Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Breve histórico da trajetória de vida do cineasta Nelson Pereira dos Santos, falecido em 21 de abril.

Críticas à prisão do ex-Presidente Lula.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Breve histórico da trajetória de vida do cineasta Nelson Pereira dos Santos, falecido em 21 de abril.
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Críticas à prisão do ex-Presidente Lula.
Aparteantes
Jorge Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/2018 - Página 35
Assuntos
Outros > HOMENAGEM
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MORTE, DIRETOR, CINEMA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, PERSONAGEM ILUSTRE, INFLUENCIA, ESTADO DE ALAGOAS (AL), APRESENTAÇÃO, PESAMES, FAMILIA.
  • CRITICA, JULGAMENTO, PRISÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, IMPRENSA, CONDENAÇÃO, JUDICIARIO, AUSENCIA, PROVA, AGILIZAÇÃO, TRAMITAÇÃO, PROCESSO PENAL, DESAPROVAÇÃO, PRISÃO PROVISORIA, OBJETIVO, DELAÇÃO, OPERAÇÃO, BUSCA E APREENSÃO, GABINETE, CIRO NOGUEIRA, SENADOR.

    O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco Maioria/PMDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Com muito prazer, meu querido. Muito obrigado e é um prazer muito grande conduzir a sessão para que V. Exª possa falar.

    Eu cumprimento o Sr. Presidente, as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores, os ouvintes da Rádio Senado, os telespectadores da TV Senado e os seguidores das redes sociais.

    Com a morte, Senador Hélio José, no sábado, 21 de abril, do diretor Nelson Pereira dos Santos, no Rio de Janeiro, aos 89 anos de idade, o cinema brasileiro se veste de luto pela perda de um dos seus maiores criadores.

    O País dá adeus a um cineasta pioneiro, reconhecido e celebrado em todo o mundo. E o Estado de Alagoas perde um grande amigo. Nelson gostava de Alagoas, tinha fortes ligações afetivas com a nossa terra, como se verá ao longo desta breve narrativa. Alagoas esteve presente na sua vida em vários momentos e de diversas formas, até mesmo em curiosas coincidências. Nelson era Cidadão de Maceió e recebeu o título com muito gosto. Visitava a cidade sempre que podia e desde o início dos anos 1960 se inspirou nas coisas e nos tipos humanos alagoanos para realizar algumas das obras mais importantes de sua filmografia.

    Ele era bacharel, formado em 1952 pela Faculdade de Direito da USP, mas, logo cedo, deu-se conta de que o seu destino não era a banca de advocacia. Preferiu enveredar pela senda da arte, atraído pela magia da tela grande e disposto a enfrentar as dificuldades de fazer cinema no Brasil. Atuou também como jornalista, primeiro, em sua terra natal, São Paulo; depois, no Rio de Janeiro.

    Nelson tinha uma maneira simples e sábia de definir o tipo de cinema que o atraía. Dizia que o bom filme é uma história bem contada. Sua obra é feita, Senador Hélio José, portanto, de histórias bem contadas, a que o espectador assiste, que o espectador entende e guarda na memória, porque provocam reflexões. Foi um cineasta à frente do seu tempo, mas nunca se aventurou no vanguardismo hermético. O filme Fome de Amor, de 1968, foi sua única obra experimental.

    Nelson Pereira foi precursor e inspirador do chamado cinema novo brasileiro e estreou como diretor de longa metragens em 1955, aos 27 anos, com um filme que logo se tornou um clássico, Rio, 40 Graus, verdadeiro divisor de águas no cinema brasileiro. A obra levou para as telas pela primeira vez as favelas cariocas, seus dramas sociais e figuras humanas e projetou para a música popular o compositor e cantor Zé Keti, autor do samba O Morro Não Tem Vez, regravado em dezenas de discos por cantores e cantoras.

    Para se ter uma ideia, Senador Hélio José, do pioneirismo de Nelson Pereira dos Santos, Rio 40 Graus foi realizado quatro anos antes de outro filme que se tornaria referenda, Orfeu Negro, produção franco-brasileira rodada também nas favelas do Rio de Janeiro, em 1959, falado em português, dirigido pelo francês Marcel Camus e vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1960.

