Discurso durante a 51ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a homenagear os povos indígenas, em razão do Dia do Índio.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a homenagear os povos indígenas, em razão do Dia do Índio.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2018 - Página 58
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, DIA, INDIO.

  SENADO FEDERAL SF -

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COORDENAÇÃO DE REDAÇÃO E MONTAGEM - COREM

19/04/2018


    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrático/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao longo de sua história, o Brasil relegou diversas minorias a um plano secundário no processo de desenvolvimento.

    Assim, negros, mulheres e pessoas com deficiência, por exemplo, foram submetidos a todo tipo de dificuldade para ter acesso às benesses que avanços técnicos, científicos e econômicos proporcionaram ao restante da sociedade.

    Contudo, nenhum grupo foi tão segregado e tolhido quanto o dos indígenas brasileiros.

    Como sabemos, os milhões de nativos que habitavam a Terra de Vera Cruz, quando da chegada dos portugueses, possuíam costumes, crenças e valores que foram, paulatinamente, aniquilados.

    Como ocorreu com a própria população, a cultura dos índios brasileiros - de todas as etnias - foi massacrada por cinco séculos de jugo e opressão, descaso e desprezo, dolo e culpa.

    Por isso, no instante em que deveríamos estar celebrando o Dia do Índio como uma efeméride que evidenciasse a admiração e o reconhecimento da Nação brasileira àqueles que tanto contribuíram para a nossa formação e crescimento, somos compelidos a usar o 19 de abril como um instante de contrição.

    Façamos, pois, um mea-culpa coletivo, pedindo perdão pelos erros do passado.

    Isso serve de ponto de partida para combatermos as iniquidades do presente e para projetarmos um futuro de inclusão, respeito e solidariedade.

    Trata-se de uma obrigação moral, mas, também, de uma ação prática.

    Afinal, sem que a sociedade compreenda a sua dívida histórica junto aos nossos índios, dificilmente os poderes públicos se sentirão pressionados a formular políticas que criem as condições para que eles preservem as suas tradições e, ao mesmo tempo, tenham acesso aos instrumentos que propiciariam o desenvolvimento econômico que eles merecem e a inserção social que eles desejam.

    A inércia crônica que marca o Estado brasileiro no que diz respeito às políticas públicas para as comunidades indígenas pode ser revertida, na medida em que houver pressão popular.

    Pressão que nasce da consciência individual e se dissemina por intermédio da sociedade civil organizada, mas que precisa ser amplificada e sistematizada por meio dos canais institucionais.

    Não é por acaso, portanto, que ocupo este espaço hoje para trazer o assunto. E para cobrar!

    Sr. Presidente, os governos têm falhado em assegurar os direitos aos povos indígenas do Brasil. No que tange à saúde, por exemplo, as dificuldades são históricas.

    Desde que foi criada a Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1967, diferentes instituições e órgãos governamentais se responsabilizaram pela atenção básica aos indígenas.

    Nesse ínterim, foram introduzidos e descontinuados dezenas de programas, mas em momento algum a situação sanitária nas aldeias pôde ser considerada satisfatória.

    Desde 2010, a coordenação e execução da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e a gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) estão sob a responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), no âmbito do Ministério da Saúde.

    Sua missão é articular ações junto aos 34 distritos sanitários indígenas (DSEI), com vistas a descentralizar a aplicação dos recursos e dar maior agilidade ao atendimento de demandas específicas.

    Do ponto de vista do desenho institucional, não há reprimendas a fazer.

    Para que possamos atender a quase um milhão de indígenas, representantes de 305 povos diferentes e distribuídos em 688 territórios, não é concebível concentrar as ações em algum gabinete refrigerado de Brasília.

    É preciso que a execução seja feita por quem conhece o drama de nossos índios e se compadece deles. Tal percepção, felizmente, tem se cristalizado.

    No entanto, os abnegados profissionais da área raramente contam com o devido suporte material das autoridades competentes.

    E, como prova incontestável dessa desídia, o arrocho fiscal conduzido pelo atual governo não poupou a Sesai, deteriorando, ainda mais, a situação.

    As lideranças indígenas reclamam da falta de material básico, de medicamentos, de meios de transporte e até de combustível.

    Como consequência, a incidência de doenças, introduzidas no dia a dia dos nativos por outros grupos étnicos, como malária, tuberculose e alcoolismo tem aumentado.

    Por sorte, quero crer que, para o problema da saúde indígena e suas especificidades, existe uma receita simples e eficaz.

    O Governo Federal deve intensificar o processo de descentralização e assegurar o financiamento do sistema por intermédio de dotações orçamentárias mais generosas.

