Discurso durante a 29ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca do assassinato de defensores dos direitos humanos no Brasil, em especial de Marielle Franco, vereadora do município do Rio de Janeiro.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Considerações acerca do assassinato de defensores dos direitos humanos no Brasil, em especial de Marielle Franco, vereadora do município do Rio de Janeiro.
Aparteantes
Vanessa Grazziotin.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2018 - Página 30
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • COMENTARIO, HOMICIDIO, GRUPO, DEFENSOR, DIREITOS HUMANOS, ENFASE, MULHER, VEREADOR, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, o assunto não podia ser outro: é Marielle. Muitos gostariam que a gente se calasse. Acham que já chega, mas não chega, temos que falar.

    Antes de falar de Marielle vou falar também de outros, só para dizer quem já morreu em 2018, e que a gente só pode achar que foi por motivação política, porque são sempre líderes que defendem direitos humanos, que defendem os mais humildes, que defendem os mais pobres. Então, o primeiro deles... O assassinato de Marielle foi na quarta, mas, na segunda-feira, dia 12 de março, no Pará, assassinaram Paulo Sérgio Almeida Nascimento, um líder da Associação dos Caboclos Indígenas e Quilombolas da Amazônia. Foi alvejado como Chico Mendes. Ele saiu à noite para ir ao banheiro, que é fora de casa – quem mora na roça sabe disso, sabe que os banheiros ficam fora das casas –, lá foi assassinado da mesma forma que Chico Mendes.

    E ele coincidentemente era a pessoa que denunciava aquela refinaria responsável pelo vazamento. Ele denunciava e já tinha pedido proteção à polícia, mas não contou com a proteção. Ele denunciava a mineradora norueguesa Hydro Alunorte, que deixou vazar produtos de alumina, minério usado para a produção de alumínio. O líder comunitário questionava a licença da multinacional para a construção das bacias de rejeito no Município. A empresa é investigada, desde o mês passado, por suposta contaminação do rio e áreas verdes de Barcarena. Ninguém falou do ocorrido praticamente. Mas ocorreu na segunda-feira passada.

    Há outros que também já foram mortos neste ano: George de Andrade Lima Rodrigues, líder comunitário em Recife – não vou ler toda a relação porque demora muito, eu preciso terminar e sei que o tempo é limitado –; Carlos Antônio Santos, Carlão, líder comunitário no Mato Grosso, no dia 7 de fevereiro; Leandro Altenir Ribeiro de Ribas, líder comunitário em Porto Alegre, em 28 de janeiro; Márcio Oliveira Matos, liderança do Movimento Sem Terra na Bahia, em 24 de janeiro de 2018; Valdemir Resplandes, Líder do MST no Pará, na cidade de Anapu, no mesmo lugar que mataram a missionária Dorothy Stang, que defendia a reforma agrária, os trabalhadores assentados – no mesmo lugar, morreu agora o Valdemir –; Jefferson Marcelo do Nascimento, líder comunitário no Rio. Há outros. Em 2017, foram assassinados 52 defensores de direitos humanos. Como é que a gente pode se calar? Também Marielle, Anderson e Paulo Sérgio lá do Pará foram assassinados nessa semana. Um bebê de dois anos foi vítima de bala perdida numa favela do Rio. Policiais são atingidos de vez em quando. A gente lamenta todas essas mortes.

    A Marielle era um símbolo – mulher, negra, lésbica – daquilo que alguns não toleram. A quem interessava a morte de Marielle? Ao mesmo tipo de gente que matou Chico Mendes e outros líderes populares, porque incomodam as pessoas que se sentem donas, eu as chamo de donatárias da capitania chamada Brasil. Há pessoas que pensam que são herdeiras das capitanias hereditárias e acreditam que pobres não podem estar no meio deles. Aos pobres para essa gente cabe o lugar reservado por ela, a elite: a cozinha dos ricos, a roça, o trabalho nas fazendas dela. Enfim, ao pobre cabe servir a elite. Ainda há muita gente com essa mentalidade.

    Cada vez que surge uma liderança popular, eles tremem, sentem-se ameaçados. Já são 20 os defensores de direitos humanos assassinados em 2018. Em 2017, até setembro, foram 52, fora as chacinas em Colniza; Pau D'Arco, no Pará; Gamela, no Maranhão. Mas não basta matar o corpo físico, matam também a alma.

