Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à reação de parcela da população à prisão do ex-presidente Lula .

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO SOCIAL:
  • Críticas à reação de parcela da população à prisão do ex-presidente Lula .
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/2018 - Página 97
Assunto
Outros > MOVIMENTO SOCIAL
Indexação
  • CRITICA, PARCELA, POPULAÇÃO, BRASIL, MOTIVO, REALIZAÇÃO, LUTA, CLASSE, AUSENCIA, RECONHECIMENTO, ATUAÇÃO, OBJETIVO, BEM ESTAR SOCIAL, POPULAÇÃO CARENTE, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Eu prefiro 30, Presidente.

    Presidente, hoje vou falar sobre boas maneiras, Senador Armando Monteiro. Boas maneiras constitui o tema do meu pronunciamento.

    Eu não sou um Marcelino de Carvalho nem tenho o savoir-faire da Danuza Leão, mas quero falar sobre algumas regras básicas, coisas simples, naturais, que sempre regularam as relações humanas desde que descemos das árvores, passando a andar eretos. E é em momentos de tensão e de conflitos, como os de hoje, que mais se exige civilidade, gentileza, enfim, Senador Armando, boas maneiras. No entanto, cada vez mais, convenço-me de que a polidez, o refinamento e a amabilidade não são próprios das classes que, em uma sociedade de classes, são as classes dominantes, a minoria dominante.

    Quando os conflitos sociais agudizam-se, as classes dominantes tendem a perder as estribeiras, os bons modos e destrambelham-se. O ódio de classes torna-se mais forte que todas as convenções humanas, sociais e políticas. Os exemplos disso, ao longo da nossa história, são frequentes, são abundantes, Senador Renan Calheiros.

    Lembro-me dos comentários grosseiros em O Globo, nas décadas de 50 e 60, envolvendo Getúlio, Juscelino, Jango e seus familiares – D. Maria Thereza, por exemplo. Fico imaginando o sucesso retumbante daquelas canalhices se houvesse internet naqueles tempos. Mas hoje é diferente – não, pelo contrário. Com a liberdade concedida pela rede mundial de computadores a toda sorte de idiotas, as boas maneiras, a lhaneza, a generosidade e o respeito no relacionamento humano tornaram-se coisas do alvorecer da civilização, tempos das cavernas, quando a nossa dependência do outro significava sobreviver ou perecer.

    A prisão de Luiz Inácio da Silva dá a medida do que falo. Na verdade, isso vem de antes, bem antes, pois essas manifestações boçais contra o ex-Presidente remontam à sua eleição, em 2002 – ainda mais que ele substituiu no Planalto o príncipe dos sociólogos, o aparatoso Fernando Henrique Cardoso, que, para orgulho de todo bocó, de todo colonizado, sabia até falar inglês, ou, Senador Renan, pelo menos dizia que sabia.

    Na verdade, poucos como ele expressaram tão fortemente o preconceito das classes dominantes e dos abestados da classe média em relação a Lula e a Marisa. Sempre que houvesse ocasião, o sociólogo se referia ao fato de Lula não ter diploma universitário, não falar inglês, falar errado, não ter abotoaduras de ouro ou renda nos punhos para se relacionar com chefes de Estado de outros países. E, quando Lula triunfou nas relações externas, o príncipe, morto de ciúmes, elevou o tom do despeito, e a nossa gloriosa mídia comercial repastava-se, deleitava-se com as bondades, ou melhor, as boutades do sociólogo.

    O teórico da dependência queria que o retirante nordestino, o operário metalúrgico também se submetesse aos dominantes, como ele pretendia que fosse o destino do nosso Brasil. E disso nada mais é tão simbólico do que aquela famosa foto em que Bill Clinton posta-se atrás de Fernando Henrique, segura-lhe os ombros, enquanto o Presidente brasileiro derrete-se em sorrisos.

    O ex-Presidente poderia ter jogado um papel importante para amortecer o ódio de classes, o preconceito, o despeito tanto dos dominantes quanto da classe média em relação a Lula. Esse gesto moderador teria feito bem ao País. Disse que a vaidade é o pecado preferido do diabo, Senador Maranhão, e Fernando Henrique submeteu-se à tentação. Não apenas ele, todo um círculo de acadêmicos, de uspianos, de intelectuais e jornalistas, supostos homens e mulheres de esquerda ou, abro aspas: "democratas de centro-esquerda", emprestaram seus altos saberes para desclassificar o governo do metalúrgico. Poucas vezes vi tanto despeito, tanta dor de cotovelo, tanta irresponsabilidade. A satanização de Lula e do PT começou aí.

    E o que me impressiona é que o PSDB caiu, pela segunda vez, na tentação, na sequência da derrota de 2014, quando ressentido, amuado, decidiu destampar a caixa de Pandora, com as consequências que todos conhecemos hoje.

