Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o possível embargo da União Europeia à carne de frango brasileira.

Comentário a respeito do artigo do jornalista Zuenir Ventura, publicado na revista Visão, sobre o declínio ético do Partido dos Trabalhadores.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Preocupação com o possível embargo da União Europeia à carne de frango brasileira.
ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS:
  • Comentário a respeito do artigo do jornalista Zuenir Ventura, publicado na revista Visão, sobre o declínio ético do Partido dos Trabalhadores.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/2018 - Página 60
Assuntos
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Outros > ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS
Indexação
  • APREENSÃO, MOTIVO, EMBARGO, IMPEDIMENTO, ENTRADA, CARNE, FRANGO, PRODUÇÃO, PAIS, BRASIL, LOCAL, UNIÃO EUROPEIA, SOLICITAÇÃO, MEDIDA, RESPOSTA, IGUALDADE, GOVERNO BRASILEIRO.
  • COMENTARIO, TEXTO, DIVULGAÇÃO, PERIODICO, VISÃO, ASSUNTO, PERCURSO, HISTORIA, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ENFASE, AUSENCIA, ETICA.

    A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Meu caro Presidente João Alberto, que preside esta sessão, caros colegas Senadores, nasci com muita honra, Presidente, na cidade de Lagoa Vermelha, que produz o melhor churrasco do mundo – não é do Brasil, é do mundo. Digo isso com muita honra e muito orgulho, porque estou dizendo a verdade. O churrasco com a linguiça campeira da minha terra é elogiado por quem prova quando passa por lá.

    Então, eu quero dizer que será uma honra o dia em que V. Exª estiver na nossa querida Lagoa Vermelha, nos campos de cima da serra, que, além de tudo, têm uma paisagem extraordinariamente bonita. Acho que o Senador Cidinho Santos andou por lá e já deve ter provado o churrasco de Lagoa Vermelha.

    Presidente, eu abriria com o tema que o Senador Cidinho já abordou aqui, mas, antes, quero fazer apenas uma referência ao que o Senador José Medeiros falou sobre a posição de alguns colegas Senadores. Nós respeitamos, sim, tudo o que estiver dentro do limite da democracia, do respeito, daquilo que a liturgia do Poder exige de todos nós. É assim que eu tenho me comportado aqui nesta Casa. V. Exª me conhece. Da mesma forma, tenho o também por isso. Acho que é um direito dos Senadores do Partido dos Trabalhadores visitarem o ex-Presidente Lula na sala do Estado-Maior da Polícia Federal de Curitiba. Não é uma cela qualquer. É uma sala do Estado Maior da Polícia Federal. Foram lá para verificar como está sendo tratado, como está hospedado o ex-Presidente Lula, que é o líder do Partido dos Trabalhadores e, certamente, precisa desse apoio dos seus correligionários.

    É natural que isso aconteça. O que não é natural é duvidar, no caso dele, caros Senadores Requião, Medeiros e Cidinho, que não seja respeitada aquela sentença judicial, que ocorreu claramente dentro da lei e dentro do Estado democrático de direito, com a ampla defesa do Presidente.

    Para confirmar tudo isso, uma pesquisa Datafolha confirma que a maioria dos brasileiros apoia a condenação em segunda instância. Isso significa dizer que também acolhe a sentença do Juiz Sergio Moro, uma sentença adequada ao Presidente Lula, no caso de Curitiba.

    Como disse hoje um comentarista, também seria conveniente que os colegas não se limitassem a visitar a sala do Estado-Maior da Polícia Federal em Curitiba, onde está hospedado, como eu disse, o Presidente Lula, mas também visitassem outros presídios brasileiros, que estão numa situação, eu diria, de verdadeira calamidade. Não só o de Porto Alegre, mas também o do seu Estado, o Maranhão, e de outras cidades do Nordeste. Não acho que seja diferente no Mato Grosso, do Senador José Medeiros. A situação é muito grave. Então, também tenho a solidariedade com aqueles apenados. Alguns injustamente. Mas o que estão justamente presos por terem cometido delitos graves têm de prestar contas à Justiça, porque, tenho repetido: ninguém está acima da lei.

