Discurso durante a 60ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre os agente públicos que possuem direito ao foro por prerrogativa de função.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Considerações sobre os agente públicos que possuem direito ao foro por prerrogativa de função.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/2018 - Página 9
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, PRIVILEGIO, AGENTE, PUBLICO, FORO, PRERROGATIVA DE FUNÇÃO, APOIO, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, VANTAGENS, MOTIVO, NECESSIDADE, EXCLUSÃO, AUTORITARISMO, ABUSO, PODER, AUTORIDADE, LOCAL, EXECUTIVO, JUDICIARIO, LEGISLATIVO.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – O meu pronunciamento hoje será mais curto, Senador.

    Hoje faço um comentário – aliás, por sugestão de um irmão meu, o Wallace – sobre o juiz iníquo e o abuso do poder. E esse comentário é oportuno, porque, ontem, o Supremo Tribunal Federal precarizou, diminuiu, liquidou o tal foro privilegiado de Parlamentares.

    Eu sou extremamente tranquilo para falar disso, porque, há muitos anos, afirmo que um agente público, principalmente o eleito, não deveria ter foro privilegiado para nada; não deveria ter nem sigilo fiscal. Ele lida com recurso público, é representante da população, e a sua vida econômica deveria estar absolutamente aberta para a fiscalização dos seus eleitores.

    Sempre fui contra essa história de foro privilegiado, mas o foro privilegiado, no Brasil, atinge mais de 50 mil agentes públicos, inclusive juízes e promotores. E o Supremo Tribunal, ontem, abriu uma brecha para o fim do foro privilegiado – eu aplaudo a medida – apenas para Parlamentares, preservando a eles mesmos, aos juízes, aos promotores e aos mais de 50 mil agentes públicos no Brasil.

    Então, eu tenho aqui um texto preparado, a respeito disso, e passo a apresentá-lo a vocês. E o título é: "O Juiz Iníquo e o Abuso do Poder."

    A figura do juiz iníquo é bíblica, Senador. Logo, o tema que eu abordo hoje não se externa em qualquer preconceito em relação ao Judiciário. Trata-se apenas da constatação de que os poderes exercidos pelos homens, que são falíveis, resultam muitas vezes em injustiças. Isso desde tempos imemoriais, desde tempos bíblicos, Senadora Ana Amélia.

    Na verdade, são três os principais eventos bíblicos que retratam a injustiça dos homens.

    O primeiro que eu abordo: Pôncio Pilatos. Governador romano de Jerusalém, portanto autoridade do Poder Executivo, na condição de juiz, lava as mãos e entrega Jesus inocente à cruz.

    Segundo item bíblico também: o episódio da criação do reino do povo hebreu e a escolha de seu primeiro monarca, Saul. Em oposição à instalação do reino, a autoridade religiosa do profeta denuncia as injustiças que haveriam de sobrevir ao povo, com a cobrança de impostos, para manter os cavalos e carros de guerra de Saul; e o envio dos filhos do povo para as guerras, em busca de poder e riqueza para o monarca.

    Finalmente, temos o caso da viúva que apela para o juiz iníquo que a ninguém temia. A impiedade desse juiz estava na ausência do temor a Deus.

    São três fatos bíblicos.

    Como se vê, a iniquidade humana e o abuso de poder são tão antigos quanto a história da humanidade. Da mesma forma, tão antiga é a busca pela justiça.

    O poder é exercido por homens, e os homens são falíveis. E o aperfeiçoamento das leis nada mais é do que a busca continuada da justiça.

    A sociedade... Todas as sociedades estão sujeitas a algum tipo de lei, regida por algum tipo de valor limite.

    Na Constituição Brasileira, lemos que todo poder emana do povo. Mas o povo, coletiva e individualmente, está submetido às leis. Isto é claro. E a autoridade é exercida por membros do povo.

    Se o poder emana do povo, e o povo é a autoridade máxima, fonte do poder, a autoridade máxima, que é o povo, está submetida à lei. Nada mais claro.

    Assim sendo, qualquer autoridade que exerce algum poder em nome do povo deve também estar submetida a alguma lei, a algum escopo de valores limites.

    Ora, se o povo pode cometer excessos, as autoridades, no exercício do poder, também podem cometer excessos. A esses excessos nós chamamos "abuso de poder".

    Não parece difícil compreender que esses abusos devem estar submetidos ao controle da lei e do povo, em nome da justiça e da equidade.

    Ou seja, qualquer autoridade deve estar limitada pela lei, que lhe controla os abusos.

    É evidente que isso vale para Parlamentares, Senadores, Deputados Federais, estaduais, vereadores, prefeitos, governadores e autoridades da República, até o Presidente da República. Seja autoridade judicial, executiva ou legislativa, todas devem estar submetidas às normas e balizamentos da lei.

    Daí, Senadora Amélia, é fácil entender a minha rebeldia com aquela história da hermenêutica livre, em que o juiz pode ler a lei à luz da sua convicção ideológica e interpretá-la, apesar dos seus limites, não se submetendo a nenhuma censura.