    Agora não adianta proclamar inocência ou se afirmar ingênuo. As políticas de inclusão; de promoção humana; a política do salário mínimo e dos aumentos reais para os aposentados; a política de geração de empregos, que, tecnicamente, zerou o desemprego no nosso País; as políticas de abertura das universidades para os filhos dos trabalhadores; a política habitacional; a redenção da agricultura familiar; a extensão dos benefícios da energia elétrica e do saneamento a amplas camadas da população; essas iniciativas, todas da Presidência de Luiz Inácio, tornaram visíveis dezenas de milhões de brasileiros até então imersos no anonimato, no anonimato secular da pobreza, da fome e da miséria. E a visibilidade dessa gente nos aeroportos, nas universidades, nas lojas, nos restaurantes, nos cinemas, nos shoppings, no trânsito das cidades provocou urticária em nossas classes dominantes e deixou-os enfatuados – a classe média enfatuada, incomodada, injuriada.

    Mas talvez a ocupação de assentos nos aviões pelos trabalhadores, pelos nordestinos, pelos mais pobres tenha sido a gota d'água para a explosão da impaciência com o Lula. A frase que mais se ouvia nos aeroportos, de parte da classe média metida à besta, pernóstica, era: "Isto aqui está parecendo uma rodoviária".

    Coisas simples como ter carro, casa, emprego, filhos nas universidades, andar de avião, frequentar shopping, comer três vezes por dia, gozar as férias viajando ou às praias ou ao exterior, passaram a ser encaradas como ofensa pessoal ao status das classes dominantes e à pequena burguesia completamente idiotizada.

    Essa tragédia existencial das classes médias não existia no começo da formação da sociedade de classes e não tem futuro garantido em uma sociedade sem classes. Presas no drama de nunca ascender e estar sempre próximas de descer, elas odeiam os pobres.

    Reproduzo aqui trecho de um artigo do jornalista Mário Magalhães, de dias atrás:

No sábado em que Lula perdeu a liberdade, uma mulher mostrou a amigas um vídeo em que o antigo torneiro mecânico consola duas militantes que choram. A mulher estava numa padaria da Aldeota, bairro bacana de Fortaleza. Uma amiga pilheriou: "Tá chorando porque agora vai ter que trabalhar [referia-se ao Lula]. Vai acabar essa história de Bolsa Família!". A mesa tremeu com as gargalhadas jubilosas. Um ouvido absoluto talvez percebesse ao fundo a voz gutural do "cidadão de bem" Justo Veríssimo [...] dizendo: "Odeio pobre!".

    Nesse mesmo dia 7 de abril, a imprensa deu cobertura a uma festança comemorativa à prisão de Lula, promovida por notório cafetão paulista, Senador Armando, dono de um famoso prostíbulo que parece não incomodar nem as senhoras de Santana nem os santos governadores paulistas. Afinal, à moda dos prostíbulos de Berlim e de Roma, à época da ascensão dos nazistas e dos fascistas, esse puteiro paulistano também é um "puteiro do bem", que apoia os bons costumes, combate a corrupção e o perigo comunista e defende a Lava Jato. E deu provas disso entronizando – na falta de führers e duces – enormes cartazes com os retratos de dois ícones do Poder Judiciário. E, sem que surgisse qualquer reação, o gigolô – que se orgulha de suas conexões com juízes, procuradores, policiais e políticos – chegou a prometer um mês de cerveja de graça em seu prostíbulo, caso Lula fosse assassinado na prisão.

    Isso não é estranho, pois sempre houve uma forte vinculação entre o submundo da prostituição, das drogas e do rufianismo com o nazifascismo. É aquela atuação inelutável, invencível entre os moralistas e os amorais. Como exigir, então, boas maneiras, finesse, urbanidade e polidez dessa gente?

    Em verdade, não há diferença entre a reação da madame lá no bairro da Aldeota e a chulice do dono do puteiro. Deus meu! Até o Baile da Ilha Fiscal degradou-se no Brasil.

    As coisas não são mais como eram. Agora que os trabalhadores, os assalariados, os mais pobres estão sendo arremessados de volta aos tormentos de onde foram resgatados, nada mais apropriado do que criminalizar o homem que teve a ousadia de propiciar a um matuto dos cafundós do Nordeste o prazer de uma viagem aérea ou de botar um canudo na mão de uma filha de operários, o homem que deu aos pobres o luxo de três refeições diárias.

    Parece que a nossa burguesia, as classes que dominam a mídia, o sistema financeiro e o Governo, que se afiliam aos interesses globalistas e imperiais, parece que acreditam naquela conversa furada do fim da história, da derrota de qualquer sistema que se oponha ao capitalismo ou que tente reformá-lo. Acreditam na cessação das contradições de classe. Acham, por exemplo, que chamar os empregados de "colaboradores" e os capitalistas de "empreendedores" fará com que desapareçam, magicamente, miticamente, operário e patrão, trabalho e capital.

    São os artrópodes da fábula "O Escorpião e O Sapo".