    O que estão fazendo com a Marielle é desumano, é nojento, matando a reputação, desqualificando a moça. O que estão fazendo é de uma baixeza que dá nojo. Pensar que uma juíza – fico na dúvida se é juíza mesmo e como será que passou no concurso – postou dizendo que Marielle tinha que morrer mesmo... O que ela disse é isto: "Marielle tinha que morrer." E apontou um monte de defeitos, inclusive mentiras, grandes mentiras. Ela, na qualidade de juiz, pelo menos deveria conferir se as informações que ela recebeu eram verdadeiras, se é que ela recebeu. Mas ela fez isso. Imagina se cai para ela o julgamento desse caso! Ela ia absolver os assassinos, não tenho dúvida. Aliás, alguns setores do Judiciário brasileiro são casos para estudo e para ação no CNJ. Não é possível que o CNJ não se manifeste em relação a essa juíza.

    Nesta semana, lá em Goiás, uma mulher foi pedir proteção, medida protetiva, porque estava sendo ameaçada pelo ex-marido, e o juiz disse que ela tinha que parar de mi-mi-mi, dar-se o respeito e bater no homem também, bater com força. Isso é coisa que um juiz diga para uma pessoa? Está lá escrito no despacho do juiz que ela tem que bater também.

    E há quem diga que se está politizando a morte de Marielle. Alguém tem dúvida de que foi a ação política dela que motivou os assassinos? Não é questão de tirar proveito da morte. É a forma de gritar a nossa dor. Sempre gritamos alto quando perdemos alguém pelo caminho. Somos poucos. E todos que tombam fazem falta nas fileiras da luta em defesa dos direitos fundamentais, principalmente dos mais pobres. Então, as passeatas, as palavras de ordem são para que todos ouçam que Marielle, Paulo Sérgio, Anderson e outros estão presentes e nos dão força para continuar. Nada vai nos deter.

    Temos muitas lideranças ameaçadas. Cito o exemplo da líder das quebradeiras de coco babaçu lá do meu Estado, a Francisca. Aliás, ela é líder interestadual dos Municípios onde há babaçu. Ela foi ameaçada, não morreu por milagre, lutando pela água. Simplesmente, um encarregado de uma terra resolveu cercar o açude onde seis comunidades pegavam água. Eles foram lá e derrubaram a cerca. E, por isso, o encarregado armou quase uma tocaia, porque botou a mulher para chamar a Francisca para conversar e veio por trás com uma faca. Se outras pessoas não tivessem visto e gritado, e ela não tivesse corrido, ela teria sido assassinada.

    Agora, isso não vai nos deter. Isso nos dá coragem. A gente sabe do risco que corre quem defende direitos humanos. Há muita dor sim. A gente está lamentando todo dia. Toda semana há uma pessoa pela qual a gente tem que lamentar. A gente tem que lamentar todas as mortes, mas a gente não tem como citar todas aqui. Agora, quando as pessoas têm uma projeção, as pessoas têm uma luta pela frente, aí a gente tem que explicitar que é para ver se inibe essa gana de matar as pessoas que defendem os direitos humanos, que defendem os seus direitos, o direito das pessoas, defendem os mais pobres, porque a ganância está tomando conta deste País de um jeito muito forte.

    Então, eu queria aqui, mais uma vez, apelar ao CNJ. Não é possível não tomar uma providência, independente de representação. O CNJ tem que tomar uma providência em relação a essa juíza, porque, senão, todas ou todos vão se sentir no direito de fazer esse tipo de comentário.

    Eu acho que está exagerado. Desde o impeachment, desde o golpe que derrubou a Presidenta Dilma, desembargadores, juízes, promotores estão se manifestando demais nas redes. Eu acho que não se trata de tirar a liberdade deles. Mas eles vão lidar com esses casos. Como eles vão lidar com esses casos se eles emitem opiniões antecipadas? Como as pessoas vão confiar na isenção deles? Então, é preciso que haja um mínimo de discrição nessa história toda.

    Independentemente de ela ter apagado, essa senhora fez, ela disse textualmente que Marielle tinha de morrer porque tinha se metido com traficantes, tinha sido amante de não sei quem, tinha tido filho, um monte de mentira, inclusive. Alguém sugeriu que se submetesse a menina, a filha dela, a fazer DNA. Isso é uma humilhação. Nada a ver. Mataram o corpo e querem matar a alma da Marielle. E isso não podemos permitir.

    Então, nós não vamos nos calar. Nós não vamos recuar. Não haverá recuo. Há dor? Há, sim.

    Vanessa, gostaria de falar?

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – Eu gostaria.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Pois não, Vanessa.