    Nelson foi buscar na literatura inspiração para alguns de seus majores filmes. Rodou duas obras imortais de Jorge Amado, Jubiabá e Tenda dos Milagres. Adaptou para o cinema o clássico O Alienista, de Machado de Assis, no filme Azylo Muito Louco, de 1970. Levou para as telas A Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa; e Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, além de documentários sobre Gilberto Freyre e Castro Alves, e as cinebiografias de Sérgio Buarque de Holanda e do Maestro Antônio Carlos Jobim.

    Mas foi, Sr. Presidente, senhores telespectadores, ouvintes da Rádio Senado, nas Alagoas que Nelson sentou acampamento, na capital e no sertão, para realizar seus melhores trabalhos, como ele próprio confessava. E na obra do nosso grande Graciliano Ramos ele encontrou o fio de ligação do Nordeste com o mundo. Graciliano retratou a aldeia e se tornou universal. Nelson percebeu que a literatura de Graciliano, seca e rude, podia e devia ser levada as telas. E foi o que fez, há 55 anos.

    Vidas Secas, de 1963, é sua obra-prima, um dos maiores filmes produzidos em todos os tempos, filme premiado e consagrado no Brasil e no exterior, que colocou merecidamente Nelson Pereira dos Santos na galeria dos grandes diretores do cinema. Foi rodado com locações nos Municípios de Palmeira dos Índios e Minador do Negrão. Palmeira dos Índios, como todos sabem, é a cidade da qual Graciliano foi prefeito no final dos anos 20 e início dos anos 30 do século passado. Vidas Secas é um filme de diálogos curtos e secos, fiel ao estilo de Graciliano; mas cheio de emoção contida, como só os grandes mestres do cinema sabem fazer.

    A direção de fotografia, a cargo do então jovem fotógrafo Luiz Carlos Barreto, o nosso querido Barretão, até hoje atuante produtor de filmes, e bom de briga em defesa do cinema nacional, junto com a sua Lucy, colocou nas telas um preto e branco com luz natural despida de artifícios técnicos, o que dá ao filme o tom de realismo pretendido pelo diretor.

    Conta a lenda que, para realizar Vidas Secas, Nelson nem precisou escrever um roteiro; filmava direto do livro. Ele mesmo recordou, em diversas entrevistas, que ao ler o romance, viu que tinha em mãos um filme já pronto.

    A sequência da morte da cadela Baleia, que dura seis minutos, entrou para a história da arte cinematográfica e merece estar em qualquer antologia das grandes cenas do cinema mundial pela sensibilidade com que foi filmada e editada.

    Durante os seis minutos praticamente não há diálogo, só assobios de Fabiano para atrair Baleia e matá-la; o choro contido dos dois filhos na penumbra da choupana, com pena da cadela amiga condenada à morte; a mulher, Sinhá Vitória, triste e resignada, tapando os ouvidos das crianças; a cadela desconfiada se esgueirando pela cerca, pressentindo o perigo no olhar do dono e sem entender o porquê; a hesitação de Fabiano perseguindo Baleia passo a passo, apontando a espingarda e desistindo, apontando e desistindo, até dar o tiro final; os ganidos do animal ferido de morte, o olhar da pobre Baleia para os preás, que ela não poderá mais caçar; a agonia final, quieta atrás de um moita de espinhos, até fechar os olhos; e o silêncio pesado que vem depois.

    A direção magistral de Nelson em todo o filme, mas sobretudo nesses seis minutos inesquecíveis, tem uma carga dramática tão imensa, Senador Hélio José, que provoca no espectador uma comoção semelhante ao aspecto dolorido e profundo que Steven Spielberg causaria no mundo 30 anos mais tarde, com a sequência de outro clássico em preto e branco, A Lista de Schindler. Não há quem não sinta sinceramente o coração apertado ao ver as cenas da menininha do casaco vermelho no filme de Spielberg.

    A morte da cadela em Vidas Secas, filmada com tanta genialidade e realismo, acabou sendo motivo de um episódio famoso e inédito, Sr. Presidente. O filme de Nelson havia sido selecionado para concorrer no Festival de Cannes em 1964, representando o Brasil. Acontece que uma italiana, presidente da Sociedade de Proteção aos Animais, havia assistido à pré-estreia do filme e ficou indignada com a cena da morte da Baleia. Ela protestou vigorosamente contra a crueldade de sacrificar um cão para fazer o filme brasileiro. E exigia a retirada de Vidas Secas da lista de exibição. Ela não acreditava que fosse a cena de ficção apenas bem filmada.

