Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Expectativa quanto à deliberação do STF sobre o foro especial por prerrogativa de função.

Autor
Ricardo Ferraço (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Expectativa quanto à deliberação do STF sobre o foro especial por prerrogativa de função.
Aparteantes
Magno Malta.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/2018 - Página 109
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, APOIO, EXTINÇÃO, FORO ESPECIAL, PRERROGATIVA DE FUNÇÃO, REALIZAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), MOTIVO, PRIVILEGIO, PARCELA, POPULAÇÃO, ENFASE, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, VOTAÇÃO, MATERIA, PLENARIO, SENADO.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Exma Srª Presidente desta sessão, estimada e querida amiga, Senadora Lúcia Vânia, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, brasileiros, capixabas que nos acompanham pela TV Senado, venho à tribuna do Senado para registrar, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com entusiasmo, o fato de o Supremo Tribunal Federal ter pautado para o dia 2 de maio próximo um tema da maior importância e da maior relevância para que nós possamos virar mais uma página de uma prática política decorrente do patrimonialismo, que não conhece e não estabelece limite nem fronteira para a relação pública e a relação privada no exercício da vida política e da vida pública brasileira.

    O Supremo marcou para o dia 2 de maio, finalmente, a deliberação – quero crer – do infame foro privilegiado, algo que já deveria ter sido varrido da rotina e da vida política em nosso País.

    Faço aqui, inclusive, um registro, porque já votamos essa matéria aqui no Senado, no mês de março de 2017, e até hoje essa matéria encontra-se pendente de deliberação na Câmara dos Deputados. Mas, já que o Parlamento não faz, que bom que o Supremo irá fazer e, se Deus quiser, avançar no enfrentamento dessa que é uma mazela presente na vida pública do nosso País.

    Antes de adentrarmos ao mérito da proposta a ser analisada pela Suprema Corte, precisamos entender o porquê de tal instituto, com que objetivo foi criado e no que ele acabou se transformando após décadas de abuso.

    Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foro privilegiado nada mais é – como conhecemos – que, na verdade, apelido para – aspas – "foro especial por prerrogativa de função". A distinção pode parecer simples, mas faz toda a diferença. Vejamos, em primeiro lugar, que o privilégio se relaciona à pessoa em si; é o que se adquire com o nascimento, independentemente do cargo, atividade ou função.

    Na Grécia antiga, por exemplo, votar era um privilégio de poucas pessoas. Os chamados cidadãos que representavam uma ínfima parcela da população tinham, à época, a prerrogativa ou o direito de votar. Isso era um privilégio. Em Roma, certas classes tinham privilégios, como preferência para votar e exclusividade na ocupação de determinados cargos, como, por exemplo, de juiz e de Senador da República. Ou seja, não era qualquer cidadão que poderia votar e menos ainda qualquer cidadão que poderia ser juiz ou mesmo Senador, quiçá representante da população. Tudo isso dependia de quem eram perante a sociedade e não do cargo que ocupavam ou a função que desempenhavam.

    Em segundo lugar, já a prorrogativa refere-se à coisa, não à pessoa. Assim sendo, quando afastado de suas atividades, o indivíduo não carrega consigo a prerrogativa, pois esta não pertence à pessoa, mas ao cargo, à função que a sociedade lhe delegou, àquela tarefa delegada por um tempo determinado, na medida em que mandato parlamentar não é propriedade da pessoa, é uma delegação que a sociedade faz para que todos nós possamos exercer esse mandato em nome da população.

    No caso da prorrogativa de foro, o espírito da lei, isto é, o objetivo almejado com a criação da regra era o de garantir o livre exercício das funções, o livre pensar, agir, falar e votar dos membros do Congresso Nacional e de outros ocupantes de cargos públicos.

