Discurso durante a 62ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a celebrar a Campanha da Fraternidade de 2018.

Autor
Fátima Bezerra (PT - Partido dos Trabalhadores/RN)
Nome completo: Maria de Fátima Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a celebrar a Campanha da Fraternidade de 2018.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2018 - Página 9
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, CELEBRAÇÃO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, ANO, ATUALIDADE, ASSUNTO, IMPORTANCIA, COMBATE, VIOLENCIA, RESPEITO, PESSOAS, SIMILARIDADE, IRMÃO.

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Obrigada, Senadora Regina, em nome de quem quero saudar os demais Senadores aqui presentes, os telespectadores da TV Senado, os ouvintes da Rádio Senado, os que nos acompanham pelas redes sociais neste exato momento.

    Mais uma vez, o meu abraço afetuoso aos que compõem a mesa: Dom José Aparecido, Secretário-Geral da CNBB; o Rev. Pe. Luís Fernando da Silva, Coordenador Executivo das Campanhas da Fraternidade; Dr. Marcello Lavenère; Pastora Romi, à Isabel e aos membros do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Aos estudantes aqui presentes, o nosso agradecimento.

    Quero aqui iniciar a nossa fala, o nosso diálogo, dizendo que o tema escolhido pela CNBB para a Campanha da Fraternidade deste ano: "Fraternidade e Superação da Violência", bem como o lema da Campanha "Vós sois todos irmãos" são extremamente atuais e nos convidam a um momento de reflexão sobre os caminhos que a sociedade brasileira está tomando, especialmente nesses últimos dois ou três anos em que a intolerância, infelizmente, tem tomado conta das relações sociais e políticas em nosso País.

    O tema da violência, claro, é bastante complexo e pode ser abordado a partir de múltiplas perspectivas. A violência está presente nas ruas, dentro de casa também, pode ser motivada por questões de gênero, etnia, orientação sexual, crença religiosa, diferenças políticas, domínio de territórios por facções do crime organizado, mas ela está sempre relacionada às desigualdades do ponto de vista social e à cultura do ódio e da intolerância.

    O Brasil infelizmente é campeão de homicídios no mundo. Um País que tem também uma das maiores populações carcerárias também do mundo. Em 2016, foram cerca de 70 mil mortes violentas, índice só comparável aos países em guerra e que representa 12% do total de registros em todo o planeta. Vejam só: uma em cada 10 mortes violentas no mundo acontece no Brasil! Vou repetir. É um dado muito triste e perigoso porque isto se assemelha a tempos de guerra: uma em cada 10 mortes violentas no mundo acontece no Brasil!

    O meu Estado, o Rio Grande do Norte, infelizmente, não foge à regra. A violência tem se agravado muito nos últimos anos e isso pode ser constatado através de estudos, pesquisas feitas, por exemplo, pelo Observatório da Violência Letal Intencional (Obvio), que é uma instituição vinculada à Universidade Federal do Semiárido e que faz um trabalho pautado, com muita seriedade, dedicado a acompanhar os índices no que diz respeito à questão da violência no Rio Grande do Norte. E repito: infelizmente, esses índices têm crescido de forma assustadora. Claro que o problema não é de hoje, já vem de muito e muito tempo, mas, para se ter uma ideia, segundo o Obvio, são mais 6 mil homicídios nos últimos três anos, mais de 6 mil homicídios nos últimos três anos lá no Rio Grande do Norte. Natal, a nossa querida Natal, a capital do nosso Estado, foi apontada recentemente por uma ONG mexicana como a capital mais violenta do Brasil. E, mesmo diante desse quadro em que a população vive amedrontada, insegura, totalmente angustiada, repito, o Governo Federal vetou a destinação emergencial de recursos do BNDES para o Rio Grande do Norte, alegando a falta de saúde financeira do Estado! Isso é inaceitável!

    Repito, o Rio Grande do Norte, a exemplo dos demais Estados do Brasil, também está inserido nesse quadro dramático do aumento de homicídios, do aumento da violência, Senador Elmano. Por quê? Porque as ações voltadas lá para garantir a segurança pública da população cada vez mais mostram um grau de ineficiência que tem levado a esse crescimento de forma assustadora lá no Rio Grande do Norte.

    E, por sua vez, mesmo quando o Governo Federal anunciou recentemente a liberação de empréstimos via BNDES para os Estados, o Rio Grande do Norte foi excluído. Por quê? Porque não tem saúde financeira o Estado do Rio Grande do Norte. E a população que fique entregue exatamente à míngua e à sanha dos bandidos.

    A entidade Small Arms Survey, considerada uma referência mundial na questão da violência armada no mundo, considera que a situação da violência no Brasil é mais grave que a situação na Índia, Síria, Nigéria e Venezuela.

    Para a entidade, três fatores contribuem para os índices elevados: a falta do Estado de direito, a falta de cidadania para uma expressiva parcela da população, a cultura da violência e o chamado crime organizado.

    Outro estudo, do Instituto Igarapé, enfatiza que as principais causas do alto índice de mortes incluem a desigualdade, o desemprego – especialmente entre os jovens –, a baixa escolaridade, a urbanização rápida e irregular, drogas ilícitas e armas.

