Discurso durante a 46ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a homenagear, in memoriam, o Arcebispo de Natal, D. Nivaldo Monte.

Autor
Fátima Bezerra (PT - Partido dos Trabalhadores/RN)
Nome completo: Maria de Fátima Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a homenagear, in memoriam, o Arcebispo de Natal, D. Nivaldo Monte.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2018 - Página 7
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, DESTINAÇÃO, HOMENAGEM POSTUMA, ARCEBISPO, LOCAL, ATUAÇÃO, CIDADE, NATAL (RN), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN).

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Quero também aqui saudar com muita alegria – e o faço, inclusive, na condição de professora – os estudantes da Escola Classe Engenho Velho, aqui do Distrito Federal, que participam desta sessão solene. Sejam muito bem-vindos e bem-vindas.

    Srªs e Srs. Parlamentares, demais convidados que participam desta sessão especial, sejam muito bem-vindos.

    Ao mesmo tempo em que agradeço a presença honrosa de cada um, de cada uma de vocês, faço uma saudação muito especial aos familiares aqui presentes: a Roberto Monte, a Oswaldo, enfim aos demais sobrinhos de D. Nivaldo.

    Ao saudar os familiares aqui presentes de D. Nivaldo Monte, estendo esta saudação a toda família, ao povo potiguar, ao povo do Nordeste e ao povo brasileiro que acompanha, neste presente momento, esta sessão por meio da internet e da TV Senado.

    Hoje, o Senado Federal vive um dia especial. Para mim, Roberto, é uma honra ser autora desta sessão para lembrar e reverenciar os cem anos de D. Nivaldo Monte. É uma alegria e emoção para mim, na condição de professora e de primeira Senadora de origem popular, representar o povo do meu querido Rio Grande do Norte nesta simples, porém significativa, justa e merecida homenagem.

    Essa alegria eu compartilho com todos os Senadores e Senadoras que subscreveram o requerimento, especialmente os Parlamentares da Bancada potiguar, Senadores Garibaldi Alves e José Agripino, aqui presentes.

    D. Nivaldo foi arcebispo da Arquidiocese de Natal por 20 anos, entre as décadas de 60 e 80, período histórico particularmente marcante da história brasileira e mundial.

    Nosso homenageado nasceu em Natal, capital do Rio Grande do Norte, e teria completado cem anos agora, no último dia 15 de março de 2018. Viveu até os 88 anos e, durante esse período, marcou a história da Igreja Católica em solo potiguar e a vida do nosso povo.

    A maior e melhor homenagem que podemos prestar a D. Nivaldo é relembrar sua história e o legado que ele nos deixou. Afinal, estamos falando de alguém que dedicou uma vida inteira aos ensinamentos contidos no Evangelho e à busca incansável por dignidade, especialmente para o povo mais carente do nosso querido Rio Grande do Norte.

    Assim como tantos de nós, nordestinos, D. Nivaldo nasceu no seio de uma família de agricultores pernambucanos que migraram para o Rio Grande do Norte. Essa experiência de vida, no meio de seu povo, provavelmente despertou no menino Nivaldo a sensibilidade social e a vocação sacerdotal. Vem daí o amadurecimento para o lema que adotou em toda a sua trajetória: "Pisar firme, pensar alto e ver longe". Repito: esse foi o lema que ele abraçou e marcou a sua vida: "Pisar firme, pensar alto e ver longe". Foi esse pensamento que serviu de norte e referência para o cumprimento de sua missão.

    É sob essa inspiração que D. Nivaldo sempre trabalhou, para que o povo mais humilde do meu Estado conquistasse melhores condições de vida e enfrentasse a miséria, a desnutrição, o analfabetismo, os efeitos das secas, as doenças, a exploração e a ausência de políticas públicas.

    D. Nivaldo despertou sua vocação muito cedo, tendo iniciado seus estudos secundários no Seminário Menor de Natal, em 1931, aos 13 anos. Depois, ele foi para o Seminário Maior de Fortaleza, onde completou sua formação com cursos superiores de Filosofia e Teologia.

    Era possuidor de uma inteligência admirável, que sempre esteve a serviço de uma sociedade nova, mais solidária e fraterna.

    Sua figura pequena e aparentemente frágil guardava uma pessoa determinada e inquieta, sempre, sempre em busca de respostas para os dilemas humanos e para os problemas que afetavam o seu povo.

    Essa inquietude levou D. Nivaldo a ser um estudioso de várias áreas do conhecimento...

    Eu preciso tomar água, porque um momento como este, é evidente, mexe com os nossos sentimentos, traz emoção. Nós não estamos aqui homenageando um potiguar, um brasileiro qualquer, de maneira nenhuma. A biografia dele fala por si só.

    Mas, enfim, como eu ia colocando, ele foi um estudioso de várias áreas do conhecimento. D. Nivaldo foi botânico, psicólogo, poeta, compositor, cronista, escritor, jornalista, além de educador nos ensinos médio e superior. Que bela trajetória, não é?

    Sua produção literária o levou a ocupar a Cadeira nº 18 da Academia Norte Riograndense de Letras. E aqui quero fazer um registro, Ministro Delgado. Essa paixão intelectual dele, esse preparo intelectual não afastou D. Nivaldo de uma outra paixão, a paixão pelo futebol, tendo sido um fervoroso torcedor do mais querido, o nosso ABC Futebol Clube.

    Sua rica história eclesiástica foi marcada pela dedicação à Igreja e ao trabalho social. Inspirado nos ensinamentos e exemplos de Jesus, D. Nivaldo sempre esteve atento às dificuldades dos menos favorecidos e comprometido com a luta pela melhoria de vida desses irmãos e irmãs.