    Para encerrar a polêmica, foi preciso que a própria cadela fosse levada a Cannes para convencer a organização do Festival e a protetora dos animais de que Baleia estava viva e saudável. A Air France patrocinou as passagens. A cadela vira-lata alagoana, agora estrela de cinema, desceu do avião em Paris, diante de um batalhão de fotógrafos e cinegrafistas. E, como estava com a bexiga cheia, a primeira coisa que fez, ao pisar no solo francês, foi posar para a posteridade, fazendo o que precisava ser feito.

    Outro fato muito marcante sobre a ligação de Nelson com Alagoas é o fato de que, nas filmagens de Vidas Secas, ele descobriu, no interior de Alagoas, um ex-marinheiro anônimo, que mais tarde se tornaria um astro do cinema e da televisão brasileira.

    Quando chegou a Palmeira dos Índios, em 1963, para os preparativos das filmagens, Nelson procurou, nas comunidades locais, pessoas que poderiam fazer parte do elenco como figurantes. Perguntou daqui, perguntou dali. Informaram que havia um marinheiro aposentado, que gostava na cidade de brincar de artista. Depois de dar baixa da Marinha, com 45 anos de idade, o tal homem havia retornado à sua terra natal e, para encontrar ocupação, criou, em Palmeira dos Índios, dois grupos de teatro amador, um no Colégio São Luiz, com os padres, e outro com os índios da tribo Xucuru-Cariri.

    Nelson procurou o homem, os dois se conheceram, se entenderam. O ex-marinheiro dava sugestões a toda hora, apresentava pessoas e mostrou que podia até atuar, se fosse bem dirigido. O fato é que Nelson criou para ele um personagem que tinha até poucas falas. O homem se chamava Jofre Soares e interpretou, em Vidas Secas, o fazendeiro, seu primeiro papel no cinema nacional.

    Foi Jofre Soares que mostrou para Nelson Pereira os dois meninos que fazem o papel dos filhos de Fabiano e de Sinhá Vitória. Os dois ainda estão vivos e continuam morando em Palmeira dos Índios.

    Jofre Soares se tornou tão amigo de Nelson, que, quando acabaram as filmagens de Vidas Secas, largou tudo em Palmeira dos Índios, foi para o Rio de Janeiro com a equipe e lá, apresentado e recomendado pelo diretor, por Nelson, iniciou a carreira de ator, consagrado em filmes, novelas de televisão, seriados e muitas peças de teatro.

    Quando Jofre Soares morreu em 1996, em São Paulo, onde morava, Nelson Pereira telefonou de lá para os amigos em Maceió, pedindo que alguém fosse representar o Governo do Estado de Alagoas no enterro do grande artista. Não foi possível. O Governo enviou ao diretor uma quantia modesta, para que Nelson encomendasse uma coroa de flores, o que foi feito. Jofre Soares foi velado no teatro que hoje leva seu nome, na Bela Vista, região central de São Paulo, com a coroa de flores que Nelson Pereira dos Santos comprou em nome do Governo de Alagoas. Atualmente, em Maceió, também temos o nosso teatro Jofre Soares, um teatro do Sesc, no centro da cidade.

    Depois de Vidas Secas, Nelson Pereira dos Santos seguiu filmando outras obras, entre as quais se destacam Fome de Amor, de 1968, e Como Era Gostoso o meu Francês, de 1970.