    Essa legislação de controle de autoridade é o que podemos chamar de "lei limitante do abuso do poder exercido", à qual devem ser submetidos todos os homens, independentemente da posição que ocupem, e fundamentalmente os agentes públicos. Afinal, todos os homens exercem algum tipo de autoridade e todos os homens cometem algum abuso no exercício dessa autoridade.

    Daí por que eu fico perplexo de ver o Supremo Tribunal Federal decidir que os Parlamentares devem – e concordo com isto – se submeter à lei, porque essa história de foro privilegiado na legislação brasileira está encobertando muitos abusos de autoridade, encobrindo roubos que não conseguem ser desvendados e condenações que nunca ocorrem, mas se eximam do mesmo juízo.

    Eles estão acima da lei – juízes, promotores, fiscais, mais de 50 mil – e criminalizam a política brasileira, estabelecendo, dessa forma, uma espécie de ditadura do Poder Judiciário.

    Louvo o fim do foro privilegiado, mas espero que este Congresso explicite, por lei, que isso vale para todos os agentes públicos: do Judiciário, do Executivo e do Legislativo.

    Era, como disse ao nosso Presidente em exercício, no comando da Mesa, um pronunciamento curto, mas nem por isso, acredito, menos oportuno.

    Muito obrigado.

    A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – Senador Requião, eu só queria manifestar a última frase de V. Exª, louvando a aprovação. Ainda depende hoje do voto do Ministro Gilmar Mendes, porque o julgamento não se encerrou ontem, no Supremo, sobre a questão exatamente do foro privilegiado. E V. Exª, eu não diria radicaliza, mas vai a fundo, primeiro, de uma análise, fazendo a simbologia histórica do Pilatos que lavou as mãos. Não é isso que nós queremos do Judiciário: que lave as mãos e deixe passar. Não queremos de nenhum agente público também, que tenha esse grau de omissão.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – Mais de 50 mil no Brasil.

    A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – De omissão... Exatamente. Então, é preciso tratar essas questões com esse equilíbrio de tratar as coisas como elas são. A lei é igual para todos. Nós estamos vendo agora mesmo, nos Estados Unidos: o Donald Trump vai às barras da Justiça, vai ter que prestar depoimento, como foi assim com Bill Clinton, um antecessor, na democracia mais consolidada do mundo. Então, nós não podemos temer, porque a lei é igual para todos. E essa forma de ver a questão, de abrir inteiramente a questão do foro privilegiado, é por uma questão até de igualdade. Quer dizer: nós somos vigiados, nós somos, e o foro para nós também está limitado. Mas, como disse V. Exª, é preciso ampliar o limite desse privilégio, ou dessa garantia, ou dessa prerrogativa, a ponto de que a sociedade se sinta devidamente acolhida e de que cada uma das instituições faça, exerça rigorosamente o seu papel. Não pode a hermenêutica, como V. Exª diz, que é um termo jurídico para falar da interpretação que, às vezes, subjetivamente, um juiz, ou um magistrado, ou um promotor de justiça possa dar, mas, aí, você estaria exatamente atingindo a prerrogativa da função dele, que é exatamente esta: interpretar a Constituição. Foi um debate amplo, e V. Exª teve um ativismo muito grande na CCJ, quando debatemos a questão do abuso de autoridade. Então, quero cumprimentá-lo exatamente pela abordagem, trazendo um tema que é candente, e a sociedade está toda muito mobilizada com isso. E o número que V. Exª traz é muito significativo, entre os agentes políticos que estão beneficiados, entre aspas, pelo foro privilegiado e os demais agentes públicos, em que o número é muito maior. Então, precisamos tratar com igualdade no mesmo sistema. Então, eu o cumprimento, Senador Requião.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – Senador Requião, inclusive, o ponto central do seu pronunciamento, embora pequeno, mas de alta qualidade, é porque ele introduz esse debate na questão da democracia. Nós entendemos que o seu pronunciamento e os limites de poderes põem exatamente em cheque qualquer visão de autoritarismo, de ditaduras. Portanto, é fundamental que introduzamos esse debate também no processo de resgate da democracia que estamos construindo no nosso País.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/PMDB - PR) – É como eu vejo. Essa decisão que será consolidada hoje, no Supremo, é um abuso de poder.

    É claro que nós todos ficamos satisfeitos com o fim do foro privilegiado, mas é um abuso na medida em que eles mantêm a sua incolumidade, a sua inatacabilidade.

    E, Senadora Ana Amélia, o meu pronunciamento é radical. Radical vem de raiz, de radice; é aí a origem das coisas. Então, se estamos tentando aperfeiçoar a democracia, não é possível que se quebre o foro privilegiado dos Parlamentares, ao mesmo tempo em que se mantém o dos juízes, dos promotores e de todos os agentes públicos.

    Então, o que é que temos? É uma espécie de ditadura? Mas aqui no Parlamento estamos representantes do povo, que são eleitos de quatro em quatro anos – eleitos ou rejeitados pelo voto popular. Agora, dar-se essa impunidade absoluta a quem leu algumas apostilas e fez um concurso público, empolgado, fascinado pelo salário da carreira... Não é bem assim. Nós estamos vivendo um erro. Foro privilegiado tem que ser banido da legislação brasileira, para juízes, promotores e todos os agentes públicos. Senão, isso passa a ser uma chalaça e não uma medida séria.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/2018 - Página 9