    Dito isso, Presidente, o Senador Cidinho aqui mencionou, e a leitura do noticiário está mostrando claramente que a União Europeia, se valendo de regulamentos internos dos países europeus, com base em informações do ano passado... Se existe alguma dúvida sobre sanidade da carne brasileira, como se vai esperar um ano para se tomar uma decisão se há risco para consumidores? Essa é uma pergunta que não pode ser silenciada. Essa pergunta tem de ser repetida: por que esperar? Porque, se essa dúvida foi levantada em 2017, estamos aguardando há um ano – há um ano, Senador Medeiros – para a União Europeia tomar essa decisão agora de, talvez amanhã, anunciar uma suspensão da carne de frango brasileira.

    Metade do que nós produzimos é consumido no mercado interno, e a fiscalização e a qualidade sanitária têm que preservar o consumidor brasileiro em primeiro lugar e igualmente o consumidor estrangeiro que compra a carne de frango.

    No caso da carne bovina, ao contrário, a maior parte da produção é consumida no mercado interno.

    E quando o Canadá – V. Exª deve ter lembranças – levantou a suspeita de que havia no Brasil a doença da vaca louca, foi a primeira vez que o noticiário da mídia urbana, os grandes noticiários dos horários nobres da televisão começaram a mostrar como se criava gado no Brasil; como eram os frigoríficos; como era a fiscalização; como era a alimentação do gado, a ração animal, mesmo nos confinamentos.

    Nesse momento, 82% da população brasileira que consomem carne bovina ficaram sabendo que comiam uma carne de qualidade. E aí derrubaram por terra todos aqueles argumentos infundados levantados pela concorrência, no caso do Canadá, com uma denúncia vazia, uma denúncia oca.

    Agora, a União Europeia surpreendentemente ameaça, amanhã, com essa decisão que pode levar a uma situação insustentável de prejuízo, um prejuízo inominável. Mas eu tenho a certeza e a convicção de que as autoridades brasileiras, a começar pelo Ministro Blairo Maggi, que tem agido exemplarmente no comando do Ministério da Agricultura e na defesa dos interesses da produção agropecuária brasileira... Esteve ele na semana passada em Bruxelas, tratando desse tema. Mas notou certamente as resistências da União Europeia.

    E aí eu tenho a convicção também, Senador João Alberto, de que, abrigados em uma regulamentação interna, os países estejam levantando uma política protecionista deslavada, descarada, sob o manto da regulação interna e sob o manto da desculpa de estar protegendo a saúde de seus consumidores. Nada disso. É apenas e tão somente uma grande e desleal disputa comercial, mais ou menos parecida com as que, às vezes, nós enfrentamos aqui, dentro do Mercosul, com os nossos parceiros dessa união aduaneira.

    Então, é inaceitável que a União Europeia, decorrido um ano desse processo, só agora venha, diante dessa análise – suspeita, a meu juízo –, levantar questionamentos sobre a sanidade.

    Aqui, depois que a Polícia Federal fez a operação – e deveria ter conversado melhor antes sobre o impacto econômico que daria... E aí tem que ver não apenas as grandes empresas; tem que olhar sobretudo o pequeno produtor de frango, o pequeno produtor de suíno e o produtor que está vinculado no sistema integrado às agroindústrias brasileiras. São essas famílias, Senador Medeiros, que têm que ser cuidadas exemplarmente.

    Talvez os nossos fiscais, que devem, sim, ter rigor, muito rigor na fiscalização... A Polícia Federal tem que fiscalizar, não pode admitir fraude de jeito nenhum. O Ministério da Agricultura tomou a iniciativa, inclusive, de chamar sindicâncias internas para fazerem a apuração junto com a Polícia Federal. É desta forma que um governo sério, que um governo responsável tem que agir: integradamente, e não um puxando para um lado e o outro, para outro. E quem vai pagar a conta é o pequeno produtor.