    Em 1974, Alagoas entra, outra vez, pela porta da frente na vida do cineasta. Nelson dirigia, naquele ano, um filme denso, O Amuleto de Ogum. O personagem principal do filme é um garoto de Palmeiras dos Índios, Gabriel, cujo pai foi assassinado. O menino tem o corpo fechado num ritual de umbanda. Depois adolescente, interpretado pelo ator Ney Santanna, filho de Nelson, o rapaz emigra para a Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, e ali se torna pistoleiro de um chefe político também nascido em Palmeira dos Índios, interpretado, magistralmente, por Jofre Soares. O filme, Senador Hélio José, é, claramente, inspirado na turbulenta história do famoso e temido Natalício Tenório Cavalcanti, que, na década de 1920, saiu de Palmeira dos Índios, radicou-se na cidade de Duque de Caxias, elegeu-se Deputado Estadual e Federal sucessivas vezes, e, nos anos 1940, 1950, 1960, tornou-se o maior e mais controverso chefe político da Baixada, na época – como todos sabem – a região mais violenta do Rio.

    E aí também a história registra, senhores telespectadores, senhoras telespectadoras, ouvintes da Rádio Senado, no filme, por obra da direção genial de Nelson Pereira dos Santos, os dois atores, Ney Santanna e Jofre Soares – o Ney, filho do Nelson; o Jofre Soares, um ex-marinheiro que o Nelson encontrou em Alagoas, em Palmeira dos Índios – vivendo o papel de um mesmo personagem. Ney interpreta Gabriel, que seria o Tenório Cavalcanti jovem, e Jofre Soares, encarna o Homem da Capa Preta na velhice. E o jovem tem um caso amoroso com a amante do patrão, interpretada por Anecy Rocha, irmã de Glauber Rocha, o cineasta baiano.

    Como seria o Tenório Cavalcanti da vida real, que, na época, Hélio José, em que estava sendo feito o filme, ainda era vivo, poderoso e valente? Como ele reagiria ao se ver retratado no filme daquela forma, como um jovem pistoleiro, sanguinário e como um velho chefe político traído pela mulher? Pois Tenório, para a grande surpresa de todos e do próprio Nelson, ficou, senhores telespectadores, todo feliz de se ver personagem de filme e achou aquilo ali tudo muito divertido. Emprestou sua casa-fortaleza, um verdadeiro bunker em pleno centro de Duque de Caxias, para servir de locação nas filmagens urbanas, e o sítio nos arredores da cidade para as cenas em que os pistoleiros treinavam tiro. Emprestou até o seu luxuoso automóvel Galaxie branco, novo, novinho, que aparece em algumas cenas transportando Jofre Soares.

    O Amuleto de Ogum foi talvez a mais bela contribuição de Nelson para o cinema brasileiro e popular. De quebra, nesse filme, o diretor levou para a tela grande um cantor, músico e compositor que nunca havia atuado e se revelou excelente ator: Jards Macalé, que interpreta muito bem um mendigo cego, personagem-chave no enredo do filme.

    Outra coincidência em que a vida de Nelson Pereira dos Santos, Zé Carlos de Assis, se mistura com Alagoas é o fato de que seu filho Ney Santanna começou a carreira de ator também em Alagoas, sob a direção de um alagoano, um ano antes de atuar em O Amuleto de Ogum com o pai. Foi em 1973, quando Ney Santanna foi um dos atores no grande elenco do filme Joanna Francesa, dirigido pelo alagoano Cacá Diegues e ambientado em fazendas de cana de Alagoas.

    Dez anos depois, em 1984, já calejado nas coisas de Alagoas e ainda mais identificado com Graciliano, Nelson Pereira dos Santos se dedica a filmar o período mais duro da vida do escritor alagoano: Memórias do Cárcere. O filme é sobre, como todos sabem, a prisão de Graciliano pela ditadura do Estado Novo, documentada pelo próprio autor no livro, testemunho póstumo, que ficou sem o último capítulo, porque, em 1953, o escritor Graciliano morreu antes de conclui-lo. A saga narra as várias cadeias, inclusive na Ilha Grande, por onde passou o prisioneiro Graciliano Ramos, acusado pela polícia política de Filinto Müller de ser comunista, quando ainda não tinha entrado para o Partido Comunista Brasileiro.

    Permita-me um parêntese para lembrar a coincidência do que aconteceu a Graciliano no Estado Novo com o que acontece ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesses tempos de arbítrio, esse consórcio Ministério Público, setor do Judiciário e grande parte da imprensa condena o Lula sem prova e insiste no seu julgamento num típico juizado de exceção. O recurso tramita celeremente, celeremente, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, antecipa-se a pena para torná-lo inelegível numa eleição em que, como as outras, ele aparentemente não tem com quem concorrer, porque conta com a ampla maioria do povo brasileiro.

