Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o Fórum Alternativo Mundial da Água, realizado em Brasília (DF).

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEIO AMBIENTE:
  • Comentários sobre o Fórum Alternativo Mundial da Água, realizado em Brasília (DF).
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2018 - Página 32
Assunto
Outros > MEIO AMBIENTE
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), CONGRESSO, AMBITO INTERNACIONAL, AUTORIA, CONSELHO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ASSUNTO, DEBATE, IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, PRESERVAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, REFERENCIA, SIMULTANEIDADE, ENCONTRO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), PROTEÇÃO, AGUA, CRITICA, RETORNO, SECA, REGIÃO NORDESTE, PRIVAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, PRODUTOR RURAL, AGRICULTURA FAMILIAR, ACESSO, AGUA POTAVEL, PLANO DE GOVERNO, PRIVATIZAÇÃO, CENTRAIS ELETRICAS BRASILEIRAS S/A (ELETROBRAS).

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, eu quero falar hoje aqui do Fórum Mundial da Água, do qual participei agora pela manhã, da Conferência Parlamentar. Muitos Parlamentares estavam lá. E a preocupação que eu expresso é que é mais um fórum do qual sairá um documento que será assinado por todos os países... Aliás, as grandes lideranças não vieram ao fórum no Brasil, desinteressaram-se. Por que será?

    Mas queria principalmente dizer que há um fórum alternativo acontecendo também aqui em Brasília, com mais de 4 mil pessoas, todas elas engajadas na luta pela água. Elas não se sentiram em condições de participar do fórum oficial, até porque a inscrição é cara e também os tempos de fala são pequenos. Eu mesma falei dois minutos e meio, é muito pouco tempo para a gente expressar o que pensa. Então, esse fórum está lá.

    Quem está nesse fórum alternativo, do qual acho que vai sair um documento melhor, mais realista? Estão lá todas as pessoas que lutam pela água. Estão lá as pessoas atingidas por barragens, aquelas barragens que se constroem e ficam no abandono, e elas resistem. Alguns morrem pelo caminho, mas elas resistem para mostrar o mal que causou a elas, e elas não tiveram reparação.

    Estão lá as pessoas que vivem em conflito, ameaçadas, com os donos da água, porque existem donos da água no Brasil: rios e lagoas são barrados para se levar água para as fazendas, para as plantações particulares, impedindo-a de chegar às pessoas que realmente precisam. Açudes são cercados para que comunidades inteiras não se abasteçam. No meu Estado, houve um atentado agora contra uma menina que é líder das quebradeiras de coco – eu não me canso de dizer isso – porque juntaram as seis comunidades e derrubaram a cerca. Muito justo, estavam passando necessidade de água. E aí o encarregado da terra fez uma espécie de emboscada, colocou a mulher para distraí-la, e vinha por trás com uma faca. Se alguém não gritasse e ela pulasse na garupa de uma moto que estava esperando por ela, ela teria morrido, porque buscava água, pois privatizaram o açude – o único açude que abastece seis comunidades.

    Então, essas pessoas estão ali naquele fórum. Seria interessante que alguns passassem por lá.

    Estão lá também as comunidades indígenas, que choram a morte dos rios que banhavam suas terras, que choram o envenenamento de suas terras, que lutam pela demarcação das terras indígenas para que eles possam preservar os recursos naturais e praticar a verdadeira sustentabilidade. Se há alguém que sabe praticar a sustentabilidade são os indígenas. A gente tem muito a aprender com eles. Então, o Brasil, se quiser preservar a água e a biodiversidade, tem que demarcar as terras dos índios. É lamentável que esse povo viva aqui há mais de 500 anos e não seja dono, não tenha reconhecida sua posse da terra.

    Estão lá também as pessoas que lutam contra a privatização da água, a água como mercadoria, simbolizada na privatização da Eletrobras. As pessoas acham que privatizar a Eletrobras é privatizar energia. Não. Estará privatizando a água. Ninguém vai comprar uma empresa que não tenha água suficiente para produzir energia.

    Então, a privatização da Eletrobras é também a privatização da água, e acho bom que as pessoas pensem nisso antes de votar, antes de dar apoio a essa loucura – mais uma! – que querem fazer, mais uma entrega do patrimônio brasileiro – estão privatizando a água!

