Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a precarização dos direitos trabalhistas decorrente da reforma trabalhista no transcurso do Dia Internacional do Trabalho.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Considerações sobre a precarização dos direitos trabalhistas decorrente da reforma trabalhista no transcurso do Dia Internacional do Trabalho.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2018 - Página 97
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • COMENTARIO, DIA INTERNACIONAL, TRABALHADOR, CRITICA, GOVERNO, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, REFORMA, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, RESULTADO, AUMENTO, DESEMPREGO, LOCAL, BRASIL, AUSENCIA, POLITICA SALARIAL, PREJUIZO, TRABALHO ASSALARIADO, ECONOMIA NACIONAL, REGISTRO, INFORMAÇÃO, DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATISTICA E ESTUDOS SOCIO ECONOMICOS (DIEESE).

  SENADO FEDERAL SF -

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COORDENAÇÃO DE REDAÇÃO E MONTAGEM - COREM

02/05/2018


DISCURSO ENCAMINHADO À PUBLICAÇÃO, NA FORMA DO DISPOSTO NO ART. 203 DO REGIMENTO INTERNO.

    O SR. RENAN CALHEIROS (Bloco Maioria/PMDB - AL. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, neste dia primeiro de maio foi comemorado, na maior parte do mundo, o Dia do Trabalhador. A data foi instituída em homenagem aos trabalhadores mortos em luta pela jornada de trabalho de oito horas na Revolta de Haymarket, em Chicago, em 1886.

    Essa luta foi celebrada, pela primeira vez, em Paris, três anos mais tarde, quando a Segunda Internacional Socialista decidiu convocar uma manifestação anual pela jornada de oito horas.

    No dia primeiro de maio de 1891, uma manifestação no norte da França foi dispersada pela polícia. Nessa ação repressiva morreram dez manifestantes. A nova carnificina serviu para reforçar o significado da data como um dia de luta dos trabalhadores.

    Meses depois, a Internacional Socialista de Bruxelas proclamou o primeiro de maio como o dia internacional de reivindicação de melhores condições de trabalho.

    Entre nós, brasileiros, Sr. Presidente, o primeiro de maio ganhou seu maior significado em 1943, com a edição do Decreto n° 5.452, pelo Presidente Getúlio Vargas. Esse decreto consolidou a legislação trabalhista existente e a aprimorou, criando um marco histórico para o trabalhador brasileiro.

    É oportuno lembrar que o decreto de Consolidação das Leis do Trabalho foi assinado por Getúlio Vargas no estádio do Vasco da Gama, completamente lotado pelos trabalhadores na ocasião.

    Getúlio não apenas instituiu novas regras, como fez questão de lhes dar ampla publicidade, para que todos as conhecessem dali por diante. Definitivamente, ele queria que a lei "pegasse"!

    De lá para cá, a CLT passou por muitos aprimoramentos, ora se adaptando à realidade de novos tempos, ora concedendo melhores condições de trabalho aos brasileiros.

    Passados 75 anos da sua instituição, vamos relembrar mais um primeiro de maio, só que, desta vez, não há nada a comemorar. Ao contrário, penso que há muito que lamentar!

    Isso se deve ao terrível desemprego que vivemos e à malfadada reforma trabalhista promovida pelo Presidente Michel Temer, que imaginou, com esse grave equívoco - contra todas as advertências, inclusive as minhas -, estar favorecendo a retomada da economia e a geração de empregos.

    Como consequência da mais terrível recessão da nossa história, temos hoje um quadro desolador em matéria de emprego, em que pese o esforço do Governo para demonstrar o contrário. Vamos aos números, que não mentem!

    Quando o Presidente Michel Temer tomou posse, em 31 de agosto de 2016, o desemprego do trimestre encerrado naquela data estava em 11,8%, número que indicava a existência de 12 milhões de desocupados no País.

    Era a maior taxa registrada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE (a PNAD) desde a sua instituição, no primeiro trimestre de 2012!

    O que temos hoje, Sr. Presidente?

    Dados da mesma PNAD, relativos ao trimestre encerrado em fevereiro de 2018, revelam uma taxa de desemprego média de 12,6%.

    Isso significa que temos, hoje, um contingente de 13,1 milhões de desocupados, isto é, um milhão e cem mil a mais, a despeito de toda a fanfarra do Governo.

