Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lembranças das circunstâncias que envolveram o suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier.

Leitura do documento escrito pelo Prof. Antônio José Medeiros sobre a crise que atinge o País.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Lembranças das circunstâncias que envolveram o suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier.
POLITICA SOCIAL:
  • Leitura do documento escrito pelo Prof. Antônio José Medeiros sobre a crise que atinge o País.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2018 - Página 62
Assuntos
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Outros > POLITICA SOCIAL
Indexação
  • CRITICA, ASSUNTO, ATUAÇÃO, POLICIA FEDERAL, LOCAL, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), MOTIVO, INVESTIGAÇÃO, REITOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC), VITIMA, SUICIDIO, ENFASE, ACUSAÇÃO, AUSENCIA, PROVA, CRIME.
  • REGISTRO, DOCUMENTO, AUTOR, PROFESSOR UNIVERSITARIO, SOCIOLOGO, ASSUNTO, CRISE, ETICA, ECONOMIA, POLITICA, RELAÇÕES HUMANAS, NATUREZA SOCIAL, LOCAL, PAIS, BRASIL.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, eu quero tocar em três assuntos rapidamente.

    Primeiro, eu quero dizer que hoje faz sete meses que Luiz Carlos Cancellier, Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, suicidou-se, foi levado a isso. O que é interessante é que, em sete meses, o assunto teve toda uma comoção, toda uma discussão, mas o assunto praticamente morreu. Mas há uns repórteres que foram investigar, três repórteres: Mônica Weinberg, Luisa Bustamante e Fernando Molica.

    Eles tiveram acesso ao relatório produzido nessa investigação da Polícia Federal, 800 páginas, e esses repórteres dizem assim:

É uma leitura perturbadora, pelo excesso de insinuações e escassez de provas. [Isso é muito sério. E, aí, eles continuam – eu estou lendo a matéria deles] Cancellier foi algemado pelas mãos e pelos pés e vestiram-no com uniforme de presidiário. Dias depois, ele foi libertado, proibido de pôr os pés na Universidade Federal de Santa Catarina, e só voltou a ela morto, para o velório.

A chamada Operação Ouvidos Moucos começou com um erro retumbante. A Polícia Federal anunciou espetaculosamente que investigava o desvio de R$80 milhões de verbas destinadas ao ensino à distância. Errado. Esse era o valor das verbas, não do eventual desvio [inclusive, eram verbas para seis anos]. Tudo bem, mas qual era o valor da maracutaia? O relatório da investigação não diz. [Olha, fazem um relatório de 800 páginas e não dizem qual era o valor, e, segundo os repórteres aqui:] Talvez tenha chegado a R$500 mil, mas isso é conversa de corredor.

Não havendo sequer suspeita de que Cancellier tenha desviado dinheiro, sustentou-se que ele tentou obstruir uma investigação interna, avocando-a para seu gabinete. O reitor fez isso em ato de ofício. [...]

Aqui e ali pipocam breves notícias de que Cancellier fez isso ou aquilo. [...]

    Estou saltando algumas coisas porque quero falar de outro assunto também.

Comenta-se também que Elvis está vivo, mas não é para isso que existe uma Polícia Federal.

    Porque o relatório da Polícia Federal é todo assim: diz-se, comenta-se. Isso não é relatório de um processo dessa envergadura.

A Operação Ouvidos Moucos pode ter nascido de uma mobilização exagerada da Polícia Federal, amparada pela Justiça. Algo semelhante aconteceu em alguns aspectos da “Carne Fraca”. O suicídio de Cancellier deu-lhe uma dimensão trágica. A imprensa acompanhou as exposições espetaculares e acreditou no erro do desvio de R$80 milhões. É possível que a própria Polícia Federal e a juíza que mandou prender o reitor acreditassem que havia uma organização criminosa e milionária na UFSC. Isso não elimina o fato de que o desvio porventura ocorrido não tinha essa dimensão. A investigação durou sete meses [...] até o relatório agora revelado pelos repórteres.

    E conclui assim:

O aparato do Estado na defesa da lei e da ordem, às vezes, comete erros ou mesmo exageros. É o jogo jogado, mas a intransigência transforma os equívocos em desastres.