    O documento que vai sair do Fórum Mundial, oficial, é o que menos importa, porque aquela gente, e todos os que estão passando sede, querem soluções para não morrer de sede. A sede não pode esperar, quem tem sede tem pressa. O Brasil voltou a ter o carro-pipa como negócio no Semiárido. Isso é vexatório! Isso envergonha, isso humilha as comunidades que recebem aquela água de qualidade duvidosa, mas também humilha os governos. É impossível, com tanta tecnologia, você ainda estar levando água para as pessoas com carro-pipa – e alguns têm que comprá-la, porque a água que recebem gratuitamente não é suficiente, já que é de 15 em 15 dias que o carro-pipa vai a cada comunidade. Então, é preciso acabar com esse negócio – virou um grande negócio – do carro-pipa, esse negócio lucrativo.

    O debate é importante. É preciso que se debata, senão cai no esquecimento e parece que aquela população não existe. Resolução da ONU reconhece a água e o esgoto sanitário como direitos fundamentais. No Brasil tramita uma PEC para também colocar na Constituição a água como direito fundamental. Só que não adianta estar na Constituição se o País e os governos – aí são todos, não estou falando especificamente de ninguém – não proporcionarem essa água de que as pessoas precisam. Se é um direito, vai ter que ter o direito mesmo, vai ter que haver água para as pessoas – e a gente está vendo como é que está acontecendo.

    A água é continuamente renovada em ciclos hidrológicos, mas o sistema econômico global é predatório, provoca alterações climáticas, poluição, a destruição dos ecossistemas essenciais para a renovação da água. A má distribuição e a escassez são agravadas pela apropriação da água para fins comerciais – coronéis que cercam açudes ou grandes corporações que promovem um processo de apropriação e mercantilização da água como mercadoria. Isso não pode ser aceito, não é possível, acho que as pessoas precisam visitar o Semiárido nordestino, ver, pedir um copo d´água nas casas. Você pede um copo d´água nas casas no Sertão, na zona rural, e vê que a água é colorida, parece um suco. A gente pensa que é um suco, mas é a água que aquela população bebe, e a gente bebe também porque está com sede. Na hora em que a gente chega a uma casa e pede água, a gente não vai fazer a desfeita de não beber a água que veio. Mas é assim.

    Acho que, se as pessoas e os Parlamentares viajassem mais, vissem a pobreza, vissem como vivem as pessoas mais simples, talvez se sensibilizassem para fazer leis melhores, exequíveis. Porque, às vezes, há leis que ficam no papel. Não adianta fazer lei para não valer. No Brasil há uma história de lei que não pega; há as que pegam e as que não pegam. Que diabo é isso? A gente precisa fazer todas as leis pegarem!

    Essa questão da água é muito séria. O Papa Francisco teve a felicidade, em sua primeira encíclica, a Laudato Si´, de tratar só sobre a questão ambiental, principalmente a água. Ele dá dicas de como fornecer água para o povo. É um livrinho pequeno que todo mundo deveria ler. Acho que, se todo mundo o lesse, iria se sensibilizar, porque é impossível que você tenha água mineral em casa para beber e não se sensibilize com a pessoa que está pertinho de você passando sede. Então, é preciso que a gente olhe com mais carinho para essas coisas.

    A água é um bem comum, sua gestão precisa considerar os interesses das comunidades locais por meio de um processo democrático de debate e decisão sobre projetos que interferem no uso da água e da terra. As pessoas usam a água e a terra como se não fossem acabar, mas vão, são recursos finitos. O Brasil tem muita água? Tem; mas ela está acabando. É só olhar os rios que já morreram e os que estão morrendo. Que País vamos deixar para a geração futura? A gente fala muito nisso. Essa geração, daqui a 30, 40 anos, vai cobrar de nós: que diabo de País a gente deixou para ela, se nem água há para beber?

    Então, é urgente que se pensem soluções. Não é o projeto de lei em si. É solução para resolver o problema. Eu acho que é possível. Eu acho que o Brasil, os Estados têm que colocar uma meta de todo ano tirar 10 ou 15 Municípios do carro-pipa. Seca vai existir sempre. O Nordeste passou seis anos de seca agora. Agora, choveu bastante, mas em setembro já não vai mais haver água. As cisternas, que são a única tecnologia que a gente tem para captar água da chuva, secam em seis meses. Em setembro, outubro não chove. Então, eles vão ficar de novo sem água. O carro-pipa volta para o abastecimento. É impossível conviver com isso.

    Faço este apelo no sentido de que a gente se junte nesta cruzada pela água, para que a população mais pobre do Semiárido, onde não chove, não seja tão castigada. Não é culpa dela; a seca é um fenômeno; não chove. Mas é possível amenizar a sede.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2018 - Página 32