Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão a respeito de artigo de autoria de S. Exª. publicado no jornal Folha de S. Paulo sobre o incêndio e o desabamento de edifício na região central de São Paulo.

Autor
Marta Suplicy (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE:
  • Reflexão a respeito de artigo de autoria de S. Exª. publicado no jornal Folha de S. Paulo sobre o incêndio e o desabamento de edifício na região central de São Paulo.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2018 - Página 23
Assunto
Outros > CALAMIDADE
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ORADOR, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ASSUNTO, INCENDIO, EDIFICIO, LOCAL, CIDADE, SÃO PAULO (SP), ANALISE, DEFICIT, HABITAÇÃO, BRASIL.

    A SRª MARTA SUPLICY (Bloco Maioria/PMDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – A Folha de S.Paulo publicou neste domingo um artigo que eu escrevi, cuja reflexão trago para este Plenário, que é um Plenário nacional, pois esse artigo diz respeito a minha cidade, São Paulo, mas ele fala sobre como podemos enfrentar o déficit de moradias nas grandes cidades brasileiras, que é um problema enorme para todas elas.

    Vamos à capital de São Paulo. Só na capital, há um déficit habitacional de 358 mil moradias. Então, cerca de 1,2 milhões de pessoas vivem na cidade de São Paulo de forma muito pobre, de forma muito precária. No Brasil, segundo dados do IBGE, são 6 milhões de pessoas, aliás, de famílias – muito mais gente do que pessoas –, aproximadamente 20 milhões de pessoas.

    Então, nós temos realmente um problema seríssimo de habitação no nosso País. Ao mesmo tempo, nós temos 7 milhões de imóveis que estão vazios. A gente percebe um enorme descompasso entre os imóveis vazios, que poderiam ser ocupados, que, por um motivo ou outro – mas geralmente, por especulação imobiliária –, estão lá vazios, e pessoas que não têm onde morar. Se você tem um imóvel vazio, e existe gente que não tem onde morar, é, como dois mais dois são quatro, que isso vai acontecer, que as pessoas vão ocupar esse imóvel vazio. É o que está acontecendo em São Paulo já há algum tempo.

    O incêndio, o desabamento, no Largo do Paissandu, revelou muito mais do que a falta de moradia digna e a especulação imobiliária no centro da maior capital do País. Acho que isso revelou uma falta, talvez, de foco, planejamento, porque há um trabalho muito grande a ser feito, que é liquidar com a questão do problema habitacional no centro da cidade de São Paulo.

    Para isso, é necessário um trabalho que tenha muito foco e ousadia, sabendo que é algo que vai iniciar-se, mas não vai acabar numa gestão, ou, no caso de São Paulo, nos últimos dois anos e meio da atual gestão, em que está o atual prefeito no lugar do ex-Prefeito Doria, que abandonou a cidade depois de um ano, sem nunca ter enfrentado esse problema da habitação.

    Agora, a questão de ter foco é fundamental, porque, se o prefeito tiver uma determinação de que vai começar a resolver esse problema, ele começará. E, sem começar, não vai haver jeito, porque são dois problemas grandes que eu vejo: um é a questão do centro da cidade, da habitação; e outro é a regularização fundiária, que é fora da cidade.

    A regularização fundiária é tão importante quanto, porque, quando a pessoa não aguenta mais morar nas franjas da cidade, o que em São Paulo, significa, se você mora em Parelheiros, duas hora e meia para se chegar ao centro, a pessoa acaba se mudando para o centro. No centro, mal ou bem, você arruma um prato de comida; você arruma um emprego informal; alguma coisa acontece.

    Mas, voltando à história do foco e da determinação, quero lembrar algumas cidades que realizaram esses "milagres" – entre aspas. Buenos Aires se renovou quando fez Puerto Madero, que era uma região que estava há cem anos abandonada, e, agora, não há um turista que não vá a Puerto Madero e se encante. Foi renovado completamente aquele lado da cidade. 

