Discurso durante a 42ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Posicionamento contrário à prisão do ex-presidente Lula.

Preocupação com os rumos da política e da democracia no Brasil.

Comentário a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal em relação a constitucionalidade do Funrural.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Posicionamento contrário à prisão do ex-presidente Lula.
CIDADANIA:
  • Preocupação com os rumos da política e da democracia no Brasil.
PODER JUDICIARIO:
  • Comentário a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal em relação a constitucionalidade do Funrural.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/2018 - Página 9
Assuntos
Outros > PODER JUDICIARIO
Outros > CIDADANIA
Indexação
  • CRITICA, PRISÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, AUSENCIA, RESPEITO, PRAZO LEGAL, JUSTIÇA, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, CANDIDATO, DISPUTA, ELEIÇÃO, PRESIDENCIA.
  • PREOCUPAÇÃO, MOTIVO, ATENTADO, DEMOCRACIA, LIBERDADE, PAIS, BRASIL.
  • COMENTARIO, OBJETO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ASSUNTO, CONSTITUCIONALIDADE, FUNDO DE ASSISTENCIA AO TRABALHADOR RURAL (FUNRURAL).

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senador Roberto Requião, V. Exª, na tribuna, foi muito feliz e lembra que o mundo está acompanhando esse processo.

    V. Exª me permita que eu continue no seu raciocínio.

    O ex-Presidente Lula está em primeiro lugar, e ganha no primeiro turno, em todas as pesquisas. Ora, a reflexão que todos fazem neste momento é de que esse movimento truculento de não respeitar nem os prazos, que normalmente a Justiça respeita, visa a não permitir que ele possa registrar a sua candidatura – que é em 15 de agosto – e, com isso, permitir que aqueles que pensam diferentemente, e é legítimo pensar assim, possam eleger o seu candidato a Presidente.

    Isso fere a democracia. Não é bom para ninguém esse ataque à democracia, que começou quando? Aí temos que fazer uma reflexão: começou exatamente quando aqui, neste plenário, articulado por setores conservadores, aplicaram, eu podia falar impeachment, mas vou falar o golpe na democracia e na Presidenta Dilma.

    E nós avisávamos. V. Exª avisou, eu avisei, inúmeros Parlamentares avisaram que o conflito, a insegurança jurídica, a economia, o social, o político, se aquele golpe que aqui foi aprovado acontecesse, iriam continuar cada vez mais piores até as eleições.

    Aplicaram o golpe. Resultado: V. Exª já colocou, e eu cito aqui algumas questões antes de entrar na questão técnica. Vieram com aquela maldita proposta de emenda à Constituição que congelou todos os investimentos no País por 20 anos. Isso interessa a quem? Congelar o crescimento do País...

    Em seguida, aquela reforma trabalhista, que revoga tudo o que o brasileiro conquistou, eu diria, desde a Lei Áurea para cá – primeiro a Lei Áurea, depois a era Getúlio. Nesse momento, revogaram todos os direitos.

    Não bastasse aquilo tudo, e todo mundo sabe onde foi feito aquele projeto – foi na sede da CNI aqui em Brasília –, a Câmara aprova por unanimidade, deram para o Relator, o Relator assinou embaixo e mandou para o Senado.

    O Senado, por sua vez, o que fez? Votou sem ler. Nós o lemos, porque tivemos que ler, porque queríamos fazer a defesa dos absurdos que estavam colocados ali.

    Eu perguntava para alguns Senadores, e eles me diziam: "Bem, não li, mas faz parte. Veio da Câmara, e o Presidente Temer assinou embaixo." Mas isso é argumento? Eu li durante quatro horas e meia o relatório lá na Comissão de Assuntos Sociais. V. Exª estava lá, fez a defesa também. Ganhamos por um voto, mas perdemos depois no plenário. E aprovaram isso, não garantindo mais ao trabalhador, para quem está nos assistindo, nem sequer mais a rescisão de contrato com o acompanhamento do advogado do sindicato. Estão fazendo por correspondência.

    Esse trabalho intermitente depende do número de horas que o teu empregador resolveu te dar. Se ele te der 17 horas, no fim do mês, tu tens que pagar no mínimo para a Previdência o correspondente a R$3. Não recebe nada e ainda paga.

    Veja, o negociado sobre o legislado. A lei só não vale mais para o trabalhador. Por isso, agora não respeitam nem os prazos, amparados em decisões absurdas como essa. Vale o que a parte mais forte decide.

    Vejam a que ponto chegamos. A que ponto nós chegamos! Eu sou obrigado a avançar. Eu podia falar aqui que ele prometeu vetar sete ou oito artigos e não vetou nenhum. Mandaram uma medida provisória para cá que é uma farsa, não mexia em nada nos pontos mais graves. O que aconteceu? Nem instalaram, não há presidente, não há vice, caiu ontem e não existe mais.

