Discurso durante a 53ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a comemorar os 70 anos do 35 Centro de Tradições Gaúchas - CTG, os 150 anos do Partenon Literário, os 80 anos da Sociedade Gaúcha de Lomba Grande e os 70 anos da Comissão Gáucha de Folclore.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a comemorar os 70 anos do 35 Centro de Tradições Gaúchas - CTG, os 150 anos do Partenon Literário, os 80 anos da Sociedade Gaúcha de Lomba Grande e os 70 anos da Comissão Gáucha de Folclore.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2018 - Página 23
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, CENTRO CULTURAL, TRADIÇÃO, POPULAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), SOCIEDADE, LITERATURA, GRUPO, ORIGEM, DISTRITO, SÃO LEOPOLDO (RS), COMISSÃO, FOLCLORE, COMENTARIO, HISTORIA, IMPORTANCIA, ENTIDADE.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senadora Ana Amélia, eu que agradeço a V. Exª.

    V. Exª foi a grande articuladora desta sessão, mas teve a preocupação de me ligar: "Paim, vá lá. É o povo do Rio Grande que está te chamando." Então, eu queria agradecer muito a V. Exª, Senadora, pelo carinho, para que eu estivesse aqui. De fato, eu estou presidindo uma outra reunião. Dei a palavra para um dos convidados. Eu tenho que ir lá.

    A Senadora Ana Amélia, preside uma sessão, que é uma sessão de homenagem ao Rio Grande. Não tinha como eu não estar aqui. E como, Senadora, eu botei no papel, pela grandeza do evento de hoje, e me permitam que eu vou um pouco na linha dos poetas que aqui já falaram, e a Senadora sabe que eu, às vezes, me atrevo a, de vez em quando, escrever alguma coisa mais romanceada...

    Rio Grande do Sul, geografia sagrada do Sul da América do Sul.

    Meu Rio Grande, és garrão de potro selvagem que finca fileiras pela Pátria brasileira.

    Pelos clarins de vanguarda e pelas folhas amareladas dos tempos demarcaste a tua história, tua poesia, tuas músicas, tuas danças, tua culinária, teus sotaques, Senadora, tua tradição e folclore.

    És, Rio Grande, o pássaro no tronco de uma invernada, que não nasceu para o cativeiro, mas para voar, voar livre, livre como é o som das águas.

    És o findar do início, o crepúsculo e o alvorecer de tudo o que a vida nos ensina.

    És, Rio Grande, a noite que termina quando o Sol queima, até mesmo dando clarões para o nosso caminhar pelos campos e pelas pradarias.

    És a alma, a mão calejada; és o suor do rosto do trabalho constante, os apelos gastos das lidas, do campo e dos rodeios; a carreta que abriu caminhos, os sonhos certos que se perderam em descaminhos, mas nunca da caminhada para chegar lá.

    És o espelho nas aguadas e o futuro que está na mão de cada um de nós.

    És os filhos que ainda não nasceram.

    "Canta a tua aldeia e serás universal". Assim é que eu te vejo, meu querido Rio Grande!

    Assim tu és, na mais pura simplicidade dos homens e mulheres que aqui estão, que não deixaram a querência para trás, não cortaram laços, mas apenas ungiram destinos, cravaram seus anseios em outras distâncias, pelo nosso País e – por que não dizer? – pelo mundo, e fizeram do Planalto Central a nova morada e também a sua querência.

     Abano os lenços encarnados e brancos em reverência aos 70 anos do 35 CTG, aos 150 anos do Partenon Literário – no Partenon, em que, quando moleque, eu morei, Senadora Ana Amélia –, aos 80 anos da Sociedade Gaúcha Lomba Grande e aos 70 anos da Comissão Gaúcha de Folclore, entidades que são esteios, estrelas mirantes, faróis do Pampa e o fogo galponeiro que jamais se apaga.

    Eu nasci ali, em Caxias, junto aos pinheirais da Serra Gaúcha. E foi com o chimarrão, passando de mão em mão, na busca incessante de ouvir e acolher o outro, que eu aprendi que a cultura é a marca que define a personalidade de um povo.

