brasília, a oitava edição do Fórum Mundial da Água, promovido pelo Conselho Mundial da Água, que é a organização internacional fundada em 1996, que reúne cerca de 400 instituições relacionadas à temática de recursos hídricos, em aproximadamente 70 países.

    Essa é a primeira vez que o evento ocorre no hemisfério sul. Por isso, eu acho muito importante que o Brasil marque uma presença forte e que discutamos mais profundamente a questão hídrica no nosso País e também no mundo.

    Hoje, na Ordem do Dia do Senado, nós vamos ter dois projetos em pauta, o que demonstra a relevância do tema "água".

    Recentemente estive com o Ministro Padilha, discutindo a proposta de criação de duas grandes áreas marinhas protegidas, no mar jurisdicional do Brasil. Essa é uma reivindicação do Ministério do Meio Ambiente.

    Essa medida é sensacional, porque vai garantir, a um só tempo, a conservação da biodiversidade encontrada na região, bem como a ocupação territorial ordenada na região, que hoje é suscetível a ameaças, entre as quais a pesca descontrolada, a poluição e a mineração.

    Se concretizadas, essas novas áreas marinhas protegidas cumprirão um importante papel na conservação da biodiversidade, na garantia de recursos pesqueiros e na segurança climática global.

    O Presidente vai assinar este decreto durante a conferência das águas, e esse decreto vai tornar uma área de proteção do meio ambiente o arquipélago de São Pedro e São Paulo e o arquipélago Trindade e Martim Vaz.

    Esses arquipélagos – eu não lembro qual dos dois – têm uma formação que é uma frente fria com um vulcão, que dá uma estrutura, para um dos dois arquipélagos, que é única no mundo. Inclusive, os animais marinhos que lá habitam vivem em profundidade na qual nunca viram a luz. Então, são caranguejos que nunca viram luz e tipos de animais marinhos que nós nem conhecemos. Esses animais serão preservados, e daí a importância, porque eu tenho certeza de que, daqui a algumas décadas, nós vamos também estar explorando o fundo do mar, para alimentos, e nós nunca tínhamos feito a preservação dessa área marinha. Vai ser a primeira vez. É o primeiro país da América Latina que está fazendo essa preservação.

    Hoje, o Brasil tem um decreto, antigo, que amplia por um quilômetro e meio; agora, nós vamos ter 25% da área sob a jurisdição brasileira. E isso vai ser fantástico, porque nós vamos proteger esses dois arquipélagos que são únicos no mundo e que vão estar, agora, sob a jurisdição brasileira.

    Nós sabemos que 97% da água é salgada e imprópria para o consumo. Menos de 3% da água do Planeta é doce, dos quais 2,5% estão presos em geleiras. Quanto a 0,5% da água restante no mundo, a maior parte está presa em aquíferos subterrâneos, dificultando o acesso humano. Somente 0,04% da água do Planeta está disponível na superfície, em rios, lagos e mangues.

    Então, esse é um grande problema, porque temos um recurso que, apesar de aparentemente inesgotável, com esses números nós podemos ver que esse recurso é bastante limitado. Além de ser limitado, a água doce disponível é distribuída de maneira muito desigual pelo mundo. Sessenta por cento dessa água doce está concentrada em apenas dez países: Brasil, Rússia, China, Canadá, Indonésia, Estados Unidos, Índia, Colômbia e Congo. Isso, somado às diferenças na densidade populacional nas regiões do mundo, faz com que haja grandes variações de disponibilidade de água per capita.

    O que significa isso? Significa que o Planeta tem água em abundância, mas ela não está prontamente disponível. Sua distribuição é desigual, e assegurar o acesso à água de qualidade para todos implica altos custos.

    Em consequência disso, estudos feitos pela ONU mostram que cerca de 10% das pessoas em todo mundo não têm acesso a uma quantidade mínima de água potável para consumo diário, e grande parte do Planeta já enfrenta problemas de escassez hídrica ou tem risco de enfrentar períodos de escassez, seja por efeito climático, seja por dificuldade logística para o fornecimento de água.

    Aqui no Brasil, nós somos privilegiados, temos um quinto das reservas hídricas disponíveis, e esse é um motivo importante para se realizar aqui o Fórum Mundial da Água. Entretanto, nós estamos longe de viver uma situação tranquila quanto ao uso e à disponibilidade da água. Cerca de 75% da água do nosso País está localizada nos rios da Bacia Amazônica, que é habitada por menos de 5% da população.

    A disponibilidade de água é menor onde a maior parte da população se encontra, isto é, nas cidades próximas do litoral, o que faz com que essas regiões possuam maior risco de escassez de água. Para piorar a situação, o Brasil registra elevado desperdício nas redes de distribuição: dependendo do Município, até 60% da água tratada para consumo se perde, especialmente por vazamentos nas tubulações. Além disso, os setores que mais contribuem para a economia brasileira são também os mais dependentes de água.