    A perspectiva, porque fizemos em torno de mil emendas – nós todos fizemos –, era de que prevalecesse a vontade da sociedade, mas não vão apreciar uma emenda, não vão apreciar a MP e fica tudo como estava. Um conflito jurídico enorme, uma insegurança jurídica que 600 juízes reunidos resolveram que é inaplicável. Aí o Tribunal Superior do Trabalho cria uma comissão, se não me engano de seis ministros, para estudar o que fazer, mediante a lambança que fizeram neste País.

    Senhores, essa é a realidade dos fatos.

    Mas eu quero aprofundar um pouquinho aqui e coloquei no papel. Quero agora apresentar, Senador Requião, a análise que faço aqui desse atentado à democracia que se está fazendo no País. Ou alguém tem dúvida? Dividiram o País outra vez! Eu vou usar "dividiram" porque eu respeito aqueles que pensam diferentemente.

    Mas vamos lá: Sr. Presidente, Senador Roberto Requião, senhores e senhoras, falo aqui para todo o Brasil, falo para a sociedade brasileira reafirmando, como coloquei no meu Twitter, que todos nós ficamos perplexos com a notícia do despacho da prisão do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que – repito –, em todas as pesquisas de opinião, está em primeiro lugar. Digo isso pois o processo não está esgotado, por isso os juristas, muitos e muitos, estão perplexos. O processo não estava esgotado, como não está, ou seja, a análise dos embargos não foi findada.

    Senador Requião, para aqueles que dizem que o Supremo não pode analisar fatos e até mesmo, mediante a opinião dos ministros daquela Casa, ter uma posição diferenciada, eu lembro aqui que, em 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou o Funrural inconstitucional, trazendo um prejuízo, no meu entendimento e no desenrolar do que eu vou ler aqui, a toda a área rural.

    Vamos em frente. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal, a partir desse momento, alterou o entendimento e considerou o Funrural constitucional. Isso gerou uma insegurança jurídica, com essa mudança, trazendo um prejuízo para a área rural de bilhões. O Congresso teve que votar uma nova lei para assegurar que não houvesse esse prejuízo.

    Então, apenas estou lembrando um fato em que o Supremo muda de posição, traz um prejuízo enorme para a área rural, aí houve um debate profundo sobre isso e o Congresso teve que interagir.

    Pois bem, a antecipação condenatória foi, nesse cenário, dito inclusive por juristas uma ação estritamente política, desprovida de razão, neste caso atual, e, obviamente, contra o Estado democrático de direito.

    Digo mais: foi uma ação seletiva no âmbito da Justiça. Deixo claro que não estou aqui falando do mérito; estou falando do processo.

    Faltou, nesse sentido, a serenidade das decisões técnicas e racionais, como eu diria, como horizonte para o equilíbrio, a harmonia, a legalidade e para fortalecer a democracia. Historicamente o País já viveu esta situação.

    Agir emocionalmente neste caso agride o bom senso e a capacidade que temos de evoluir ética e moralmente. Isso é só uma constatação.

    A Constituição brasileira, a Constituição Cidadã, assim batizada por Ulysses Guimarães, é a nossa Bíblia. Não tenho dúvida alguma sobre isso. A nossa obrigação é cumpri-la na sua integralidade. Mais ainda, Sr. Presidente, cumpri-la como se fosse parte do nosso corpo, como se fosse o sangue das nossas vidas, como se fosse o nosso coração que mantém o corpo ereto, digno de sermos humanos na face da Terra.

    Tudo que fizermos contra nossas boas práticas, contra essa visão de mundo é, no meu entendimento, uma covarde agressão à alma da democracia, da liberdade, da justiça e da igualdade.

    Miguel de Cervantes, sim, sim, em Dom Quixote de La Mancha, assim se expressou:

A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida.

    Eu pergunto a V. Exªs: existe liberdade se a democracia é vilipendiada? O que é a democracia enfim?

    Lembro aqui Lincoln, Mandela, Saramago, que têm suas definições. Uma das mais respeitadas definições é a de Norberto Bobbio. Abre aspas: "A democracia é um conjunto de regras de procedimento para a formação das decisões coletivas." Fecha aspas.

    A democracia, complemento eu, não pode ser seletiva. Democracia exige também igualdade de direitos e condições perante a Justiça. Não pode haver condicionante de exclusão e de parcialidade. Há uma frase de um político gaúcho revolucionário que diz: "Quero leis que governem homens, não homens que governem leis". Isso foi dito por Honório Lemes.

    O pecado do Brasil está aí. Os homens públicos se acham superiores à própria Constituição.

    Falta-nos uma pedra angular, o elemento essencial que dá existência à construção de uma nação. Se não houver respeito à Constituição, não haverá paz e harmonia no seio da sociedade e do País.

    Alertávamos lá atrás o que está acontecendo hoje.

    As instituições serão meros palácios de silêncios e fetiches. Isso é a degradação da cidadania. É a personalização da democracia.

    Todos nós temos lado nessa história, mas o que faz a essência da política é a razão, é a sensibilidade, é o bom senso, é o equilíbrio, é a sensatez.

    Eu acredito na unidade do nosso Brasil, hoje tão dividido. Acredito que somente as urnas podem assegurar essa unidade. Acredito que é possível deixarmos de lado os nossos orgulhos, as nossas disputas, até mesmo medíocres, mediante a importância da legalidade, luta que lembra João Goulart, neste momento tão importante e delicado da história nacional.