     Somadas a isso, há, evidentemente, questões de natureza políticas, fruto da irresponsabilidade, fruto da não priorização dos diferentes níveis de governo, além da impunidade, resultado da baixa taxa de investigação e elucidação dos crimes, aponta o estudo do mencionado e respeitado Instituto Igarapé.

    Ora, é comprovado, Senadores e Senadoras, que a taxa de violência é inversamente proporcional ao nível de escolaridade da população. Não é por acaso que países como a Islândia, Isabel, a Dinamarca e a Suécia são considerados os mais tranquilos do mundo e não é por acaso que esses países apresentam as mais altas taxas de permanência dos jovens na escola.

    Então, veja, não há como aqui a gente dissociar a influência do contexto socioeconômico no aumento da violência.

    Aliás, o grande mestre, sempre mestre Darcy Ribeiro já alertava as autoridades, quando dizia que quanto menos escolas, D. Ernane, a gente construísse, mais presídios o Brasil ia precisar exatamente no futuro.

    Então, está comprovado que quanto maior for a taxa de escolaridade, se caminha exatamente para quê? Para diminuir o quadro da violência.

    E nesse sentido, quero, enfim, aqui ressaltar que a principal medida macroeconômica do Governo Temer de congelar por 20 anos os gastos nas políticas sociais tem se revelado a principal causa do elevado índice de desemprego, contribuindo fortemente para o aumento da violência urbana e rural.

    Mais uma vez, volto aqui a enfatizar: ainda não foi inventada uma melhor forma de se enfrentar a problemática da violência do que a inclusão social com destaque para a inclusão educacional.

    E, neste aspecto aqui, quero, mais uma vez, chamar a atenção, infelizmente, sobre as consequências perversas dessa medida do Governo Temer, aprovada pela maioria dos que fazem o Congresso Nacional, a Emenda 95 – chamada de teto de gastos –, que congelou os gastos nas áreas sociais pelos próximos 20 anos. Inclusive, tirou o piso mínimo destinado à educação, luta histórica nossa, também suspendendo por 20 anos. E as consequências nós estamos vendo por aí se refletirem no chão das universidades, dos institutos federais, com o contingenciamento de recursos para a área da educação.

    Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco vem alertando que a exclusão e a desigualdade social provocarão a explosão da violência no mundo. Em seu primeiro grande documento, em 2013, ele já denunciou que o atual sistema econômico mundial é extremamente injusto e que ele mata!

    Diz o Santo Papa Francisco: "Acusamos os pobres da violência, mas, sem igualdade de oportunidades, as diferentes formas de agressão e de guerra encontrarão terreno fértil que, tarde ou cedo, provocará a explosão"– fecho aspas – disse o Santo Papa, sabiamente, na exortação traduzida para o português como "A Alegria do Evangelho".

    Portanto, eu quero aqui dizer, D. Aparecido, que parabenizamos a CNBB pela escolha de tema tão relevante. A CNBB também provoca o Congresso Nacional no sentido de nos convocar a congregar esforços para a construção de uma cultura da paz em nosso País. E isso só acontecerá quando percebermos que somos todos irmãos – como lembra o santo evangelho – e que juntos devemos lutar em defesa da democracia, das instituições democráticas, da inclusão social e econômica de toda a população, em defesa dos direitos humanos e contra toda e qualquer forma de discriminação, de intolerância, de ódio e de opressão.

    Além disso, diante da gravidade da situação que atinge – como disse aqui – não só o meu Estado, mas todo o País, temos o dever também de fazer daqui, do Parlamento, um espaço de reflexão aprofundada sobre a violência, para que nós possamos elaborar propostas que dialoguem com essa realidade. Propostas, inclusive, no campo da segurança pública, que venham rumo àquilo que o povo brasileiro mais sonha: uma segurança pública e cidadã.

    Ou seja, mais do que nunca entendo que o Congresso Nacional deve fazer esse debate com muita profundidade, muita seriedade, muita responsabilidade.

    Nós não precisamos aqui de propostas midiáticas. Nós precisamos de propostas, repito, eficazes, que dialoguem com o retrato do caos e da tragédia que é a falta de segurança pública hoje no nosso País, para que possamos apontar o remédio correto, os caminhos adequados.

    Aqui, por exemplo, cito, já nesse primeiro semestre, o debate que o Senado vem fazendo, em que inclusive conseguimos aprovar matérias importantes na área de segurança pública. Destaco aqui o PLS nº 32, de 2018, que obriga a instalação de bloqueadores de sinal de telefones celulares em penitenciárias e em presídios de todo o País. Isso já foi aprovado aqui pelo Senado. Destaco aqui também o PLS nº 90, de 2007, complementar – esse é fundamental, principalmente nesses tempos de Emenda nº 95, de congelamento dos gastos nas áreas sociais. Eu me refiro ao projeto de lei que proíbe o contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública. Há ainda o PLS nº 25, de 2014, que impede o contingenciamento de créditos orçamentários programados para o Fundo Penitenciário Nacional.