    Como sabemos todos, dinheiro em boas mãos costuma ser um poderoso remédio para os males da administração pública.

    Infelizmente, Sr. Presidente, as agruras enfrentadas pelos povos indígenas do Brasil não se restringem à saúde. No que diz respeito à educação, a situação não é menos preocupante.

    Como a Constituição Federal estabelece, no caput do artigo 210 e em seu parágrafo 2º, as comunidades indígenas possuem o direito à educação formal, à semelhança do que é ofertado aos demais brasileiros, observando-se a necessidade de preservação dos seus valores culturais e históricos, como a língua materna.

    Com base no dispositivo da Lei Maior, a Funai e o Ministério da Educação asseveram que os indígenas têm direito a uma educação escolar específica, diferenciada, intercultural, multilíngue e comunitária.

    Aqui, uma vez mais, deparamos um caso de distanciamento entre o discurso e a prática. Senão, vejamos.

    A educação indígena enfrenta os mesmos desafios da educação básica no que concerne à inclusão escolar, desempenho e evasão, mas apresenta indicadores ainda piores.

    O grande número de diferentes grupos indígenas representa uma dificuldade adicional, haja vista a dificuldade de encontrar pessoal qualificado e material didático específico para o atendimento dos preceitos constitucionais.

    Tal estado de coisas produz situações bizarras e inaceitáveis, como o caso de estudantes da aldeia Sowaintê, de Rondônia, que usam livros confeccionados para os Tupinambá, da Bahia.

    Embora haja desejo, por parte desses povos, de produzir material específico para a sua realidade, os governos não disponibilizam recursos humanos e materiais para a empreitada.

    Para se ter uma ideia, até 2016, apenas 1.961 professores indígenas haviam sido habilitados por instituições de ensino superior no Brasil.

    Além disso, forçados pela vida hodierna a adotar os hábitos daqueles que os colonizaram, muitos jovens indígenas frequentam escolas regulares. Nelas, convivem com o preconceito e a baixa coesão social.

    Como resultado da omissão dos governos em produzir a integração desses jovens, as estatísticas de evolução e conclusão dos cursos são ainda mais cruéis do que as vivenciadas nas cerca de 2.400 escolas indígenas do País.

    Desgarrados de seu núcleo e deixados ao léu, esses jovens vivem o pior dos mundos, marginalizando-se, muitas vezes.

    Tal constatação nos conduz a um debate que talvez fira suscetibilidades, mas que é absolutamente necessário, se quisermos garantir aos indígenas a fruição de todos os direitos que a Carta Magna e o bom senso lhes asseguram.

    Senhoras e senhores Senadores, precisamos discutir o desterro imposto aos nativos brasileiros.

    Nesse sentido, alguns questionamentos se impõem, de plano.

    Se não tivessem sofrido a usurpação de suas terras, como seria a vida dos indígenas modernos?

    E, sem esse vício de origem, como seriam as relações sociais brasileiras nos dias atuais?

    As respostas são óbvias!

    E ainda que soe acaciano, parece ser necessário lembrar que eles foram os primeiros ocupantes de tudo o que, atualmente, conforma o Brasil.

    Dessa maneira, a preservação de porções do território brasileiro para os seus descendentes seria, a meu ver, uma consequência natural.

    Tal postura está alinhada à ética cristã, que cultiva a fraternidade e a partilha, e às bases jurídico-filosóficas ocidentais, que consagraram o direito à herança.

    Por conseguinte, manter e multiplicar reservas indígenas é tanto um ato de justiça quanto um ato de fé.

    Tanto é assim que a Constituição de 1988 reconheceu os direitos originários sobre as terras que os indígenas ocupam, estabelecendo que compete à União demarcá-las, protegê-las e respeitar todos os seus bens.

    No entanto, correntes poderosas vêm-se insurgindo contra essa lógica e obtido um silêncio obsequioso por parte do atual Governo Federal.

    Como consequência desse lobby, nos últimos dois anos, nós, simplesmente, não tivemos a demarcação de novas reservas no País, o que configura um retrocesso enorme.

    Sr. Presidente, temos um passivo quase impagável junto aos nossos indígenas, mas, ao invés de suavizá-lo, estamos abraçando posturas que o incrementam.

    E o que me preocupa é perceber que os equívocos do governo não encontram uma reação mais forte por parte de muitos atores sociais. A sociedade precisa elevar a sua voz.

    Saúde, terra e educação são responsabilidade estatal.

    Igualdade e fraternidade, por seu turno, são valores universais.

    Promover a melhoria da qualidade de vida dos índios é uma missão para todos nós. Que o Dia do Índio sirva de centelha para acender essas chamas.

    Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2018 - Página 58