    Eu tenho muita expectativa, Senador Hélio José, continuando com esse parêntese aberto, de que, nos próximos dias, nós vamos ter muitas notícias sobre o que está acontecendo com o Presidente Lula e sobre o que está acontecendo e não pode continuar a acontecer com o nosso País.

    A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal foi muito importante. Mas hoje eu vejo, nos jornais, o Procurador Deltan Dallagnol dizendo que foi uma decisão irresponsável. Irresponsável é prender para delatar; ameaçar o preso a emendar a sua prisão provisória com a condenação definitiva. Irresponsável é antecipar a prisão, quando o próprio entendimento anterior do Supremo Tribunal Federal diz que pode, mas que não é obrigatório fazê-lo. Torná-la obrigatória é irresponsável! Irresponsável é forjar flagrante; pautar a gravação de pessoas, até de doentes nos hospitais. Irresponsável...

(Soa a campainha.)

    O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco Maioria/PMDB - AL) – ... é gravar uma criança com seis anos de idade, reclamando de uma conversa que acontecia num dia de sábado, logo pela manhã. Irresponsável é ser contra a lei; invadir o exercício de um mandato; desqualificar um Poder; fazer busca e apreensão.

    Sr. Presidente, ontem fizeram a segunda busca e apreensão na residência e no gabinete do Senador Ciro Nogueira. Todos nós conhecemos o Senador Ciro Nogueira. O Ciro é um conciliador, um homem cordato, para além do que deve ser feito na investigação. Eu sempre defendi investigação e acho – administro desta forma – que a investigação é uma oportunidade que se tem para que possamos demonstrar o contrário.

    Todos sabem que, no ano que passou, juízes de primeira instância fizeram um "abraçaço" no Supremo Tribunal Federal, invadiram as galerias, para que o Supremo Tribunal Federal recebesse uma denúncia contra mim do Ministério Público de 2007. Pois bem, eu disse naquela oportunidade o que eu digo agora: eu vou acelerar os procedimentos e quero, desde logo, pedir ao Ministro Fachin que ponha em julgamento essa denúncia. Se há alguém que quer ver esse fato esclarecido, essa pessoa é o Senador Renan Calheiros.

    Mas o que acontece, pela segunda vez, com o Ciro Nogueira e com outros, Sr. Presidente, é inadmissível do ponto de vista da democracia. Se o Senador estivesse se recusando a colaborar com as investigações, com o esclarecimento dos fatos, tudo se justificaria. Mas com o Senador colaborando, colocando-se à disposição, abrindo todas as suas informações, entregando todos os seus sigilos, Sr. Presidente, dessa forma, nós sinceramente não sabemos aonde vamos chegar.

    Por isso, a tentativa de desqualificação do Supremo Tribunal Federal, que, na democracia – não há jeito –, é o garantidor da Constituição. A Constituição está viva. A Constituição não morreu, não morreu. É um engano, um equívoco querer demonstrar ao País que a Constituição morreu. Se a Constituição morreu, como consequência morrerá também a democracia. E este País, que já teve tristes experiências no passado, não pode pagar preço nenhum, não pode correr o risco de que isso novamente venha acontecer.

    Voltando ao filme, Senador Hélio José, Graciliano é interpretado por Carlos Vereza, e sua esposa, Helena, por Glória Pires. O elenco reunido por Nelson Pereira dos Santos é de primeira qualidade. E há episódios marcantes, presenciados por Graciliano na prisão e retratados com fidelidade no filme, como a entrega de Olga Benário, mulher de Luís Carlos Prestes, à Gestapo nazista para ser executada na Alemanha.

    Nas filmagens de Memórias do Cárcere, em Maceió, repetiu-se o que havia acontecido, Zé Carlos, em Vidas Secas. Nelson incluiu no elenco atores alagoanos, como Chico de Assis, e atrizes, como Anilda Leão. Depois do filme pronto, na volta para o Rio, Nelson levou Chico de Assis, abrindo-lhe oportunidades de trabalho, inclusive em novelas e séries da TV Globo.

