Discurso durante a 38ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Destaque para os reflexos da educação na taxa de juros.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Destaque para os reflexos da educação na taxa de juros.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2018 - Página 50
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • COMENTARIO, REFERENCIA, EDUCAÇÃO, RELAÇÃO, TAXA, JUROS, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, PENSAMENTO, POPULAÇÃO, IMPORTANCIA, IGUALDADE, DISTRIBUIÇÃO, RENDA, DESENVOLVIMENTO, BRASIL.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Senador Telmário, eu creio que, hoje em dia, nós não podemos deixar de falar de temas fundamentais. E eu venho insistir que esses temas fundamentais, por mais que não se veja no primeiro momento, passam pela educação.

    Senador Paim, uma das coisas que mais se discute no Brasil e em que menos se percebe a relação com a educação é a taxa de juros. Todos reclamam que o Brasil tem a mais alta taxa de juros do mundo, ou quase a mais alta.

    Ultimamente, o Banco Central tem conseguido reduzir substancialmente a taxa de juros chamada Selic. Ou seja, quer a taxa baixa, mas na ponta continua alta. E a maioria reclama, dizendo: "É preciso baixar essa taxa de juros!"

    Senador Paim, por incrível que pareça, isso passa também pela educação. Não a educação no sentido da escola, do diploma, mas no sentido da mentalidade, porque a taxa de juros continua tão alta, em primeiro lugar, por causa dos monopólios dos bancos, sem dúvida alguma. Como o Brasil é um país que optou – e, a meu ver, erradamente – por concentrar o sistema bancário em poucos bancos... Em outros países, inclusive os Estados Unidos, o sistema bancário tem muitos bancos, há uma concorrência entre eles, e isso é o que faz baixar a taxa de juros. Mas não é só isso: é uma questão de mentalidade também. Nós temos uma mentalidade... E mentalidade é uma questão de educação.

    É preciso dizer que estou falando em educação não no sentido apenas de escola, mas de mentalidade nacional. O Brasil tem uma mentalidade, primeiro, em que não gostamos de poupar. O Brasil tem uma das menores poupanças do mundo, porque nós temos uma altíssima preferência pelo consumo. Os ricos esnobam, desperdiçam; os pobres ganham o suficiente para sobreviver, e não dá para a gente dizer que eles têm preferência pelo consumo; eles têm necessidade de consumir, porque não sobra nada.

    Mas até mesmo aqueles que são, logo depois de pobres... Eu acho, Senador Paim, que uma das falhas do idioma português – mas é de muitos outros, pelo que eu procurei saber – é que não há uma palavra para dizer "não pobre". A gente trata como pobre ou como rico. Não, há uma coisa que não é pobre e não é rico. Pois bem: aqueles que deixam de ser pobres, em muitos países do mundo, reservam um pouquinho para poupar. Nós temos, por alguma coisa na mentalidade brasileira, uma preferência muito forte – é assim que dizem os economistas – pelo consumo: não poupamos; não poupando, é claro que os juros sobem, porque é a poupança que financia os empréstimos. País que poupa pouco, taxas de juros altas, ainda mais se o sistema bancário é monopolizado: há poucos bancos, que não concorrem.

    Pois bem: a preferência pelo consumo, em vez da poupança, é uma questão de educação; educação da população, no sentido de mentalidade.

    Nós podemos fazer com que o brasileiro tenha uma preferência pela poupança muito mais elevada do que hoje, como tem... Eu nem falo a China, que é exagerada, mas eu falo o Chile. E quase todos os outros países. A população poupa mais do que o Brasil. Esse é um ponto, e tem a ver com a educação.

    O segundo ponto é uma certa voracidade que nós temos, no Brasil, pelo consumo. Nós consumimos muito mais do que as rendas permitem. E, para que você consuma mais do que a renda permite, só há um jeito: pedir emprestado. E, quando muita gente pede emprestado, é natural que os bancos subam a taxa de juros. Até porque, se os bancos fossem estatais, não subiria taxa de juros talvez, mas iria escolher quem receberia o empréstimo, porque não daria para todos.