    Pensemos no povo brasileiro. Tenhamos grandeza neste momento tão difícil para a democracia do nosso País. A história nos impõe este desafio. As causas, as causas estão acima de tudo isso.

    Sr. Presidente, se me permitir ainda, eu faço questão de comentar agora um artigo que foi publicado por um homem que não é de centro ou de esquerda, mas por um homem que sempre teve uma posição muito dura, principalmente em relação às esquerdas. E o que diz ele, no seu artigo? Reinaldo Azevedo: "É evidente que Lula está sendo vítima de um processo de exceção e de procedimentos que agridem o direito da defesa." Porque não foram respeitados sequer os prazos para chegar a este momento tão delicado da nossa jovem democracia.

    Diz ele: "Não há mais meio-tom, meias palavras ou ambiguidades. Lula, ex-Presidente da República, está sendo vítima de um processo de exceção. Interpretações exóticas de códigos legais estão se infiltrando nas franjas dos tribunais."

    E vou avançando: "A autorização dada pelo TRF4 para prender Lula, com a imediata determinação expedida pelo Juiz Sergio Moro, pegou a todos de surpresa, porque não houve o trânsito em julgado do processo nem na segunda instância."

    "Ora...", ele diz – essa pode ser a opinião do Reinaldo Azevedo. "Pois bem...", diz Reinaldo Azevedo, "... reproduzo aqui, então, a entrevista do Desembargador Carlos Thompson Flores, Presidente do TRF4, entrevista que concedeu nessa quinta-feira à imprensa gaúcha."

    Diz ele: "Se forem interpostos novos embargos de declaração, uma vez sendo julgados, a partir desse momento, o relator pode comunicar [sendo julgados!] ao Juiz Sergio Moro o cumprimento da decisão. Não há um prazo. Os embargos anteriores foram julgados mais ou menos em 30 dias." Diz ele.

    Olha bem, estou falando do Presidente do TRF4, Carlos Thompson Flores, onde foi julgado o Presidente Lula.

    Agora anuncia-se que pode haver os embargos que estão dentro do procedimento legal. Aí, diz ele: "Então eu acho que, no mais tardar, em 30 dias, isso será julgado."

    A fala é clara. Thompson Flores é Presidente do Tribunal que confirmou a condenação de Lula e ainda lhe majorou a pena. O entendimento pacífico a respeito é o de que se aguarde pelo menos o trânsito em julgado na segunda instância, o que não aconteceu.

    Quando conseguirem, segundo ele, chegar a esse ponto, de Lula ser preso, vai se criar uma situação de instabilidade cada vez maior, porque diz ele: "Por aí nós ficaremos, mais uma vez, a esperar de uma decisão, que pode ser do Supremo." Aqui eu estou resumindo o texto, Sr. Presidente.

    Mas ele lembra também que, nessas duas ações que estão na Justiça, o relator é Marco Aurélio. Elas dizem respeito ao art. 283 do Código de Processo Penal, que reproduz um trecho ipsis litteris, o inciso LXII do art. 5º da Constituição. O que é que ela diz? Inciso LII do art. 5º da Constituição: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória."

    Sr. Presidente, eu simplifico aqui, porque não vou ler todo o documento, mas ele se socorre do art. 5º da Constituição: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória."

    Sr. Presidente, eu ainda quero, concluindo esta minha análise... A Defesa do Presidente Lula pode opor novos embargos de declaração, os chamados embargos dos embargos. O prazo para a apresentação do recurso é até 10 de abril. E aqui, neste outro documento que eu tenho, também se socorrem do Desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, que afirmou que somente em meados de maio é que estaria pronto para encaminhar ou determinar o cumprimento da sentença. Independentemente de ocorrer ou não, o processo continua, pois a Defesa apresentará recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.

    Além disso, as ações declaratórias de constitucionalidade que podem alterar o posicionamento do STF de não aceitar ou aceitar a prisão após o julgamento na segunda instância ainda não foram pautadas.

    O Ministro Marco Aurélio eu vi uma entrevista dele foi provocado já e disse que vai pedir àquele Colegiado do Supremo Tribunal Federal que votem.

    Mediante tudo isso, meu querido Presidente, ainda posso lembrar aqui o voto da Ministra Rosa Weber, na ação declaratória contra a prisão após a segunda instância. Ela disse: "Eu votaria diferente, se a ação declaratória fosse para todos." Então, é essa ação que tem que ser votada, independentemente da posição de cada um dos Ministros.

    Sr. Presidente, eu digo a V. Exª que ficarei de plantão, aqui em Brasília, conforme já ajustado. Tenho uma outra audiência agora, que vai discutir o assassinato de uma menina, Naiara, de Caxias do Sul, que foi estuprada, com sete anos. Será um debate que vai na linha de evoluirmos, para que neste País, cada vez mais, avancemos na luta contra a violência às crianças e adolescentes.

    Era isso, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/2018 - Página 9