Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da neutralidade de rede de internet, sem qualquer tipo de barreira financeira ao seu acesso.

Autor
Ricardo Ferraço (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CIENCIA E TECNOLOGIA:
  • Defesa da neutralidade de rede de internet, sem qualquer tipo de barreira financeira ao seu acesso.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/2018 - Página 11
Assunto
Outros > CIENCIA E TECNOLOGIA
Indexação
  • DEFESA, NEUTRALIDADE, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES, INTERNET.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Senador Valadares, Presidente desta sessão; Srªs e Srs. Senadores; capixabas e brasileiros que nos acompanham pela TV Senado, por nossos veículos de comunicação.

    Sr. Presidente, trago uma manifestação, externando uma preocupação relacionada a uma queda de braço que se dá nos bastidores do nosso País, uma pressão descabida para que o Brasil possa seguir a equivocada decisão adotada e tomada pelo Presidente Trump, que eliminou a utilização livre da internet.

    Não é a primeira tentativa junto ao Governo brasileiro, visto que, em 2016, essa iniciativa partiu – pasmem – da própria agência reguladora federal. Sim, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que deveria priorizar o interesse da população, tentou, a fórceps, através de uma resolução, estabelecer franquias de tráfego de dados, mediante cobrança diferenciada pelas operadoras.

    Na condição de Relator, nesta Casa, do Marco Civil da Internet, marco este que representa, na prática, uma espécie de "Constituição" da internet, estabelecendo suas diretrizes, seus direitos, seus deveres, suas responsabilidades, à época observei que o projeto não tratou, de forma objetiva, de forma explícita, do tema da neutralidade da rede, permitindo por certo controvérsias, Senador Moka, na interpretação.

    Para não atrasar a sua aprovação, após um longo debate que houve na Câmara dos Deputados, relatamos essa proposta do Marco Civil da Internet sem alteração de conteúdo, para que nós pudéssemos ir adiante. Mas, ato contínuo, ainda em 2016, apresentamos um projeto emendando o Marco Civil da Internet, para impedir limites ao consumo nos planos da banda larga fixa.

    Esse projeto passou pelo Senado, foi aprovado, por unanimidade, no plenário do Senado, em março passado. Portanto, estamos completando 12 meses – um ano! – que nós aprovamos este importante projeto aqui no Senado. E dependemos, basicamente, agora, de que a Câmara dos Deputados possa, de fato, deliberar de forma conclusiva sobre esse projeto, que já recebeu parecer favorável na Comissão de Defesa do Consumidor e, neste momento, tramita pela Comissão de Ciência e Tecnologia. E, em seguida, vai ao Plenário da Câmara.

    A internet transformou a humanidade. É considerada pelo Banco Mundial, inclusive, como uma tecnologia tão transformadora quanto o motor a vapor. Os serviços oferecidos pelos provedores de aplicações e de conteúdo democratizam o conhecimento, aumentam drasticamente a capacidade de pessoas e de comunidades se comunicarem entre si, aceleram os negócios e contribuem para o crescimento econômico, social, nacional e global.

    Como intermediários facilitadores, os provedores de aplicações e de conteúdo desempenham papéis cruciais, ajudando comunidades, no Brasil e no mundo, a progredirem em direção aos objetivos de desenvolvimento sustentável, objetivos esses preconizados, inclusive, pela Organização das Nações Unidas, por exemplo, reduzindo o custo do acesso aos recursos educacionais e de saúde; oferecendo ferramentas de comunicação mais simples e eficientes; criando novas plataformas e fóruns para o comércio e o emprego, permitindo que pequenas e médias empresas de qualquer parte do mundo façam negócios em qualquer lugar, promovendo o crescimento econômico e a prosperidade compartilhada.

    Desde a sua criação, a internet foi governada por princípios de abertura e de não discriminação. A neutralidade da rede é o princípio jurídico que sustenta a internet livre e aberta, como a conhecemos. Simplificando, significa que os provedores de conexão devem tratar todo o tráfego da internet de forma igual e não discriminar entre diferentes pacotes de dados, em razão do poder econômico desse ou daquele cidadão. É assim que a internet funciona hoje: os usuários podem acessar qualquer site e acessar qualquer tipo de conteúdo, sempre que desejarem.

    No Brasil, a neutralidade de rede foi consagrada no Marco Civil da Internet, que estabelece que os provedores de conexão têm o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.

    Ainda que o Marco Civil da Internet tenha tratado desse tema – e o fez, como acabo de declinar –, não o fez de maneira objetiva, de maneira explícita. E é isso o que nós estamos buscando, para eliminar qualquer tipo de controvérsia, qualquer tipo de interpretação diferente desta que interessa ao conjunto da sociedade brasileira.

    O Comitê Gestor da Internet, ao estabelecer os princípios para a governança e uso da internet no Brasil, afirmou, sobre neutralidade de rede, que a filtragem ou os privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais ou qualquer outra forma de discriminação, ou mesmo favorecimento.

    Uma internet livre e aberta é fundamental para novas ideias e oportunidades em todos os campos. Provedores de conexão à internet não podem decidir o que as pessoas podem acessar on-line, nem cobrar mais pelo acesso a sites específicos. Sem a neutralidade de rede, não teríamos as inovações e plataformas que tanto utilizamos hoje – a web, buscadores, redes sociais, plataformas de vídeo, serviços de streaming de música e de vídeo, serviços de mensagens e aplicativos móveis.