    Então, a ideia, a mente de que é possível você reduzir a voracidade do consumo é uma questão de educação, desde a criança.

    Hoje, a palavra "austeridade" ficou até como um palavrão no Brasil.

    Austeridade é uma coisa que, quando eu era menino, era vista como de cristãos. Os cristãos são austeros – ou os comunistas também. Os livros mostravam, na literatura, a austeridade daqueles militantes socialistas, comunistas, e dos cristãos. Hoje, a austeridade é vista como uma coisa negativa. Isso é uma questão de educação também.

    Um país pode ter uma mentalidade mais ou menos consumista, mais ou menos austera. E, se a gente consegue aumentar a poupança e reduzir a voracidade do consumo, a taxa de juros cai. Sem isso, não vai cair.

    Então, veja como uma coisa que não parece ter relação com a educação tem a ver com a educação: a taxa de juros.

    Agora, vamos trazer outro problema para o Brasil, que as pessoas costumam dizer que é verdade: temos a maior concentração de renda ou quase a maior concentração de renda. Nenhum país é tão perverso, salvo pouquíssimos, na concentração maldita da renda.

    Como é que se distribui renda? Não pode ser de helicóptero, jogando-se dinheiro. Não pode ser através da simples distribuição de bolsas, porque aí se distribui apenas um pouquinho, para tirar as pessoas da miséria, como a gente conseguiu no Brasil, com o Bolsa Escola, que se transformou em Bolsa Família. Eu falo em uma distribuição real, como têm os países europeus, em que a desigualdade entre o que mais recebe e o que menos recebe é pequena.

    Como é que a gente consegue isso? Só garantindo que a educação seja igual para todos. Não há outro jeito. Mas não é que há outro jeito e a gente deveria escolher esse. Não. É que não há outra maneira de distribuir renda, a não ser distribuindo antes a educação. Mas custa às pessoas achar que a educação é a solução.

    Mas há outra coisa antes disso: só se distribui renda que existe. E como é que se gera renda num país? Através da capacidade de cada pessoa produzir. Quando todos produzem, o país tem o que se chama uma renda nacional elevada, um PIB alto. É aí que a gente vai poder distribuir. Sem uma renda alta, não se distribui renda, a não ser que se distribua a pobreza de todos.

    Como é que se aumenta a renda de um país? Não há outro jeito, a não ser aumentando-se o que se chama a capacidade de cada pessoa produzir. Como é que se consegue aumentar a capacidade de uma pessoa produzir? Educação.

    Claro que se precisa das ferramentas, que se precisa do capital, que se precisa do investimento. Mas não adianta dar ferramenta para quem não sabe usar. E você aprende a usar uma ferramenta por meio da educação.

    Antigamente, dava para ensinar a usar uma ferramenta sem necessidade de grande educação. Um africano vinha como escravo para o Brasil, descia no porto, do navio negreiro, recebia uma enxada, e já começava a produzir através daquela enxada. Não precisava de uma educação maior do que alguém dizer como fazer.

    Hoje, as ferramentas são sofisticadas, as ferramentas são computadorizadas; as máquinas, diferentemente da enxada, ficaram inteligentes. O trabalhador precisa conversar com a máquina inteligente, e isso só se consegue por meio da educação da criança, que depois se transforma em um trabalhador adulto.

    E tem mais: hoje um país não cresce, não enriquece, no conjunto, se não for capaz de inventar coisas novas, se não tiver criatividade, se não for capaz de inventar produtos. E a invenção, a criatividade, vem da ciência, que vem da educação.

    Isso é apenas para mostrar, Senador Medeiros, que, quando alguns falam – e eu também – que a educação não resolve tudo... Mas nada se resolve sem educação. Quando nós dizemos isso, a realidade mostra. Mas alguns dizem: "Esses caras só falam em educação." Não. Falam no resto, mas não deixam de dizer que sem a educação não há solução.