    Nesse sentido, destaco, por exemplo, que 62% da energia elétrica do nosso País é produzida por meio de usinas hidrelétricas. A água, também, é essencial na agricultura, um dos setores mais dinâmicos de nossa economia e responsável por consecutivos superávits em nossa balança comercial. Segundo a Agência Nacional de Águas, a irrigação usa 72% dos recursos hídricos disponíveis para consumo.

    Essa enorme dependência nos deixa muito vulneráveis. Ela significa que, em tempos de crise, a produtividade de diversos setores econômicos pode ser ameaçada ou mesmo comprometida. Imagine o que seria isso para o País!

    Por isso, a questão da água precisa ser pensada do ponto de vista estratégico. Não podemos mais nos dar o luxo de conviver com práticas amadoras – eu diria até ingênuas – de confiar a questão hídrica apenas ao regime de chuvas. Agir assim pode nos custar muito caro no futuro; aliás, já está custando no meu Estado.

    Dou aqui um pequeno exemplo do que aconteceu em São Paulo não faz muito tempo. Em 2014, São Paulo vivenciou a maior crise hídrica dos últimos 80 anos, quando o volume útil do Sistema Cantareira se esgotou. Esse sistema é um conjunto de represas que atende 9 milhões de pessoas da Grande São Paulo. Criado em 1970, foi uma resposta ao rápido crescimento populacional enfrentado na época. As represas ficam nas nascentes da bacia do Rio Piracicaba, a 70km da capital.

    Embora desde 2013 o regime de chuvas na região já viesse diminuindo, nos três primeiros meses de 2014, choveu menos da metade do esperado para o período, o que agravou terrivelmente a situação. Não podemos, contudo, creditar a crise hídrica de São Paulo apenas à redução das chuvas. A Sabesp estima que 25% da água se perde no caminho entre a distribuidora e as torneiras das casas. Além disso, a população cresceu absurdamente: saltou de 4,8 milhões em 1960 para 11,8 milhões em 2013, e isso só na capital mesmo, sem contar as demais cidades da Região Metropolitana.

    Por outro lado, desde 2004, quando houve a outorga do Sistema Cantareira, existe o compromisso de que a Sabesp diminua a dependência desse sistema para o abastecimento da cidade. Mas isso não ocorreu, o que contribuiu para que a redução do regime hídrico tivesse um impacto muito maior e provocasse todo aquele caos no abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo, porque quem é paulista sabe o que aconteceu.

    Então, o que é importante notar é que faltou planejamento na gestão hídrica...

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) – ... de São Paulo – que está com o mesmo governo há muito tempo, há décadas, Senador João Alberto –, assim como falta planejamento na gestão hídrica do Brasil também. E isso é muito grave, porque nós dependemos diretamente da água para viver, para produzir alimentos e movimentar as indústrias. Portanto, temos que aprender a utilizar os nossos recursos hídricos de uma forma mais racional.

    É preciso entender que a escassez de água se relaciona a políticas públicas e a instrumentos de gestão, enquanto a qualidade da água se relaciona a questões de saneamento e de gestão de resíduos sólidos e líquidos, o que é outro problema grave do nosso País, visto que apenas 50,3% dos brasileiros têm acesso à coleta de esgoto – mesmo após dez anos de vigência da Lei do Saneamento Básico, que é de 2007. Se não atacarmos frontalmente esses fatores relacionados à escassez e à qualidade da água, enfrentaremos problemas muito graves pela frente.

    E precisamos...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) – Eu vou pedir mais dois minutos.

    E precisamos fazer isso de forma abrangente, integrando as políticas de recursos hídricos, de saneamento básico e de resíduos sólidos, o que é um grande desafio, porque não temos o hábito de planejar e de pensar estrategicamente as grandes questões nacionais.

    A gestão dos recursos hídricos é um exemplo disso. Até a publicação da Lei nº 9.433, de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, a gestão das águas no Brasil se restringia à emissão de outorgas de uso pelos Estados sem nenhum planejamento. Os cadastros eram praticamente inexistentes – nós achávamos que éramos muito ricos em água – e tampouco havia informações sobre as bacias hidrográficas, sem falar na ausência de planos estaduais de recursos hídricos. Foi apenas com a Constituição de 1988 que a questão dos recursos hídricos passou a compor a pauta política, graças aos seus mandamentos, como a extinção da propriedade privada sobre a água, entregando-a à União e aos Estados, e à criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

    Estamos, portanto, diante de um grande desafio, que precisamos começar a enfrentar já!

    Encerro meu pronunciamento, citando um pequeno trecho do Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (2017) – abro aspas:

Em um mundo onde as demandas de água doce estão crescendo continuamente e onde os recursos hídricos limitados são cada vez mais desgastados por excesso de captação, poluição e mudanças climáticas, negligenciar as oportunidades decorrentes da gestão melhorada de águas residuais é nada menos que impensável.

    Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2018 - Página 32