    No entanto, a neutralidade segue sendo ameaçada, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Muitas vezes essas ameaças são disfarçadas como iniciativas de proteção a outros direitos, como, por exemplo, o bloqueio de acesso a sites ou a serviços on-line, e é importante que estejamos atentos a essas iniciativas que ameaçam a internet livre e aberta como conhecemos.

    A neutralidade da rede está muito além de disputas entre setores empresariais. Se é inegável o valor das telecomunicações para o desenvolvimento econômico, é igualmente relevante o papel das plataformas e dos serviços on-line. Há um círculo virtuoso de criação de valor e de crescimento econômico entre as operadoras de telecomunicações e os provedores de aplicações e de conteúdo.

    Isso pode ser facilmente constatado: uma maior demanda de serviços oferecidos por provedores de aplicações e de conteúdo, por certo, leva a uma maior demanda dos usuários para serviços de conexão à internet...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – Peço, Sr. Presidente, um pouco da condescendência de V. Exª, para que eu possa concluir o meu pronunciamento.

    Isso gera mais receitas, por certo, para operadores de telecomunicações, financiando-se novos investimentos em redes e aumentando-se a utilização dos serviços oferecidos pelos provedores de aplicação e de conteúdo. Ou seja, serviços e plataformas on-line estão acelerando a demanda por banda larga fixa e móvel, ajudando a estimular o crescimento dos mercados tradicionais de telecomunicações.

    Foi justamente a neutralidade de rede que permitiu a invenção da World Wide Web (o www), sem a necessidade de permissão ou pagamento. Se provedores de conexão pudessem violar a neutralidade da rede, poderiam exigir que empresas e indivíduos tivessem...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ...que pagar para entregar conteúdos e serviços em igualdade de condições. Em lugar de uma internet livre, teríamos uma internet cheia de pedágios. No limite, esses provedores de conexão acabariam decidindo quais opiniões poderiam ser divulgadas e quais novos negócios e oportunidades on-line poderiam crescer ou não, estar disponível ou não para o conjunto da sociedade.

    Concluindo, Sr. Presidente, a neutralidade da rede é um princípio, um valor que deve ser mantido para proteger o futuro da economia digital brasileira, pelo tanto que ela pode e já está impactando a realidade do mundo empreendedor nacional.

    Empresas de todos os tamanhos geram empregos e oportunidades de investimento on-line. Vivemos em um mundo conectado, em que a inovação e a criação do valor dependem...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – Sr. Presidente, já estou encaminhando para o encerramento.

    Por isso, nada, absolutamente nada, justifica o adiamento dessa votação na Câmara dos Deputados. É ela que vai manter a garantia de uma internet livre e acessível a todos. É preciso, portanto, dizermos não ao retrocesso, banir esta grande ameaça nacional de controle da internet.

    Não seria razoável permitir que essa fonte de informação dos cidadãos seja alvo de limitação pelas prestadoras do serviço. Estabelecer franquias de dados, em contratos de banda larga fixa, afeta a constituição da rede como patrimônio coletivo, fundamental para a igualdade de oportunidades. É um serviço, portanto, de utilidade pública, que não pode ter interferência de provedor na entrega de conteúdos.

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – Aliás, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já começou, nos Estados Unidos, a batalha judicial para derrubar essa polêmica decisão da agência reguladora de telecomunicações daquele país. Uma série de processos judiciais questiona a quebra de leis federais e tenta revogar o fim da neutralidade da rede.

    Srªs e Srs. Senadores, daquele país também observamos que até mesmo o Senado Federal norte-americano se debruça na direção de revogar esse retrocesso que foi imposto, mais um, pelo Presidente Trump; decisão que significa um atalho de exceção em relação à regra geral de outros países, em prejuízo da livre informação e de 102 milhões de brasileiros que se valem das plataformas e serviços da internet. Ora...

(Interrupção do som.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES. Fora do microfone.) – ...a grande maioria das democracias adota o modelo...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ...de internet fixa sem limite de dados. É inadmissível, portanto, Senador Otto Alencar, completamente inadmissível, fora da razão, limitar o tráfego na rede de internet.

    No Brasil, a internet é e precisa continuar sendo livre para todos, sem censura e sem qualquer tipo de barreira financeira ao seu acesso. Trata-se de uma conquista irreversível de democratização da informação, Srªs e Srs. Senadores, e sem qualquer tipo de hierarquização social e de renda. A neutralidade, portanto, da rede é fundamental para garantir uma concorrência justa e aberta no mercado de serviços e de conteúdo para impulsionar o crescimento do Brasil na era digital. A oportunidade digital precisa continuar sendo uma oportunidade para todos.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – Srªs e Srs. Senadores, chamamos a atenção para essa ameaça, até porque, se ela prosperar, nós já temos um decreto legislativo pronto para que nós possamos revogar esta que é uma absurda iniciativa que não se consolidou. Como a Anatel, tempos atrás, tomou tal iniciativa, mas revogou em função da pressão popular, nós estamos aqui, de antemão, agindo preventivamente e anunciando que, se o fizer novamente, nós, por certo, conseguiremos um amplo apoio nesta Casa e, por decreto legislativo, nós estaremos barrando esse absurdo.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/2018 - Página 11