    A Srª Vanessa Grazziotin (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – Se V. Exª me permite, Senadora Regina, primeiro, V. Exª tem sido uma grande Presidente da Comissão de Direitos Humanos desta Casa. Acho que a Comissão que mais audiências públicas faz, que mais debate faz e que está no dia a dia com a população do Brasil, sem dúvida nenhuma, é a Comissão de Direitos Humanos do Senado. Em segundo lugar, Senadora Regina, em nós mulheres eu acho que a dor é maior ainda. E é maior não por conta da violência, do extermínio, mas por conta dessa outra violência a que V. Exª se refere. O Senador Jorge Viana já ocupou a tribuna para falar disto: uma magistrada, uma desembargadora – ela não é só juíza, ela é desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – escrever o que escreveu? Pelo que eu vi, a desculpa, a justificativa dela é que ela apenas replicou. Não. Vamos olhar o Face dela, as mídias dessa senhora. Essa senhora só propala o ódio, essa senhora só propala a desunião, a discriminação. É isso o que ela propala, uma desembargadora. O Conselho Nacional de Justiça deve tomar alguma providência, porque não é a única. Não é a única, infelizmente. E não quero dizer que só na magistratura há disso. Mas a magistratura julga, decide o destino de vidas. E é assim que trata, Senadora Regina? Então, como Presidente da Comissão de Direitos Humanos, a providência que V. Exª for tomar, a iniciativa que V. Exª tomar, conte desde já com o nosso apoio, Senadora Regina. Muito obrigada. E parabéns pelo pronunciamento corajoso. Aliás, a postura de V. Exª tem sido corajosa. V. Exª tem sido vítima, uma das maiores vítimas aqui no Senado Federal por esta razão: por ser simples, por ser negra, como se isso não qualificasse as pessoas a estarem aqui. O que não deveria qualificar são esses tipos de atitudes discriminatórias, atitudes imorais, como fez, entre vários, essa senhora desembargadora do Rio de Janeiro. Parabéns, Senadora.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Obrigada, Senadora Vanessa.

    Como eu ainda tenho um tempinho, eu vou ler o nome das pessoas que foram mortas em 2017. A gente não tem dados importantes. A gente pega de um lugar e de outro. Até vou propor, na Comissão de Direitos Humanos, que haja um observatório de direitos humanos para organizar esses dados, para que a gente tenha, na Comissão, alguma coisa que não precise ser lida, mas uma resolução que a gente possa ter, porque aqui não estão todos.

    Já li os de 2018. Agora, os de 2017: Clodoaldo dos Santos, líder sindical em Sergipe; Jair Cleber dos Santos, líder de acampamento no Pará; Fábio Gabriel, cujo apelido é "Binho dos Palmares", líder quilombola na Bahia; José Raimundo da Mota de Souza Júnior, líder do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) na Bahia; Rosenildo Pereira de Almeida, o "Negão", líder comunitário da ocupação na Fazenda Santa Lúcia, no Pará; Eraldo Lima Costa e Silva, líder do MST no Recife; Valdenir Juventino Izidoro, o "Lobo", líder camponês em Rondônia; Luís César Santiago da Silva, o "Cabeça do Povo", líder sindical do Ceará; Waldomiro Costa Pereira, líder do MST no Pará; João Natalício Xukuru-Kariri, um líder indígena em Alagoas; Almir Silva dos Santos, líder comunitário no Maranhão; José Bernardo da Silva, líder do MST em Pernambuco; José Conceição Pereira, líder comunitário no Maranhão; Edmilson Alves da Silva, líder comunitário em Alagoas; Nilce de Souza Magalhães, a "Nicinha", líder comunitária e membro do Movimento dos Atingidos por Barragem – nós temos um movimento que está aqui agora neste Fórum Alternativo das Águas, que é das pessoas atingidas pelas barragens que foram construídas e foram deixadas ao léu. Então, eles têm uma luta intensa por reparação dos danos. E essa menina Nicinha foi assassinada –; Simeão Vilhalva Cristiano Navarro, líder indígena do Mato Grosso; e Paulo Sérgio Santos, líder quilombola na Bahia.

    Então, esses são os que eu consegui juntar, mas são muitos mais, mas muitos mais mesmo. Então, ninguém pensa nessas famílias quando falam que estão politizando, que estão sambando sobre o cadáver, porque a gente está gritando mesmo. As passeatas, as palavras de ordem são gritos de dor. As balas estão encravadas em cada um que luta por direitos humanos. A gente não sabe quem será o próximo.

    Quero dizer que não haverá recuo, porque medo já não faz parte do dicionário da gente. Quero dizer que a gente se inspira na música da anistia: "uma dor assim pungente não há de ser inutilmente".

    Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2018 - Página 30