    A filmografia de Nelson Pereira dos Santos é, como todos veem, extensa e rica, profundamente brasileira, humana e sempre com o olhar e o clamor por justiça para os despossuídos, oprimidos e perseguidos, como Graciliano e como Luiz Inácio da Silva.

    Nelson Pereira dos Santos foi o primeiro cineasta a assumir uma cadeira, a de nº 7, na Academia Brasileira de Letras. Foi indicado, em 2006, para a vaga pelo valor e importância de sua filmografia e não por obra literária. Também não precisou fazer campanha. Apenas consultou uns poucos acadêmicos, Hélio, com quem já tinha uma amizade próxima, não para cabalar votos, mas para conferir qual seria a contribuição que poderia dar à Academia se aceitasse ser um de seus membros. Não precisava nem ambicionava, como sabe quem conheceu Nelson Pereira dos Santos, a honraria. Nelson queria apenas ser útil.

    E, de fato, foi útil no Brasil e fora do Brasil. Foi professor e fundador do primeiro curso superior de cinema do Brasil, na Universidade de Brasília, no tempo de Darcy Ribeiro. Também lecionou na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e na Universidade Columbia, em Nova York. Dava palestras em toda parte, quase sempre de graça. Aceitava com prazer os convites para conferências e debates. Gostava de conversar com as pessoas. Era um curioso do mundo e das coisas.

    A última vez em que o grande cineasta esteve em Alagoas foi em 2013, para receber a Medalha do Mérito Deodoro da Fonseca, a maior condecoração concedida pelo Governo do Estado.

    No ano passado, foi convidado pelo Governador Renan Filho para participar como palestrante nos eventos em comemoração aos 200 anos da emancipação política de Alagoas. Ficou triste, muito triste por não poder viajar, com a saúde já debilitada, e pediu que o filho Ney Santanna o representasse.

    Nelson Pereira dos Santos sempre lutou em defesa do cinema nacional. Não se conformava com as crônicas dificuldades de financiamento para o filme brasileiro; rebelava-se contra o preconceito de empresários e distribuidores, que sistematicamente deixam de lado excelentes filmes nacionais e pagam royalties bilionários para trazer produções estrangeiras de alto custo e muitas com baixa qualidade artística.

    Mas não perdia o humor. Batalhava com a voz serena e um sorriso nos lábios.

    Uma vez, Senador Hélio José, para resumir a indigência a que é condenada a produção nacional, Nelson saiu-se com a seguinte comparação: "No cinema de Hollywood e no europeu, quando acaba o filme, sobem os créditos. No cinema brasileiro, sobem os débitos." Infelizmente é verdade, Mestre Nelson Pereira dos Santos.

    Eu abro aqui um parêntese no nosso discurso de homenagem ao Nelson Pereira dos Santos, um dos maiores cineastas de todos os tempos, para oferecer a palavra, para uma comunicação, a este amigo querido Senador Jorge Viana.

    O Sr. Jorge Viana (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Obrigado, Senador Renan Calheiros, Presidente Hélio José. Eu acho que merece o registro, inclusive porque V. Exª está falando de um expoente da nossa cultura. É um cineasta que deixa uma obra enorme e uma saudosa memória. Mas estamos aqui com o Cacique Raoni. Ele é uma figura de conhecimento mundial, conhecido no mundo inteiro pela sua luta em defesa da causa indígena. E ele faz parte de um acampamento de quase 4 mil indígenas que nós temos aqui em Brasília, exatamente lutando, agora próximo do Dia do Índio, próximo do período em que eles fazem a luta anual. Ano passado foi terrível. Tiveram que enfrentar a polícia. Mas tudo o que eles vêm buscar, Presidente Renan, que foi Presidente do Congresso já em várias ocasiões, diz respeito às preocupações com as mudanças que estão sendo propostas seja pela Advocacia-Geral da União do atual Governo, seja também pela tramitação da PEC 215, que agora está paralisada e que altera os critérios de demarcação de terras indígenas. V. Exª foi Ministro da Justiça, nos ajudou a consolidar uma política de demarcação, de garantia das terras, dos direitos dos povos indígenas. E o Cacique Raoni é símbolo dessa luta. Eles não querem nada mais nada menos do que preservar as suas áreas; que seus parentes que ainda não têm as áreas demarcadas possam ter as áreas demarcadas. E esse é o grande objetivo dos que vieram aqui, que estão acampados aqui. Nós no Acre temos os povos indígenas com quase todas as áreas já demarcadas, mas ainda temos avanços a fazer. O Governador Tião Viana tem procurado dar apoio. Mas hoje a Funai está ameaçada. A proteção dos índios está ameaçada porque resolveram transformar a Funai num cabide de empregos e de ajuste de acordos políticos. E isso é terrível numa hora como esta. Cortaram o orçamento da Funai. Não há os recursos necessários para os servidores. E, ainda, para agravar, resolveram agora estabelecer critérios de composição de aliança político-partidária usando a Funai como um espaço a ser ocupado nesse sentido. Queria, antes de concluir, ouvir V. Exª, como ex-Ministro, como ex-Presidente da Casa, sobre essa reivindicação do Cacique Raoni, como é conhecido, uma pessoa expressiva, talvez um dos brasileiros mais conhecidos no mundo, pela causa que representa, pela história de vida que tem e por ser símbolo dos povos originários. Ele está aqui reivindicando o básico: que não se altere a legislação brasileira de proteção aos índios, de demarcação de áreas indígenas. Até isso está ameaçado nestes tempos difíceis por que o Brasil atravessa, Senador Renan Calheiros.