    Hoje, pela manhã, os nossos produtores do Rio Grande do Sul, liderados pela Asgav (Associação Gaúcha de Avicultores), estiveram reunidos, contabilizando os prejuízos eventuais que isso pode, naquele mercado do meu Estado, representar caso esse embargo venha a acontecer.

    Para se ter uma ideia, no meu Estado, são 7,5 mil famílias de produtores integrados de frango, são os pequenos e médios produtores de frango de corte em plena atividade; 44 mil empregos diretos nessa cadeia; 800 mil em atividades de empregos indiretos em toda a cadeia produtiva; 13 frigoríficos no Rio Grande do Sul, com inspeção federal; 6 frigoríficos, com inspeção estadual; 3 frigoríficos, no Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi); 40 estabelecimentos produtores de ovos de médio e grande porte; 200 pequenos produtores de ovos; 1 indústria de processamento de ovos líquido, em pó e derivados; 40 fábricas de rações e 7 incubatórios de genética e de recria.

    Imagine esse patrimônio construído com muito esforço o que poderá pagar se houver, de fato, um embargo à compra da carne de frango brasileira pela União Europa, mas isso não pode ficar sem resposta. Um governo sério precisa reagir à altura disso porque essa é uma ameaça inaceitável, e essa questão comercial não pode impactar e ser usada como pretexto para dizer que há problema sanitário na nossa carne de frango.

    Então, eu quero trazer esse tema recorrendo novamente e acreditando que o Ministro Blairo Maggi e o Governo Federal, junto com o Ministério das Relações Exteriores, nosso colega Aloyzio Nunes Ferreira e sua equipe de comércio, saberão tratar essa questão como ela deve ser tratada e, como diria, olho por olho, dente por dente, Senador. Eu acho que, nesse caso, não há conversa, Senador Medeiros. Se fizerem retaliação, eu acho que o Governo tem que usar as suas medidas de retaliação.

    Veja que, no caso da Rússia, depois do episódio que aconteceu do envenenamento de um ex-agente secreto russo na Inglaterra, a Inglaterra e vários países impuseram embargos à Rússia por conta desse episódio. O Brasil nada fez, respeitou a Rússia, mas a Rússia está com embargo sobre a carne suína brasileira. Por que não dizer aos russos, ao governo Putin: "Nós estamos sendo complacentes, nós não estamos levantando nenhuma barreira? Então, vamos trocar a gentileza diplomática pela abertura da carne suína na Rússia."

    Eu acho que é essa visão pragmática do comércio que precisa ser vista com mais seriedade e com mais vigor pelas autoridades brasileiras, sob pena de ter que dar explicação àqueles pequenos agricultores, àqueles pequenos criadores de frango de todo o País que estarão ameaçados de perder as suas atividades por conta desse risco que poderá acontecer amanhã, no caso de a União Europeia vier decretar o embargo à carne de frango brasileira, que é de altíssima qualidade, que o digam os consumidores brasileiros de nosso País que respondem pela metade do consumo e da produção da carne de frango, e grande parte dela, como eu disse, Senador, inclusive no seu Estado do Maranhão, é de pequeno criador que fornece a uma agroindústria e isso é processado e é vendido.

    Então, nós desenvolvemos uma tecnologia, mas nós temos concorrentes muito fortes, que têm peso na União Europeia, como é o caso da França, que é a maior produtora, na União Europeia, de carne de frango e, portanto, certamente não gosta da concorrência que a carne de frango brasileira tem, sendo de alta qualidade, alta competitividade e alta produtividade.

    Então, esse problema tem que ser enfrentado com o rigor que merece. Não podemos tergiversar sobre isso sob pena de levarmos um prejuízo muito grave aos nossos produtores.

    Eu queria, apenas para terminar, Presidente, em relação à abertura, ao começo do meu pronunciamento, voltar ao tema em relação ao ex-Presidente Lula.

    Eu li um artigo de um jornalista que eu respeito muito, muito, muito mesmo, chamado Zuenir Ventura, com quem trabalhei há muito tempo. Ele foi editor da revista Visão, que já não existe mais.