    Fanfarra, sim, porque pouco importa ao chefe de família desempregado o que o governo diz, se o PIB cresceu ou se a indústria de embalagens aumentou a sua produção.

    O que importa para ele não é o que a televisão noticia, mas o emprego que ele não acha, as contas atrasadas que ele não consegue pagar e as dificuldades por que passa a sua família!

    E lamentavelmente, o emprego caiu ao pior nível em 6 anos. O desemprego está disseminado por todo o Brasil.

    Em 2017, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (o CAGED), 40% das cidades brasileiras ficaram no vermelho quando o assunto é emprego formal.

    Isso quer dizer que, em 2.244 dos nossos 5.553 municípios, o número de demissões foi maior que o de admissões no ano que passou.

    Em Maceió, capital do meu Estado, por exemplo, foram perdidas 3.174 vagas no ano passado. Em Penedo, segundo município que mais perdeu empregos formais, foram-se outros 905 empregos.

    E me parece claro que a coisa vai piorar, graças à malsinada reforma trabalhista, ostentada por Michel Temer como uma das grandes realizações de seu triste governo!

    Digo isso hoje, como já disse lá atrás, quando votávamos essa matéria, no ano passado, que ela representava um desmonte brutal, do dia para a noite, do estado social iniciado por Getúlio Vargas!

    Dizia eu que iríamos produzir uma terrível precarização das relações de trabalho, com graves consequências para a economia nacional, seguindo os maus exemplos da Espanha e do México. Senão, vejamos.

    Já no mês em que a reforma trabalhista entrou em vigor, o Brasil registrou mais demissões que contratações. O saldo ficou negativo em 12.300 vagas em novembro passado.

    Esse resultado quebrou uma sequência de sete meses consecutivos com saldo positivo, ao contrário do que esperavam os analistas. Eles previam um saldo positivo de 22 mil vagas.

    Um exemplo cruel do impacto da mudança na legislação foi a demissão de 1.200 professores pelo grupo de ensino superior Estácio de Sá, logo após o início da validade da reforma trabalhista.

    Mas há outros números.

    De novembro do ano passado, quando a nova lei trabalhista entrou em vigor, até março último, mais de 41 mil brasileiros sacaram o FGTS após demissão em comum acordo com o empregador, uma das novidades introduzidas pela nova legislação.

    O saque médio foi de 5 mil e 800 reais, o que confirma outra de minhas previsões.

    Eu disse aqui, na época, que eram justamente os trabalhadores menos qualificados que iriam perder empregos em massa, já que a reforma só geraria empregos para os mais preparados, justamente os que têm mais recursos.

    Pois, segundo os dados do CAGED de novembro e dezembro passados, os desligamentos por acordo (6.696 casos) foram mais comuns no setor de serviços, representando a metade do total.

    As categorias mais afetadas foram auxiliar de escritório, assistente administrativo, motorista de ônibus, motorista de caminhão, operador de caixa, faxineiro, operador de telemarketing, recepcionista, cozinheiro, servente de obras, porteiro, atendente de lanchonete e garçom.

    São justamente os trabalhadores menos qualificados e que ganham menos, como eu previ que iria acontecer!

    É óbvio que essas pessoas estão sendo demitidas por acordo para serem contratadas em outros regimes que a nova legislação facultou. E, para piorar a situação deles, vale lembrar que, nesse tipo de demissão, o trabalhador perde o direito ao seguro­ desemprego e ganha só metade do aviso prévio e da multa do FGTS.

    E quais as consequências disso, Sr. Presidente?

    A massa salarial diminui, como explica Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (o DIEESE).

    Isso porque os salários diminuem.

    Em janeiro, segundo o CAGED, o salário médio dos trabalhadores demitidos era de 1.636 reais e 41 centavos. Já o salário de admissão ficou em 1.535 reais e 51 centavos. A rotatividade habitual no mercado de trabalho brasileiro, principalmente para os trabalhadores menos qualificados, infelizmente é acompanhada de redução de ganhos.

    Mas não é só.

    De acordo com o diretor do DIEESE, a reforma trabalhista garante, desde novembro, que o trabalhador esteja presente no local de trabalho somente quando o empregador precisa. Legalizaram os chamados "bicos", por meio do contrato de trabalho intermitente!