    Vejam: nunca se vendeu tanta cerveja no Brasil como nos tempos do Lula e do primeiro mandato da Dilma. O pleno emprego, a política do salário mínimo, a correção das aposentadorias, os concursos públicos, tudo isso fez aumentar extraordinariamente o consumo em geral e o consumo de bebidas, sem dúvida, o consumo de bebidas.

    No entanto, fiéis à sua natureza escorpiana, os maiores fabricantes de cerveja do País foram ativíssimos conspiradores contra Lula e contra Dilma. Financiaram os movimentos e as manifestações em favor do impeachment de Dilma e hoje montam fundos para elegerem um Presidente, Deputados e Senadores de sua confiança.

    Um momento, Presidente, quero desligar meu insistente telefone.

    Da mesma forma, nunca se vendeu tanto tecido, tanta roupa, tanta roupa de cama, mesa e banho e tantos enxovais como na Presidência de Lula e nos anos iniciais do mandato de Dilma. Todavia, os fabricantes de tecidos, especialmente um deles, conspiram o tempo todo contra Lula e contra Dilma. Esse fabricante de tecidos, que hoje é candidato à Presidência, disse que, no dia seguinte à queda de Dilma, aconteceria o espetáculo do crescimento, leite e mel jorrariam milagrosamente.

    A dona de uma famosa rede de lojas, que leva o seu nome, cansou de bendizer os anos de Lula e de Dilma, porque nunca vendera tanto, testemunhava na mídia nacional e internacional. No entanto, assim que a Presidente foi apeada e começou o calvário de Lula, ela não teve dúvidas em tripudiar sobre a desgraça dos dois.

    Temos ainda aquele famoso vendedor de remédios, talvez dono de uma das maiores redes de farmácias do Brasil. Enriquecido porque o pobre finalmente teve acesso a remédios, não teve escrúpulos em financiar a extrema direita na cruzada contra Lula e Dilma. As senhoras e os senhores hão de se lembrar dele. Esteve aqui, neste plenário, em um debate sobre a reforma trabalhista e tripudiou sobre os trabalhadores brasileiros.

    Os donos da meia dúzia de bancos que monopolizam o setor financeiro do País não ficaram atrás do cervejeiro, do tecelão, do vendedor de remédios, da dona do magazine. Mesmo que, nunca antes na história, tivessem lucrado tanto quanto nos governos de Lula e de Dilma, montaram também no sapo para atravessar o rio. É claro, o consumo de cerveja caiu; a venda de tecidos caiu; a venda de remédios caiu; a venda dos magazines caiu. A compra de carros, geladeiras, televisões, computadores, máquinas de lavar, via crediário, pagando aos bancos juros lunares, caiu. Mas Lula e Dilma também caíram. Afundá-los era mais importante que o crescimento do País.

    No meio do caminho, os escorpiões não resistiram ao chamado de suas naturezas e sacrificaram o sapo. Fizeram o mal pelo bem, disseram. O mal para o povo; o bem para os dominantes, porque, mesmo perdendo, eles continuam ganhando.

    Agora uma advertência, um aviso de utilidade pública: os escorpiões amarelos são os mais terríveis, os mais venenosos, Senador Armando. Portanto, quando andarem por aí, pelas ruas, calçadas, praças de nossas cidades, no vão do Masp ou em frente à Fiesp, lá na Paulista, cuidado com os amarelinhos! Como os patos, os escorpiões amarelos são perigosíssimos!

    Ah, sim! As assinaturas de TV a cabo, de revistas e jornais, e a compra de revistas e jornais desabaram.

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – Mas, como dizem os donos da mídia: "Que se me dá que a cônjuge do muar claudique se meu desiderato é causticar".

    Srªs e Srs. Senadores, quando alguns sinais, quando alguns símbolos, quando algumas expressões representativas da civilização, da convivência, das relações humanas, apodrecem e se esfarelam, quando os limites da tolerância, da boa vizinhança, da cordialidade e do respeito começam a ser ultrapassados, é preciso, independentemente de posições políticas e simpatias ideológicas, senso de humildade, renúncia e sabedoria, para evitar o rompimento das pontes que ainda fazem a sociedade se comunicar e interagir.

    Presidente, um minuto mais para eu encerrar, por favor.

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – Claro, não se propõe diálogo com os extremistas de direita, com os fascistas que se abrigam nesses grupelhos que os cervejeiros, os tecelões, os vendedores de remédios, os banqueiros e os industriais sem indústrias da Fiesp financiam, à moda dos Thiessen, dos Krupp, dos Hugo Boss, dos Farben, dos Ferdinand Porsche, dos Agnelli na Alemanha nazista e na Itália fascista. Com essa gente não há interlocução.

    Modus in rebus. Sensatez. Razoabilidade. Tino. Ponderação. Cautela. Engulam os preconceitos de classe. Deglutam o sapo barbudo. As lições da história estão aí. E os bárbaros estão chegando. Quem quer pagar para ver no que vai dar?

    Boas maneiras, Srªs e Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado e ouvintes das nossas rádios.

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – Boas maneiras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/2018 - Página 97