    No seu tempo, eu era jornalista e trabalhava como correspondente. O título do artigo do Zuenir Ventura é muito, muito sugestivo: Mais pesar que Júbilo. Se V. Exª tiver a generosidade de aceitar, farei uma leitura rápida, porque ele é muito ilustrativo.

    Muito obrigada, Zuenir Ventura, pelo texto primoroso que escreveu.

"Partido da ética" de Lula prometia não roubar nem deixar roubar. E durante um tempo foi assim. Era um desafio encontrar em algum escândalo um membro do PT.

É provável que eu repita muito do que escrevi por ocasião da condenação de Lula em janeiro. O sentimento de pesar é o mesmo. Para quem acompanhou sua trajetória desde o começo, é difícil comemorar sua prisão. Acho que o lamento é parecido com o de Frei Betto e Ricardo Kotscho, grandes amigos do ex-presidente, mas que não misturam coração e mente, o homem e o político.

Conheci Lula em 1978, quando, no Grupo Casa Grande, promovemos ousados debates na vigência da censura, e trouxemos ao Rio pela primeira vez aquela novidade do ABC paulista. Era uma plateia de mais de mil estudantes e intelectuais, que ouviram embevecidos aquele metalúrgico criticar estudantes e intelectuais. Franco, carismático, foi uma revelação.

Voltei a me encontrar com ele em 1993, quando cobri para o "Jornal do Brasil" a sua primeira Caravana da Cidadania, que percorreu 54 cidades do Nordeste. No domingo, Elio Gaspari lembrou que Merval Pereira [abre aspas] "estava certo quando disse que Lula estava mais perto da cadeia do que do Planalto" [fecha aspas]. Muitos acharam que era torcida, e não apuração.

Por coincidência, o mesmo Merval, então no "JB", como chefe, achou que aquela viagem um ano antes das eleições merecia tratamento especial. Lula não se elegeu, mas começava ali uma caminhada que acabaria por levá-lo ao Planalto. Poucos acreditavam nisso, mas Merval resolveu reforçar a cobertura, escalando um jovem repórter para cobrir o dia a dia, Jorge Antonio Barros, e um veterano, eu, com mais tempo para a análise. Foi uma incrível experiência jornalística acompanhar Lula durante 24 dias por bolsões de miséria que não dispunham de progresso e cidadania, às vezes nem de água e comida. Assisti a cenas como a de sua entrada triunfal em Nova Canudos, acompanhada de uma chuva torrencial após três meses de seca inclemente. O povo foi para a praça celebrar Lula e a chuva, agradecendo a dádiva divina. No reino mítico do Conselheiro, de Padim Ciço, Lampião e Glauber Rocha, aquilo não era acaso. Só podia ser milagre.

Não foi apenas por esse mergulho no Brasil profundo que admirei Lula, mas sobretudo porque o seu "partido da ética" prometia não roubar nem deixar roubar. E durante um tempo foi assim. Era um desafio encontrar em algum escândalo um membro do PT. A única acusação contra ele era de atentado à gramática por falar "menas".

Olhando alguns dos companheiros e companheiras em torno dele durante o desvairado discurso-testamento, senti saudades de quando ele se cercava de figuras exemplares como Antonio Cândido, Sérgio Buarque de Holanda, Hélio Pellegrino, Mario Pedrosa, Paulo Freire, Olívio Dutra, entre outros que o ajudaram a fundar o PT.

O Lula e o PT podem não acabar, mas a utopia que eles encarnaram, essa acabou.

    Obrigada, Zuenir Ventura, por ter traduzido com um texto primoroso uma situação real. E nós também, como você, temos mais pesar do que júbilo. Isso não é bom para a política brasileira. Isso não é bom para a imagem do nosso País.

    Obrigada pelo relato fiel que você escreveu.

    Solicito a V. Exª – e agradeço já sua gentileza – a transcrição desse texto nos Anais do Senado Federal.

    Obrigada, Presidente.

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELA SRª SENADORA ANA AMÉLIA.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

    Matéria referida:

     – Artigo do jornalista Zuenir Ventura.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/2018 - Página 60