    O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco Maioria/PMDB - AL) – Eu quero, a partir dessa intervenção do Senador Jorge Viana, cumprimentar o Cacique Raoni por sua visita ao plenário do Senado Federal.

    Eu e o Jorge temos muitas identificações. Talvez a maior delas seja a defesa permanente dos nossos povos originários. Eu, como Ministro da Justiça, no final do governo Fernando Henrique Cardoso e no início do segundo governo dele, durante 19 meses, eu fiz da defesa da causa indígena uma prioridade do Ministério da Justiça. E, de todos os orgulhos que carrego nesta longa vida pública minha, o maior é de ter sido o Ministro da Justiça que mais demarcou terras indígenas no Brasil.

    Jorge Viana, o Brasil sabe e é importante que o Cacique Raoni – que nos visita hoje – tenha certeza de que nós vamos estar juntos – juntos – para não permitir que tenhamos, na relação dos nossos índios, mais retrocessos do que nós já tivemos.

    Eu não sei se você sabe que a ocupação da Funai é um deletério exemplo da deletéria influência de Eduardo Cunha no Governo do Presidente Michel Temer, contra qual eu sempre me coloquei.

    De modo que é uma honra muito grande tê-los aqui.

    Aliás, estou homenageando Nelson Pereira dos Santos, um dos maiores cineastas do Brasil de todos os tempos, que produziu grandes filmes, entre eles o filme Vidas Secas, a partir do romance de Graciliano Ramos. Trata-se de um dos maiores filmes já produzidos no Brasil e no mundo. A todos os que estiverem nos ouvindo, eu queria, na audiência da TV Senado, poder recomendá-los que assistam a esse filme em homenagem à criação, ao que se fez e em homenagem ao serviço prestado à filmografia nacional por Nelson Pereira dos Santos.

    Senador Jorge Viana.