    Não basta educar, mas não há saída sem educar. Sem o resto, a educação não fertiliza o país. Mas pode ter todo o resto; sem a educação, não haverá fertilização. O Brasil não será um País rico, um País desenvolvido, um País justo, um País civilizado, e até mesmo um País seguro, porque sem polícia não se tem segurança, mas, sem educação, a violência cresce mais rapidamente do que tudo o que a gente fizer com a polícia, que é o que vem acontecendo no Brasil: mais cadeias, mais polícia, mais armas, até intervenção do Exército, como a gente vê no Rio. E vai ter que fazer nas outras cidades, e não vai adiantar.

    Não vai adiantar, enquanto não fizermos a intervenção na educação; a intervenção federal na educação, para quebrar a desigualdade educacional, que vem da desigualdade de renda dos Municípios, que não são capazes de dar uma boa educação para suas crianças, porque eles, os Municípios, são pobres.

    Então, Senador Medeiros, não há como resolver os problemas só com educação, mas não há como resolver nenhum dos problemas brasileiros sem uma revolução educacional que garanta com que nossas escolas tenham a qualidade das escolas dos melhores países do mundo e que a escola do mais pobre seja tão boa quanto a escola do mais rico.

    Como dizia pouco antes, no debate com o Senador Paim, se nós não redondearmos as escolas todas do Brasil, se nós deixarmos que, no Brasil, algumas escolas sejam redondas e outras sejam quadradas, no sentido de umas boas e outras ruins, sempre aqueles que vão para as escolas ruins ficarão para trás.

    O futebol é um exemplo de que a bola, sendo redonda para todos, são os melhores que chegam à seleção. Não são os mais ricos, não são os mais brancos, também não são os mais negros nem os mais pobres. São os que têm mais talento. Mas o talento só se manifesta se a criança tiver acesso à bola no futebol. O talento só se manifesta na ciência se a criança tiver acesso desde pequena à educação. Tudo, Senador, passa pela educação.

    Lamentavelmente há uma coisa também que passa pela educação: é o povo, os eleitores acreditarem que tudo passa pela educação. E aí é que vem o que se chama a dificuldade. É que, para termos boa educação para todos, é preciso que o eleitor tenha educação. E ficamos nessa contradição, que aprisiona o Brasil há cinco séculos. Não damos boa educação, e por isso não damos boa educação. Para dar boa educação, é preciso que o eleitor já tenha boa educação e queira boa educação. Essa dificuldade, esse paradoxo – é assim que chama o negativo – é que impede o avanço no Brasil.

    Mas felizmente está havendo um despertar, Senador Medeiros. Uma das redes de televisão do Brasil vem fazendo uma consulta, pedindo às pessoas que gravem no celular o que querem para o Brasil. Todos os brasileiros devem estar assistindo a isso. Todos os dias estão nos mostrando pessoas das mais diversas cidades brasileiras dizendo: "Eu quero para o Brasil..." E todos põem a educação. Não há um que não ponha educação, praticamente. Eles querem meio ambiente; eles querem cultura; honestidade é outra coisa que eles estão pedindo muito. Mas educação aparece na vontade de cada um. Há um despertar nesse sentido.

    Pena – e aí eu concluo, Senador Medeiros – que aparentemente nossos candidatos a Presidente não estão despertando para isso. Você não vê os discursos dos candidatos, ou pré-candidatos, como se diz, falando em educação. A diferença é que o povo tem direito a pedir educação, mas o candidato a Presidente tem obrigação de dizer como vai fazer, quanto custa e de onde tira o dinheiro para fazer essa revolução que o Brasil precisa. E nós não temos assistido a candidatos a Presidente – e olhe que candidato a Presidente é o que o Brasil mais tem hoje, uma quantidade surpreendente de candidatos – falando em educação. A gente não os vê dizendo como fazer, quanto vai custar, de onde vai tirar o dinheiro, e pedindo voto para isso.

    Como temos ainda seis meses pela frente, é possível que surja um candidato que traga essa dimensão do problema brasileiro, a dimensão educacional, que o povo está entendendo, e os políticos estão ficando para trás. Talvez então, Senador, a questão seja educar os políticos, porque os eleitores, esses já estão se educando.

    Era isso, Senador Medeiros, a quem agradeço a Presidência.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2018 - Página 50