    Sr. Presidente, não tenho dúvidas de que, na criação do instituto do foro privilegiado, a intenção era das melhores. Vivíamos a graça de uma nova Constituição, a Constituição cidadã, mas também as sombras de um período ditatorial, quando o Congresso Nacional era fechado e Parlamentares eram perseguidos e presos apenas por discordarem do governo central, ou seja, não havia liberdade de expressão; um ambiente de total violência à liberdade humana, de cerceamento da política e, por óbvio, da democracia. É compressível que tenha havida zelo e proteção com atividade política, entre outras, na Constituinte de 1988, pois espelhava um conjunto e uma realidade de ilustres brasileiros que estavam no Congresso brasileiro, mas que sofreram na pele a perseguição dura simplesmente pelo exercício da sua expressão.

    Eram bem-vindas as regras que viessem, portanto, a proteger a democracia e blindar a atividade parlamentar das ameaças tirânicas que ainda preocupavam o Parlamento da época. Foi assim a concepção da imunidade parlamentar, que protege o discurso, o voto, a fala de represálias; e foi assim também a concepção da prerrogativa de foro, que protegia certas funções de um imprevisível e isolado abuso eventual do Poder Judiciário, resguardando o julgamento de possíveis irregularidades à imparcialidade da mais Alta Corte do País. Fazia sentido, portanto, naquele momento, mas com finalidade específica para o exercício da voz, do voto e da liberdade de expressão.

    Ocorre, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que há uma diferença brutal entre o remédio e o veneno. E a diferença está exatamente na dose de um e de outro. Como bem sabemos, infelizmente, o que era para ser uma prerrogativa de função foi convertido no tempo no mais legítimo mecanismo de impunidade. Hoje, pasmem, estima-se que mais de 37 mil brasileiros façam parte dessa corte de brasileiros diferenciados, privilegiados, que não são julgados pela Justiça comum. A prerrogativa se tornou, portanto, um privilégio insustentável e, o pior, com o resultado de, no lugar de proteger a democracia, blindar práticas delituosas.

    Em seu elucidativo voto como Relator do processo que pretende restringir a prerrogativa de foro no Supremo, S. Exª o Ministro Luís Roberto Barroso alerta que a experiência e as estatísticas revelam a manifesta desfuncionalidade do sistema. O que causa por certo a indignação da sociedade e traz um enorme desprestígio para a atividade pública e política em nosso País.

    O Ministro Barroso propõe como alternativa a restrição das prerrogativas de foro apenas aos casos em que o delito praticado tenha correlação com a atividade ou a função desempenhada, como ocorre por própria interpretação do Supremo no caso da chamada imunidade parlamentar. Ou seja, o resgate daquilo que estava na essência, na origem desse princípio nobre, visando à proteção da militância política, do exercício da expressão e do voto. Pela interpretação, um membro do Congresso Nacional não pode ser responsabilizado pelo que fala, desde que tal fato esteja relacionado ao contexto da sua atividade parlamentar.

    Sustenta S. Exª o Ministro Barroso, para que tal prerrogativa cumpra o seu objetivo original, que é indispensável que haja relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício das funções públicas. Caso contrário, abrem-se as portas da impunidade, subvertendo-se não só o chamado espírito da lei como também diversos outros princípios constitucionais, como o da moralidade na Administração Pública, da impessoalidade, da igualdade e o próprio princípio republicano, base da Constituição brasileira, pela qual todos somos iguais ou deveríamos ser iguais. Somente a partir da extinção, do fim do foro privilegiado, é que nós estaremos caminhando para esse ambiente e para essa conjuntura.

    O número de brasileiros que detêm essa condição – são aproximadamente, como disse aqui, 37 mil brasileiros –, além de ser espantoso, não encontra paralelo nenhum nem na nossa história nem no Direito Comparado de qualquer democracia ou de qualquer país civilizado. É, portanto, uma jabuticaba, só a encontramos aqui nas terras brasileiras.

    Nos Estados Unidos, por exemplo, nem mesmo o Presidente da República tem esse benefício. Por lá, tanto integrantes do Executivo quanto Parlamentares podem ser julgados e são julgados, inclusive, na primeira instância da Justiça. No Reino Unido, na Alemanha, no Canadá, a prerrogativa de função sequer existe. Na Itália, a regra vale apenas para o Presidente da República. Na França, o foro especial é instituto apenas para os membros do governo. Em Portugal, são três as autoridades que detêm foro privilegiado: o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro, ainda assim, a regra só se aplica aos fatos decorrentes e diretamente relacionados ao exercício da função.