    Nosso homenageado gostava do contato direto com as pessoas, fazia questão de estar sempre presente nas comunidades rurais ou urbanas, contribuindo com a ação e a motivação de Igreja, para a promoção de projetos fundamentais para a dignidade das populações mais humildes, como o apoio aos flagelados das secas e das enchentes, alfabetização, ações na área da saúde e da prevenção à prostituição, a capacitação profissional de trabalhadores rurais e urbanos e o trabalho de educação política, vista por D. Nivaldo como um caminho essencial, um caminho pacífico para a libertação das pessoas e superação das desigualdades.

    Imagino – e faço aqui um parêntese – a alegria que brotaria no coração de D. Nivaldo, e de D. Expedito também, se vivos estivessem, para testemunhar que aquela utopia que parecia impossível, a de matar a sede do povo nordestino, com segurança hídrica, através da transposição do São Francisco, está se tornando realidade.

    E peço permissão aqui, Roberto, para abrir mais um parêntese, por dever de justiça. Esse sonho que é ver as águas do São Francisco chegarem ao Nordeste Setentrional – Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte –, esse sonho secular, acalentado no peito do sertanejo, só se tornou realidade através da ousadia e determinação de um menino, de um retirante nordestino que se tornou o maior e o melhor Presidente da história do País, Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso político, vítima da violência política, judicial, e da intolerância deste País.

    D. Nivaldo sempre dizia que todo cristão deveria levar em conta que Jesus veio ao mundo para que todos tenham vida, e vida em abundância.

    Foi com ações ousadas e criativas como essas que ele imprimiu uma marca humanista à sua ação e ajudou no crescimento social, econômico e político das comunidades que viam, em D. Nivaldo, um líder, um amigo, um pastor amoroso, ao mesmo tempo firme e paciente.

    Iniciativas como a criação da Colônia Agrícola de Punaú e a construção de 140 casas populares, destinadas às famílias sem teto da época, lá no Distrito de Emaús, em Parnamirim, dão a exata dimensão do humanista que ele era; dão a exata dimensão do senso de justiça que norteou a história de vida de D. Nivaldo.

    Foi encarnando o cristianismo e vivendo a solidariedade que D. Nivaldo levou esperança aos que ele tinha que cuidar – e como ele cuidava com tanto carinho, com tanto respeito... E foi seguindo os ensinamentos, Roberto, de Jesus, como Jesus disse, ao convocar seus apóstolos: "Sê pescador de homens e mulheres." Foi tomado por grandes sentimentos de amor que, ao lado de D. Eugênio Sales, ajudou a fundar o Movimento de Natal, que era uma espécie de atividade de caráter social, religioso, educativo e cultural realizada pela Arquidiocese de Natal e que se revelou uma das mais bem-sucedidas experiências pastorais, por sua dimensão, amplitude e profundidade.

    Essa ação, inclusive – é importante que se diga aqui –, serviu de inspiração e modelo para a criação da Campanha da Fraternidade, Cônego José Mário, desenvolvida inicialmente – não é isso? – no Rio Grande do Norte, e que depois se transformou em uma ação de âmbito nacional, realizada em todo País, por ocasião da Quaresma, no período da Quaresma.

    Quero aqui inclusive mencionar que, no próximo dia 7 de maio, Senador José Agripino e Senador Garibaldi, às 11h, nós também vamos realizar uma sessão especial, aqui, para debater o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que é "Fraternidade e Superação da Violência". Essa sessão solene, inclusive, é fruto de um requerimento também de nossa autoria. Repito: dia 7 de maio, aqui, no Senado Federal.

    Mas, voltando ainda, aqui, a falar de D. Nivaldo, que merece todos as nossas homenagens, acrescento ainda que ele foi reitor-presidente, em nível nacional, da Cáritas, uma organização internacional da Igreja Católica, que, já naquela época, realizava um trabalho cujo objetivo era o combate à fome e a garantia de segurança alimentar para as famílias em situação de miséria.

    D. Nivaldo, como já mencionei anteriormente, dirigiu a Arquidiocese de Natal num período particularmente desafiador, um período muito difícil da história do nosso País, visto que o Brasil vivia, naquele momento, o pesadelo de um regime ditatorial, sufocando a liberdade, torturando muitos e muitos que deram a sua vida na luta pela conquista da democracia. Repito: ele viveu exatamente esse período e, ao seu modo, não abria mão, de maneira nenhuma, daquela postura humanista que o caracterizava. E conduzia a Igreja sempre a um posicionamento de resistência pacífica.

    D. Nivaldo era, repito, humanista, democrata, mediador, justo, tolerante.

    Os perseguidos, na época, pela ditadura – e quanta dor nós carregamos no nosso peito até hoje, em função desse período –, agnósticos e até ateus, quando precisavam do apoio de D. Nivaldo, lá estava ele, sempre acolhendo essas pessoas, trazendo a palavra de conforto, de carinho, de solidariedade. Ou seja, em tempos sombrios, D. Nivaldo soube se conduzir, empunhando a palavra profética e o amor ao próximo.

    Agora que vivemos no Brasil um regime de exceção e a perigosa escalada da intolerância e a disseminação do ódio, homenagear D. Nivaldo é, sobretudo, para nós, nesse momento, uma forma de afirmar que a justiça e o amor prevalecerão. A verdade nos libertará.

    Viva D. Nivaldo Monte!

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2018 - Página 7