    Mas o exemplo mais emblemático, que pode ser inspirador, é o de Paris, porque Paris foi posta abaixo. Ela virou um verdadeiro canteiro de obras. Por 20 anos, Paris foi um canteiro de obras, graças a um visionário, o Prefeito Haussmann – foi de 1809 a 1891 o período em que ele viveu –, que fez a Cidade Luz.

    Então, alguém teve essa visão do que precisava ser feito, alguém se dedicou, e alguém foi tão determinado e tão ousado – porque precisa ter foco e precisa ter ousadia para fazer isso –, que conseguiu transformar Paris na cidade mais bonita do mundo.

    Bom, eu diria que foram processos diferentes, distantes do que estou aqui me atrevendo a formular, mas ilustram como as cidades são organismos vivos. E chega um momento em que o momento é aquele, que precisa de uma ação ousada de transformação, por uma situação que não dá mais para aguentar. Esse é o momento que chegou para a nossa cidade de São Paulo. São Paulo pode. E eu entendo que deve ser tudo repensado em relação à habitação, amplamente. O incêndio e o desabamento ocorridos no Largo do Paissandu revelam a situação de risco que vivem milhares de famílias.

    E eu, diferentemente de quem critica, acho que o prefeito tomou uma atitude correta de começar uma força tarefa para vistoriar os 70 prédios invadidos na nossa cidade. Eu sei que não é uma situação fácil, porque as pessoas que ali estão sabem do risco; elas estão ali porque não há outra possibilidade, elas estão desesperadas, a maioria não quer sair daquele lugar... Porém, o Poder Público não pode mais se omitir nessa situação.

    Isso não é abonar a ideia de que o culpado é a vítima e colocar essas pessoas para fora. Eu acho que tem que ser feito por etapas. Primeiro, nós temos que tornar mais seguros os prédios que estão invadidos. E nós não podemos tirar as pessoas, porque não há onde colocá-las. Quando vem essa história de bolsa aluguel... O primeiro projeto de bolsa aluguel em São Paulo foi meu, mas ele funciona um período. E, do jeito que está funcionando agora, é enxugar gelo. Você vai dar R$400 de bolsa aluguel para a pessoa ser vítima desses – que eu chamaria até de coiotes – que invadem o prédio. E ela vai pôr esses R$400 para morar exatamente num pardieiro que pode pegar fogo.

    Então, não adianta fazer bolsa aluguel. Tem que haver um investimento primeiro, enquanto a situação é tão ruim, precária e falida, para tornar aquele lugar que a pessoa está não um retrofit, que vai mudar tudo e ficar tudo limpinho, bonitinho e arrumado. Não. Isso vai ter que ser feito, mas de forma segura. Não podem existir aqueles gatos todos, tem que haver algumas aulas para as pessoas que moram ali, ensinando que não se pode pôr tomada com três encaixes – pois parece que foi isso que deu o curto-circuito em São Paulo: havia televisão, geladeira, três coisas que realmente deram um curto-circuito que pegou fogo.

    Então, tem que haver uma série de regras de convivência, e eu mesma fico assustada por falar isso, porque é regra de convivência num lugar que não deveria ter ninguém morando. Mas ou é isso ou é um fogo daqui a pouquinho e mais outro desabamento.

    Então, uma possibilidade mais civilizada, enquanto não se consegue pegar os prédios... Porque hoje já existe lei, já está tudo pronto: você pode desocupar prédios que deixaram de pagar imposto, desapropria... Já há vários, até, desapropriados, que já começam a ser invadidos, porque não ficam mais um minuto sem ter... A pessoa percebe que não há mais ninguém ali, e é muito pouco tempo para ele ser invadido rapidamente de novo.

    Então, aí nós temos que fazer o tal do retrofit, por meio de uma empresa de capital privado que faz a reforma, aluga o prédio para a prefeitura – um prédio decente, não é? –, e a prefeitura paga para essas pessoas a tal da bolsa aluguel, para elas terem condição de moradia ali. Subsistência.