    O passo iniciado pelo Supremo Tribunal Federal, por certo, não é o ideal. O ideal, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que o Congresso brasileiro tivesse a coragem de fazer essa correção, que o Congresso brasileiro pudesse assumir o protagonismo pela liderança desse tipo de prática que arranha, que traz enorme prejuízo à reputação e à credibilidade da Casa parlamentar.

    Muitos criticam a chamada judicialização da política – e ela é uma realidade –, mas ela acontece, por certo, em razão da inércia e, por que não dizer, da omissão. Em lugar de o Parlamento fazer, Senador Magno Malta, nós temos que assistir ao Supremo fazer, quando, na verdade, nós devíamos fazer. É bom que se fale que já votamos essa matéria aqui no Senado da República, mas a Câmara, infelizmente, não enfrentou esse tema, sequer constituiu a comissão especial para que os partidos políticos pudessem enfrentar essa deformação, que está presente...

    O Sr. Magno Malta (Bloco Moderador/PR - ES) – Concede um aparte, Senador?

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ... na realidade política brasileira, trazendo grande prejuízo à credibilidade, à reputação, que são valores fundamentais para quem exerce mandato e militância política em nome da população brasileira.

    O Sr. Magno Malta (Bloco Moderador/PR - ES) – Concede um aparte, Senador?

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – Com prazer ouço o meu querido conterrâneo, o Senador Magno Malta.

    O Sr. Magno Malta (Bloco Moderador/PR - ES) – Senador Ricardo Ferraço, o assunto que V. Exª versa na tribuna é de bom-tom e absolutamente importante, Senadora Lúcia Vânia, para a Nação brasileira. Nós três comungamos do pensamento, e o Brasil sabe disso: isso é uma anomalia, Senador Ricardo Ferraço, se tornou uma anomalia, é uma mula de sete cabeças. O Brasil não entende hoje... E aqueles partidários do ex-Presidente Lula, que se encontra lá na carceragem – e não está na masmorra, não está numa solitária; está na Polícia Federal, numa sala, sendo bem tratado e respeitado. Os Senadores foram lá para ver as condições em que ele está preso, como se ele estivesse numa solitária, e não está. Mas o que eu quero dizer com isso é que a população não entende, a sociedade cobra, dizendo o seguinte: "Ah, só ele? E os outros?" Aí citam uma série de colegas nossos aqui e da Câmara. Eles estão debaixo do manto da desgraça, dessa peste de foro privilegiado. Um foro privilegiado que não privilegia o cidadão comum. Bom, se não privilegia o cidadão comum, e nós o representamos e nós é que temos que ser o exemplo, a referência, a leitura tem que ser a partir de nós e não de lá para cá. A quem muito é dado, muito será cobrado. Pronto, Senado da República. O Brasil tem 206 milhões de pessoas, são 81, nós somos privilegiados. O Espírito Santo fez de mim e de V. Exª dois privilegiados. Nós temos obrigação de cumprir o nosso dever de honestidade, de comportamento, de serenidade, de seriedade, de prática de justiça, e estarmos ao lado da população. Por isso, a população não entende. O tema que V. Exª traz é tão pertinente, tão importante. Nós precisamos, queremos, é necessário o fim do foro. Votamos aqui, a Câmara segurou. Eu não posso relatar aqui quais são os interesses, mas deve haver algum interesse por trás disso. E agora o Supremo Tribunal Federal cumpre um papel que não é dele; é nosso. Aí é um Poder entrando no outro: um é omisso e o outro é "entrão". O Supremo é "entrão"; este daqui é omisso. Semana passada, eu fiz um pronunciamento aqui e até alguns colegas vieram falar comigo, porque eu falei que isso é a Câmara dos calados, isso é o Senado dos calados. Quando se trata do Supremo, todo mundo bota o galho dentro. Eu não devo nada a Supremo, não devo nada a Ministro do Supremo, eu não tenho investigação no Supremo. O povo do Espírito Santo me mandou para que eu fizesse esse discurso que V. Exª está fazendo. É o discurso que a sociedade brasileira quer ouvir e quer ver efetivado. Agora, para o bem e o mal, se o Supremo vai resolver o problema, é porque esta Casa perdeu a oportunidade e o privilégio de fazê-lo – o privilégio. As duas Casas. Aliás, nós fizemos, a outra Casa lá; que modifique e mande para cá, para a gente zerar esse jogo de uma vez. O Supremo vai fazer. Bom, não é papel dele, mas vai fazer. E nós vamos ter que engolir e vamos ter que aceitar. E nós que somos favoráveis ao fim do foro – como V. Exª – vamos aceitar, vamos aplaudir, porque é uma conquista que nem nossa é, nem do próprio Supremo: é uma conquista do povo brasileiro.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – Agradeço a V. Exª, Senador Magno Malta, porque, na prática, é exatamente isso.