    O Sr. Jorge Viana (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Sr. Presidente, mais uma vez, Presidente Renan, quero agradecer. V. Exª está no meio de um pronunciamento, interrompeu o pronunciamento para permitir que eu pudesse fazer esta apresentação da visita dessa figura ilustre, querida, que é parte da história da resistência dos povos originários, os povos indígenas, o Cacique Raoni, que nos honra aqui no plenário do Senado Federal. Está o Patxon aqui, que é seu neto, que faz a tradução para ele quando é necessária. Encontramo-nos na COP na Alemanha. Ele é um símbolo dessa luta por um mundo melhor, sustentável. Mas agora ele tem que deixar – ou pelo menos conciliar – a luta em defesa de um mundo melhor pela luta da sobrevivência dos povos indígenas do Brasil. O retrocesso é tão grande neste País, que agora os índios têm que lutar para que a legislação não piore em desfavor deles, como, por exemplo, uma proposta de emenda à Constituição que modifica a demarcação de terras indígenas. Então, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, que deixou essa marca fantástica do seu trabalho, certamente onde estiver vai estar feliz de nós estarmos aqui, durante o discurso de V. Exª, agregando este aparte. Mas que fique constando, Sr. Presidente Hélio José, nos Anais da Casa, que neste ano de luta dos povos indígenas, vêm a Brasília 4 mil povos indígenas, mais de 100 etnias – inclusive do meu Estado do Acre –, por uma luta. Não é por mais conquistas; eles agora estão lutando para não perder aquilo que conquistaram: o direito de demarcação das áreas, o apoio para a Funai, que agora virou parte das negociatas políticas no Palácio do Planalto e ameaça aquilo que já era muito precário; os recursos necessários para atender os povos. Nós os recebemos ontem, para um café da manhã na Liderança do PT, com todos os Senadores do PT. Ouvir V. Exª, Senador Renan, como Ex-Ministro da Justiça, Ex-Presidente da Casa, o compromisso de nos ajudar para impedir esses retrocessos é muito importante. E ficam aqui nos Anais do Senado os agradecimentos pela luta que o Cacique Raoni faz em nome do seu povo.

    O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PROS - DF) – Senhor orador na tribuna, Sr. Senador Renan Calheiros, Sr. Senador Jorge Viana, nobre Cacique Raoni, esta Presidência quer registrar, com muita satisfação, o aparte colocado pelo Senador Jorge ao Renan, o registro importante dessa participação aqui do nosso nobre Raoni, da nossa população indígena, a importância de a gente preservar os direitos e a importância de estarmos aqui presentes neste momento.

    Nobre Senador Renan, eu não interrompi V. Exª, porque sou um profundo conhecedor – inclusive lá in loco, em Palmeira dos Índios – da vida que levou Graciliano Ramos, da vida das Alagoas, da vida de Nelson Pereira dos Santos. Quero cumprimentar V. Exª. Quando V. Exª falava sobre o livro Vidas Secas e o filme, recordava-me aqui do momento em que li e as emoções que tive de fazer aquela leitura tão emocionante. E ver aquilo relatado num filme tão primoroso, como V. Exª descreveu aqui, não me daria oportunidade de fazer um aparte, porque eu acho que, se eu fizesse um aparte, eu ia atrapalhar, de tão bacana que foi sua fala.

    Mas esse aparte que o nosso nobre Senador Jorge Viana trouxe aqui é fundamental. Quero agradecer, deixar registrada a nossa concordância.

    Volto a palavra ao nosso nobre Senador Renan Calheiros.

    O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco Maioria/PMDB - AL) – Muito obrigado, Senador Jorge Viana, muito obrigado, Cacique Raoni, pela presença e pela luta.

    Na trajetória profissional e na vida cidadã, Nelson Pereira dos Santos abraçou as boas causas, estava do lado certo. Nas centenas de ensaios e artigos que escreveu ao longo dos anos, nos manifestos que assinou, nas conferências e debates de que participou, foi sempre uma referência, um exemplo a ser seguido. Daqui, do Senado Federal, vai a homenagem de Alagoas, do povo de Alagoas a esse grande artista brasileiro, uma figura humana que deixa saudades e fará muita falta ao País, um dos definidores da identidade da alma brasileira, cujo legado, felizmente, estará ao alcance das gerações que virão.

    Nossa solidariedade à esposa Ivelise, aos filhos Nelson, Ney, Márcia e Diogo, e aos seus netos.

    Encerro, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, senhores e senhoras telespectadoras, ouvintes da Rádio Senado, seguidores das redes sociais, tomando emprestadas as palavras deste outro grande cineasta brasileiro, amigo de Nelson Pereira dos Santos e alagoano de Maceió, Cacá Diegues: "O Nelson era tudo. Inventou um cinema que só poderia ser feito no Brasil. É uma perda irreparável. Ele morreu, mas a obra está aí, e deve ser vista."

    Reforçando essas colocações do Cacá Diegues, eu queria pedir a todos que a maior homenagem que nós podemos prestar – e digo isso daqui, da tribuna do Senado Federal – a Nelson Pereira dos Santos é, como recomendou Cacá Diegues, ver as suas obras.

    Muito obrigado, Senador Hélio José.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/2018 - Página 35