     Mas isso não é suficiente, Isabel, de maneira nenhuma. Temos que avançar. Por isso que quero aqui, neste momento, conclamar o Senado e o Congresso Nacional para avançarem no debate que considero fundamental, do ponto de vista de pensar e de implementar uma Política Nacional de Segurança Pública para o Brasil. Eu me refiro à necessidade aqui de avançar no debate do PLC nº 19, de 2018, que cria o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Nacional. Essa proposta, inclusive, já foi aprovada na Câmara dos Deputados e encontra-se aqui no Senado. Ela está, neste exato momento, na CCJ.

    Esse projeto fala por si só, pelo que ele significa do ponto de vista de pensar uma Política Nacional de Segurança Pública que, primeiro, responda um item fundamental, que é a necessidade de integração. Ou seja, através de um planejamento estratégico, haver ações articuladas entre todos os entes federados – um Plano Nacional dos Estados, dos Municípios, da sociedade civil e dos demais Poderes. Isso é fundamental. Repito: fundamental! É um passo imprescindível, porque nós não podemos mais conviver, de maneira nenhuma, com a falta de integração e de planejamento estratégico na área da segurança pública.

    Temos de trabalhar também ainda pela liberação dos recursos contingenciados, porque não adianta ter um bonito plano, um Sistema Único de Segurança Pública, e, de repente, os recursos ficarem aprisionados por conta do contingenciamento, inclusive, mais agravado ainda, repito, nesses tempos de emenda de teto de gastos.

    Então, quero aqui, portanto, mais uma vez, afirmar que é importante e imperativo assegurar a liberação dos recursos. É importante aqui a gente lutar pela reestruturação do sistema...

(Soa a campainha.)

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – ... penitenciário, pela valorização dos profissionais da segurança pública, pelo fim dos autos de resistência e por uma nova política de drogas, que leve em consideração o fracasso da guerra e o êxito de políticas que estão sendo experimentadas em vários países do mundo.

    Ademais, nós sabemos que também não vamos superar o triste estágio em que nos encontramos apenas investindo em segurança pública. É preciso investir também em educação, cultura, geração de emprego e renda, esporte e lazer, de modo a tornar a atividade criminosa menos atrativa para aqueles que olham para o futuro e não enxergam o direito de viver com dignidade.

    É por isso que, mais uma vez, aqui me somo aos que defendem a revogação da Emenda Constitucional 95, de 2016, pois ela representa uma violência contra o povo mais pobre do nosso País.

    Por fim, Senadora Regina, não poderia aqui deixar de – ao concluir meu pronunciamento nesta sessão solene, que trata exatamente da questão da violência – destacar a situação absurda e arbitrária que vive hoje o ex-Presidente Lula. O Presidente, inclusive, quando teve a oportunidade de governar este País, seguramente fez o governo que mais se voltou para combater a violência no País, porque fez um governo que governava para todos e todas. É inquestionável o olhar social que o governo do Presidente Lula teve, voltando-se exatamente para os mais humildes, para os mais sofridos, para os pequenos, como diz exatamente o nosso santo Evangelho.

    O Presidente Lula deu uma contribuição inestimável no combate às desigualdades sociais e econômicas – portanto, no combate à violência – quando passou para a história como o Presidente que mais investiu em educação, o Presidente que fez mais universidades, o Presidente que mais construiu escolas técnicas, o Presidente do Fundeb, a política de financiamento para olhar a educação básica como um todo, garantindo que o filho das famílias pobres deste País tivesse o direito ao estudo desde a creche até o chamado ensino médio, o Presidente que criou o piso salarial nacional para os profissionais da educação, hoje, infelizmente, ameaçado. Enfim, o Presidente que ficou reconhecido não só no Brasil – por isso, ele é tão amado –, mas internacionalmente, pelo mais importante legado que ele deixou, que foi o legado das políticas de inclusão social, que tiraram, inclusive, milhares de famílias da pobreza absoluta.

    Então, quero aqui dizer que é evidente que não poderia concluir este nosso pronunciamento sem destacar que o ex-Presidente Lula está preso injustamente. Faz exatamente um mês hoje. E, portanto, quero afirmar aqui que a prisão política do ex-Presidente Lula também é uma violência contra a democracia e contra a esperança do povo brasileiro.

    Também não poderia deixar de recordar, neste momento, o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes – assassinato brutal e covarde –, que continua, até o presente momento, impune, apesar da propagandeada intervenção militar lá no Rio de Janeiro.

    Aliás, a própria CNBB destacou – em carta recentemente publicada – que a controversa prisão do ex-Presidente Lula foi marcada por um processo caracterizado pela politização judicial. Por isso mesmo, seguiremos aqui sempre firmes, cobrando justiça e denunciando o avanço do Estado de exceção instalado em nosso País.

    Viva a Campanha da Fraternidade! Chega de violência e de medidas de exceção, o Brasil não conseguirá se reencontrar com a paz sem que se reencontre também com a democracia e com a soberania do voto popular.

    Viva a Campanha da Fraternidade! Chega de violência! (Palmas.)

    E Lula livre!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2018 - Página 9