    Há um grande líder chinês, chamado Deng Xiaoping, que foi quem coordenou as grandes mudanças na China num tempo recente, que à época disse que não importa a cor do gato, o que importa é que o gato caça o rato. Já que o Parlamento não faz, lamentavelmente, porque deveria fazer, porque perdeu infinitas oportunidades de fazê-lo, que o Supremo faça. E nós precisamos saudar e precisamos apoiar, porque o Supremo está dando, na prática, mais um passo muito importante.

    Aliás, é bom fazer este registro: o Supremo, ao manter a jurisprudência da condenação provisória em segunda instância, deu um passo muito importante no combate à impunidade. Outra regra que só existe em nosso País. Pesquisando este tema, você faz uma investigação em torno dos países que compõem...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ... a Assembleia Geral das Nações Unidas. O Brasil é membro. Somente o Brasil não trabalha com condenação provisória em segundo grau. Mas há ainda o Conselho de Veneza, uma instituição que reúne 53, 54 supremas cortes mundo afora. Somos o único País nesse foro que não admite a condenação em segundo grau. Portanto, ao manter a jurisprudência, o Supremo deu uma resposta tecnicamente, a meu juízo pelo menos, muito bem fundamentada e uma resposta efetiva à impunidade. Portanto, são duas agendas que dialogam com a nossa conjuntura, ou seja, a manutenção da jurisprudência pela condenação...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ... em segunda instância e o fim da imunidade parlamentar, que, no tempo, se transformou em impunidade e precisa ser varrida para o bem da política com "p" maiúsculo, para que nós possamos resgatar a honra e a dignidade no exercício da atividade pública e da atividade política. Por isso, eu estou saudando o fato de o Supremo ter pautado, para o dia 2 de maio, o enfrentamento deste tema: o fim do foro privilegiado.

    E eu tenho fé em Deus, e os brasileiros também, que o Supremo adotará uma medida para que nós possamos sanear essa mazela que está presente, há muitos anos, na vida pública e política brasileira.

    Agradeço a V. Exª, Presidente Lúcia Vânia, a condescendência, ao tempo em que quero saudar, parece-me que temos aqui no plenário do Senado o Pastor Marinelson. É isso mesmo, Senador Magno Malta?

(Interrupção do som.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ... um eterno amigo, uma importante liderança cristã e evangélica do nosso Estado.

    Mas, de igual forma, saúdo V. Sªs que acompanham aqui...

    O Sr. Magno Malta (Bloco Moderador/PR - ES) – É o Presidente da Ordem dos Músicos do Brasil, o Alemão, e o Mi, que faz parte dessa diretoria. Mi Do Virginia é músico e também irmão nosso de confissão, de fé, o Mi Do Virgínia é pastor também, a exemplo do Pastor Marinelson. Eles se parecem.

    Eu vi até Pastor Marinelson cantando um samba essa semana. Eu acho que ele está querendo entrar no nosso ramo. São pessoas do bem, que assistiram com interesse todo o discurso de V. Exª.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – Sejam V. Sªs muito bem-vindos a esta Casa!

    Muito obrigado, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/2018 - Página 109