    Nas palavras de Ganz Lúcio, sociólogo e diretor técnico do Dieese: “as normas que regem a contratação intermitente transferem o controle da força de trabalho totalmente para as mãos do empregador. É possível a contratação de pessoal sem qualquer garantia de continuidade de emprego (...)”.

    E ele diz mais: “(...) Para as empresas, o ganho é evidente, pois o trabalho deixa de ter custo fixo e passa a ser despesa variável. Os indivíduos passam a ser usados como máquinas, que podem ser ligadas ou desligadas, conforme a sua conveniência”.

    O resultado evidente é a precarização do emprego!

    O trabalho intermitente apresentou, segundo o CAGED de fevereiro, saldo positivo de 2.091 empregos, resultado de um registro de 2.660 admissões e 569 desligamentos.

    Demitem-se os fixos e contratam-se os intermitentes!

    Como consequência, o rendimento médio desses trabalhadores diminui, segundo dados do próprio CAGED. Tudo isso leva à queda da massa salarial, como é óbvio! Além disso, sem qualquer segurança no emprego, o trabalhador posterga o consumo, o que também prejudica a economia do País.

    O trabalhador sofre, sem emprego ou com um trabalho precário, que não lhe permite satisfazer suas necessidades mínimas. E sofre, junto, a economia do País, porque, sem consumo, não há crescimento econômico.

    Outro desastre que está sendo produzido pela reforma Temer é a queda no número de acordos coletivos de trabalho.

    No primeiro trimestre de 2018, houve uma queda de 29% no número de acordos coletivos registrados no Ministério do Trabalho.

    No primeiro trimestre de 2018, o DIEESE registrou 2.802 acordos, enquanto, no mesmo período de 2017, foram registrados 3.939. De 2012 até 2017, a média de acordos registrados nos primeiros trimestres foi de 3.800.

    O que está ocorrendo, Sr. Presidente, é que os empregadores têm-se baseado nas novas regras da reforma trabalhista para reduzir direitos na hora da negociação coletiva.

    Para dar apenas um exemplo, em uma negociação do setor de móveis e madeira de São Paulo, no final do ano passado, a bancada patronal apresentou uma contrapauta reivindicando que 49 itens da convenção coletiva anterior fossem modificados, com redução de direitos trabalhistas.

    Evidentemente, não houve acordo, e foi a primeira vez em 28 anos - 28 anos, Sr. Presidente! - que o Sindicato dos Oficiais Marceneiros de São Paulo não conseguiu fechar o seu acordo coletivo!

    Na opinião do presidente da Federação Interestadual dos Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil, Marcelino da Rocha, as convenções e acordos coletivos podem estar com os dias contados em razão da ganância patronal de rebaixar direitos, graças - de novo! - a essa malfadada reforma!

    Como se vê, caímos num buraco negro. Proclamaram aos quatro ventos as vantagens do acordado sobre o legislado, mas o que se vê agora é que nem acordos há, Sr. Presidente!

    Há, sim, muitos grandes prejuízos para o trabalhador brasileiro nessa nova legislação infeliz.

    Um deles é, por exemplo, o caso da jornada intermitente.

    Nessa situação, a medida possibilita que o salário mensal do trabalhador seja menor do que o salário mínimo.

    Com isso, os trabalhadores correm o risco de ficar sem direito à aposentadoria, uma vez que o recolhimento para a Previdência Social fica menor do que o aceito pelo INSS.

    Para contornar a questão, a Receita Federal divulgou, em dezembro, novas regras que possibilitam que empregados no regime intermitente paguem 8% sobre a diferença entre o salário recebido e o mínimo.

    Mas isso significa que os trabalhadores têm de pagar para trabalhar e para ter direito à aposentadoria.

    E por aí vai...Redução de salários, precarização do emprego, queda de arrecadação, revogação de vários direitos do trabalhador, dispensa coletiva sem entendimento com os sindicatos, terceirização das atividades-fim e piora da vida da mulher trabalhadora, inclusive das empregadas domésticas!

    As empregadas domésticas, que sempre foram as mais relegadas entre as trabalhadoras, tinham obtido grandes avanços com a aprovação da legislação que lhes deu alguma proteção, na época em que eu presidia esta Casa e dei prioridade a essa matéria. Mas, agora, estão, de novo, vendo retrocessos na sua situação trabalhista.