    Então, esse artigo, esse comentário é muito importante para quem quer esmiuçar a morte do Prof. Cancellier, porque ele foi praticamente induzido... Eu gosto de dizer: suicidaram o Prof. Cancellier. E a gente precisa tomar cuidado com essas coisas porque está virando moda neste País prender, arrebentar para, depois, descobrir que não era bem aquilo.

    Eu quero também falar, já que ontem foi 1º de maio e hoje aqui ouvi um debate da Senadora Vanessa com alguns, sobre a pobreza extrema que está voltando ao País.

    O Brasil produziu 1,5 milhão de novos pobres, pessoas que voltaram à extrema pobreza – 1,5 milhão em um ano. E não adianta dizer que é dado de jornal de esquerda. É o Valor Econômico que fala essas coisas. Está dizendo aqui também que a pobreza extrema no Nordeste cresceu mais do que no interior. E cita aqui todas as capitais onde a pobreza extrema cresceu, onde as pessoas voltaram à pobreza extrema. Só no Nordeste, 130 mil pessoas perderam o Bolsa Família. E a gente sabe que as pessoas – eu ando muito no interior e as ouço – deduzem logo que, porque têm CNPJ, são empresários. E as pessoas são presidentes da associação de moradores, presidente de sindicato, presidente de partido e perdem o seu benefício. O Governo se orgulha em dizer que foi um pente fino, e não é nada disso. A verdade é que cresceu a extrema pobreza porque as pessoas não tinham como viver, perderam o seu benefício.

    Na grande São Paulo, a pobreza extrema cresceu 35% em um ano. Por isso, as pessoas estavam debatendo aqui querendo olhar para o retrovisor: "mas isso veio da Dilma". Não. Está aqui. Foi no ano de 2016 para 2017. A extrema pobreza cresceu 35% em São Paulo. É o relatório do IBGE e do PNAD dizendo uma coisa e o Governo dizendo outra – que está tudo bem, que está gerando emprego –, mas a gente sabe – já saiu também nas estatísticas – quantas vagas de carteira assinada foram perdidas, e esse é um caso para a gente juntar esses dados e fazermos a comparação para ver o que é o resultado da reforma trabalhista e da Emenda nº 95, que está produzindo essa nova geração de pobres.

    Eu quero ler um documento que foi fruto de um debate muito rico que houve na Assembleia Legislativa do meu Estado sobre a questão do direito. Era o caso Lula, a abordagem era jurídica, mas havia um sociólogo no meio, Prof. Antônio José Medeiros, que fez uma abordagem muito interessante sobre o momento que a gente está vivendo.

    Gostaria de ler um trecho do documento que ele escreveu. Ele diz:

O Brasil vive uma grave crise econômica, política e ética. Como é uma crise ampla, profunda e por isso prolongada, precisa da contribuição das várias ciências humanas no esforço que precisamos fazer para entendê-la e interpretá-la.

Em geral, a ciência econômica, a sociologia, a ciência política e a ciência jurídica dão conta das análises de conjuntura. Penso que precisamos atualmente da contribuição da história e da antropologia e mesmo da psicologia e da psicanálise.

Para entender a crise, é necessário antes afastar os obstáculos para a devida percepção dos fatos e para desanuviar os horizontes. É preciso superar o preconceito e não alimentar o ódio. Por isso disse que precisamos da antropologia e da psicanálise.

Comecemos pelo preconceito e preconceito social, que tem a ver não com a personalidade individual, mas com a cultura. Trata-se do preconceito que só a História do Brasil explica: o preconceito da Casa Grande contra a Senzala, herança maldita do período em que a escravidão regia ou contaminava todas as relações sociais.

Esse preconceito nos leva a dizer: "Conheça seu lugar". Incomoda-nos quando vemos gente demais em filas e sobretudo sentado nas cadeiras dentro dos bancos; quando vemos gente mal vestida e falando alto no telefone nos aeroportos e nos próprios aviões; quando vemos cotistas sentados na mesma sala de aula da universidade, junto com nossos filhos.

Esse tipo de preconceito leva ao desrespeito, sobretudo quando o pobre virou liderança e ocupa um cargo importante. Não precisa ser negro, basta ser pobre, não ter curso superior, falar errado, beber cachaça. O preconceito é a raiz de muitas críticas da oposição sistemática, da não aceitação e da raiva contra o Lula. O preconceito é a bitola intelectual para a narrativa midiática que transforma o líder em ladrão, em bandido. Meu preconceito encontra, afinal, uma justificativa. Esse é o ensinamento da história social e política do Brasil e da antropologia da cultura brasileira.