    O folclore é isto: é a tradição, os usos populares, as crenças, as lendas, a literatura, as canções – a Senadora citou aqui aquela gaita, que se vai tocar daqui a pouco –, as danças, o arroz com charque, o sarrabulho, a graxa da picanha cutucando o fogo, os costumes transmitidos de geração em geração, histórias nossas, de guerras, e de grandes peleas, dos bisavôs, dos avós, do pai, da mãe, dos tios, dos primos e primas, dos antepassados, que diziam, em bailes, versos apontando, que são versos feitos na hora para conquistar aqueles que estão longe e mesmo a mulher amada: "os teus olhos, prenda gaúcha, são noites que arrebatam o meu coração; se me queres, eu te quero, vem comigo nesta amplidão". Tudo isso vindo, sabiamente, do seio povo, entre goles de vinhos degustados ao som de toque de gaitas e guitarras, violões, de sapateados de chula e entreveros da grande trova.

     Há povos que perderam essa condição, esses atavismos, como bem disse o Telmo de Lima Freitas: "Esse atavismo dormido na alma da gente precisa de um quarto de ronda para se libertar". É essa ronda permanente.

    Porém, há povos, que não perderam e que continuam cantando, como nos ensinou o russo Liev Tolstói, que disse da sua aldeia, da sua terra, do seu chão: "Canta a tua aldeia e serás universal.

Ai bota aqui, ai bota ali o teu pezinho,

O teu pezinho bem juntinho com o meu.

E depois não vá dizê 

Que você já me esqueceu.

    Senadora, e há outras tantas mais de cancioneiro:

O tatu subiu a serra com fama de laçador;

Bota laço, tira laço, solta pealos de amor.

    Resgates, como esses versos, feitos por Paixão Cortes e Barbosa Lessa, mostram a imensa riqueza sociológica da tradição gaúcha.

    E na literatura também isso está eternizado na obra do primeiro gaúcho da Academia Brasileira de Letras. Alcides Maya, em suas Ruínas Vivas, Tapera e Alma Bárbara, soube como poucos pintar em cores vibrantes e reais a filosofia de todos os gaúchos e gaúchas, da peonada, da querência, da marcação do gado xucro, das tropilhas e tropas, das benzedeiras, das carreiras.

    Assim ele escreveu, em Monarcas: "Neco Alves era um gaúcho característico, inconfundível, dali, dos seus pagos. Andara à roda, viajara até às cidades, onde o povo se entropilha e reina o gringo, até as fronteiras [o pelo duro], onde enxameia atrevido o castelhano."

    Meu pai era pelo duro. Minha mãe tinha lá uns traços um pouco mais, eu diria... O nome dela era Itália Paim, já faleceu, e o nome dele era Ignácio Paim.

    "Move-se como peão, como tropeiro, pois incita curiosidade irresistível, de guasca andarengo, ávido de horizonte, atraído pelas encruzilhadas."

    Isso é tradição, é cultura, é folclore, que veste o presente e dá rumo ao futuro. Feliz do povo que pensa e age dessa maneira!

    Minhas crenças – e aí vou terminando, Senadora Ana Amélia, que, mais uma vez, cumprimento aqui pela atividade – e meus pensamentos são como as ventanias das manhãs continentais: não há unidade simplista para o povo gaúcho. Somos um caudal de riquezas culturais de séculos e dessas diferenças produzimos o conhecimento e a sabedoria.

    É com saudade e esperança que a vida acontece.

    Volto aos tempos de menino...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... de piá, de guri, lá na Serra Gaúcha, quando beijava a mão do meu pai e acariciava a face da minha mãe. E ela me dizia: "Dê bençãos, meu filho, e vá dormir! E não esqueça: amanhã, se puder, tome um chimarrão!"

    Lia poema em seus olhos. Eram poemas com sabor de gente e de passado. Isso me ensinou a viver o presente e a pensar o futuro.

    Eles sempre me diziam: "Faça três coisas que aqui, no Rio Grande, a gente ensina para a nossa gente: seja honesto, estude e trabalhe!

    Da janela eu olhava o mundo. Mirava o rio e seus cristais. Havia uma ponte de pedra ali, longe, e a gurizada soltando pandorga, brincando com o gado de osso, na época, galopando os cavalinhos de pau.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Hoje são somente saudades que vêm e vão nas verdades do Sol, da Lua, da chuva, nas canções do Boi Barroso.

    Aqui eu termino, Senadora:

    Serenas horas como o assovio das cotovias, e o menino de bombacha arremangada que se apegou em minha alma e está vivo dentro de mim.

    Viva o Rio Grande! Viva a tradição gaúcha!

    Parabéns, Senadora Ana Amélia. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2018 - Página 23