    Segundo a juíza Laura Benda, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, as mulheres são as que mais perdem, principalmente por estarem nos postos precarizados, empregos domésticos, com uma rede de direitos que vai se esvaindo, deixando as mulheres ainda mais frágeis. Um verdadeiro absurdo!

    Por último, mas não menos importante, vem a notícia de que o Presidente Michel Temer não deverá reeditar a Medida Provisória 808, que minorava um pouco os efeitos da reforma trabalhista, sob a alegação de que não há clima para essa discussão no momento.

    Isso quer dizer, senhoras e senhores Senadores, que eles vão fazer remendos via decreto, o que não vai resolver o problema.

    Com isso, ficam indefinidas as situações de trabalhadores intermitentes, de gestantes em atividades insalubres, de garçons e autônomos.

    Também pairam dúvidas sobre a abrangência da reforma.

    Não está claro se ela se aplica a todos os contratos, novos e antigos, o que deixa a interpretação nas mãos do Judiciário.

    Além disso, a indenização extrapatrimonial, em caso de danos morais ou afins, fica limitada à remuneração, e não mais ao teto do INSS, atualmente em 5.645 reais.

    Sem a renovação da Medida Provisória, cai também a quarentena de um ano e meio para que empregadores possam trocar contratos regulares por intermitentes.

    Da mesma forma, o trabalhador que descumprir o contrato poderá ter de pagar multa de 50% sobre a remuneração.

    Além disso, haverá perda de arrecadação para a União, porque a base de cálculo de tributos sobre a folha ficará menor, sem as gratificações pagas a chefes, gerentes e coordenadores. Elas foram retiradas pela reforma e a MP 808 tentava reincorporá-las na base de cálculo.

    No entanto, o Presidente da República não se escusa de vir a público para defender as realizações de seu governo, e dizer que a reforma trabalhista vai impulsionar a economia.

    Eu penso exatamente o contrário, pelas razões que já trouxe ao Plenário nesta fala, e que não vou repetir para não me tomar enfadonho!

    Este ano se completam 130 anos da abolição da escravidão. O Brasil foi um dos últimos países a proibir essa barbárie. Espero que não se tome o primeiro a retomá-la, de forma enrustida, em mudanças ignóbeis da legislação que deu dignidade ao trabalhador brasileiro.

    Mas temo, porque, não faz muito tempo, o próprio Presidente Temer, por razões de natureza estritamente pessoal, para impedir seu afastamento pelo Congresso Nacional, negociou com a bancada ruralista um decreto hediondo, que dificultava, ou mesmo impedia, a fiscalização para prevenir trabalho em situação análoga à de escravidão!

    Felizmente, isso caiu por terra, graças a uma liminar concedida pela Ministra Rosa Weber, mas o receio fundado de novos ataques permanece à vista.

    Getúlio Vargas sabia muito bem do que se tratava.

    Basta lembrar o que disse aos trabalhadores na celebração do dia primeiro de maio de 1951:

    “Preciso de vós, trabalhadores do Brasil, meus amigos, meus companheiros de uma longa jornada; preciso de vós, tanto quanto precisais de mim. (...)

    Preciso de vossa união para lutar contra os sabotadores, para que eu não fique prisioneiro dos interesses dos especuladores e dos gananciosos, em prejuízo dos interesses do povo.

    Preciso do vosso apoio coletivo, estratificado e consolidado na organização dos sindicatos, para que meus propósitos não se esterilizem e a sinceridade com que me empenho em resolver os nossos problemas não seja colhida de surpresa e desarmada pela onda reacionária dos interesses egoístas, que, de todos os lados, tentam impedir a livre ação de meu governo".

    Concluo, assim, Sr. Presidente, com essa advertência sobre o mal que está sendo praticado contra o trabalhador brasileiro.

    Espero, sinceramente, que, com a ajuda da Justiça do Trabalho, possamos mudar a direção do que está sendo feito em seu prejuízo.

    De minha parte, o que posso prometer é que me manterei firme na luta em defesa dos homens e das mulheres que produzem a riqueza nacional e merecem, portanto, ser tratados com mais dignidade.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2018 - Página 97