O mais grave é quando a raiva vira ódio, porque o ódio leva ao desejo de vingança, de destruição do outro. Aqui também o fenômeno individual pode se tornar social. O ódio que cega o marido para assassinar a mulher pode cegar multidões. Foi assim em Jerusalém quando a turba gritou: "Crucifica-o, crucifica-o". Foi assim em Roma quando a multidão urrava no Coliseu ao ver os cristãos jogados às feras; e, infelizmente, foi assim também em Lisboa e em Madri no tempo da Inquisição, quando, ao lado dos que rezavam pedindo misericórdia de Deus para os hereges que estavam sendo queimados na fogueira, boa parte da multidão gritava: vai pro fogo do inferno, miserável.

Hannah Arendt, no seu livro As Origens do Totalitarismo, dedica uma parte ao antissemitismo. E mostra que, quando o antigo preconceito contra os judeus, há muito existente na Europa, se transformou em ódio, o caminho estava aberto para o extermínio, para o genocídio, para o holocausto.

O apelo ao rádio e às grandes paradas foi o mecanismo que Hitler utilizou para transformar a raiva em ódio. Com as mudanças tecnológicas da mídia e com a redes sociais, a máquina de transformar a diversidade em adversidade, a divergência em inimizade, a raiva em ódio ganhou outros instrumentos, tão ostensivos no Brasil de hoje. O ódio ao Lula não é espontâneo; é fabricado. Para os outros políticos, o limite é a raiva; para Lula – até porque é de origem popular e é de esquerda –, o limite pode ser ultrapassado. Insinua-se o ódio. E como dizia uma jornalista de El País: o ódio disfarçado em alegria, ao soltar foguetes e bater panelas, é obsceno.

Esse é o ovo da serpente que está sendo chocado no Brasil pela direita e por setores militares e da mídia.

Mas quero fazer um apelo: façamos como o velho marinheiro que, durante o nevoeiro, leva o barco devagar. Não se combate o preconceito com o preconceito, não se combate o ódio com o ódio. Vamos esvaziar a falsa polarização que está sendo incentivada no Brasil. Nossa indignação deve se manifestar como firmeza na luta. Não vamos aceitar o desrespeito à dignidade da pessoa humana, a deterioração das relações sociais, o predomínio da barbárie contra a civilização.

Gostaria de analisar outro aspecto da crise que o País vive. A solidariedade e a luta pela liberdade e absolvição de Lula, bem como pela preservação de sua verdadeira imagem como grande ser humano que é e como principal liderança de esquerda no Brasil, se inserem na luta pela democracia, pelo Estado democrático de direito, pela superação do Estado de exceção.

Está na hora da reinstitucionalização do País. E 2018 é um momento privilegiado para isso: teremos eleições. As eleições são o momento concreto em que pode se concretizar a prática do preceito constitucional: todo poder emana do povo. Sem a participação popular, não há reinstitucionalização autêntica. O povo não é um detalhe!

    O povo não pode ser um detalhe.

    E aí vou para a conclusão do texto, muito bem escrito pelo Prof. Antônio José Medeiros. Ele diz:

[...] A omissão do Legislativo é que gera o ativismo do Poder Judiciário que, por sua vez...

(Soa a campainha.)

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) –

... desencadeia o processo que leva ao estado de exceção: a politização da Justiça leva ao abuso de poder, que leva ao processo judicial como "operação" [entre aspas], que leva à inversão da hierarquia entre instâncias no sistema judiciário, que leva à hipertrofia do Ministério Público, que leva à espetacularização da ação policial. Essa é a lógica infernal que predomina no Brasil atual.

    Então, eu encerro aqui a leitura do texto do Professor Antônio José. É um texto digno de constar nos Anais desta Casa, porque é de um sociólogo. Independentemente da sua opção ideológica, ele trata do assunto do ponto de vista antropológico, histórico. Eu acho que não é todo mundo que está tratando isso assim. As pessoas estão sendo movidas a paixões, a ódio. E não sabemos para onde este País vai caminhar.

    Eu quero agradecer, Sr. Presidente.

    Encerro aqui as minhas palavras.

    Obrigada.

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELA SRª SENADORA REGINA SOUSA.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

    Matéria referida:

     – Texto do Professor Antônio José Medeiros


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2018 - Página 62