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (Bloco Maioria/PMDB - SP) – E aí a prefeitura, aos poucos, vai conseguindo fazer esses retrofits em todos os prédios que estão abandonados.

    Acho que temos também que falar com o Banco Mundial e com outras instituições internacionais. Lembro que, quando prefeita, nós conseguimos uma verba enorme do BID – uma verba, então, internacional. Era para modernização do centro. Isso foi utilizado. Acho que nós podemos, também, agora, utilizar para habitação. Há muita coisa que tem que ser pensada.

    Agora, é muito importante também avaliar que, em uma cidade – e isso eu pude averiguar em muitas e muitas viagens –, o principal cartão-postal é o centro. Agora, o centro só é seguro se há um "mix" social, se há várias pessoas de classes sociais, que moram...

(Interrupção do som.)

    O SR. PRESIDENTE (Zeze Perrella. Bloco Maioria/PMDB - MG) – Um minutinho, Senadora. Estou enrolado aqui.

    A SRª MARTA SUPLICY (Bloco Maioria/PMDB - SP) – Foi bem? Obrigada.

    Ele vai apitar de novo. Se você puder dar mais uns três ou quatro, agradeço, porque aí apita menos.

    Uma cidade só é segura se ela fica acesa à noite, se ela funciona, se ela tem não importa o que funcionando, aberto, para onde as pessoas, então, possam se locomover. Em qualquer lugar do mundo é assim.

    Ao centro de São Paulo ninguém vai, à noite, de medo. É sujo, é perigoso...

    E isto é muito importante: que nós pensemos também não só numa intervenção pequena, focada, mas numa intervenção que, além de focada, pense no que é uma cidade moderna no mundo, em como ela tem que ser.

    E eu, aí, parto para a regularização fundiária, porque as pessoas moram, hoje, nas franjas da cidade de São Paulo.

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (Bloco Maioria/PMDB - SP) – Essas franjas da cidade são enormes.

    Há bairros na cidade de São Paulo que têm 600 mil habitantes, 500 mil habitantes. São bairros, regiões. E há regiões onde as pessoas moram sem esgoto, sem água, sem escola, sem asfalto, sem creche, sem nada – e sem emprego. Então, essas pessoas, depois de um tempo, se cansam de morar lá, porque não têm possibilidade de nada. Elas vão para o centro. E aí ocorre, Senador, o que ocorreu nesse prédio.

    E vai continuar ocorrendo, se nós não fizermos a regularização fundiária desses locais. Primeiro é a posse, porque, dando-se a posse do terreno, a pessoa já fica. E, depois, ir tornando o lugar civilizado, onde se possa ter esgoto...

    Digo isso, porque tenho visitado lugares, Senador, onde o córrego, quando há enchente, levanta, e as fezes invadem todas as casas em volta.

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (Bloco Maioria/PMDB - SP) – Isso, com criança, com rato... Não dá para viver assim.

    E eu tenho conversado aqui tanto, com os Senadores, que muitas vezes dizem, quando a gente briga por recurso para São Paulo: "Ah, mas São Paulo é rico." Bom, São Paulo é rico, mas São Paulo tem muita gente em extrema miséria e, talvez, se somar, mais do que em outros Estados, que têm menos gente, menos população – porque São Paulo atrai.

    Agora, eu gostaria de dizer que não adianta só pensar na regularização fundiária, sem pensar na questão do emprego, e o emprego tem que ser pensado de acordo com a vocação regional, a vocação daquela região. Então, tem que ser feito um estudo daquela região, tem que ser feito um estudo sobre as pessoas que moram naquela região, o nível de escolaridade, se tem ou não universidade naquela região, o nível de qualificação e o que tem que ser investido.

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (Bloco Maioria/PMDB - SP) – Nós temos CEUs em toda a cidade, nas franjas da cidade. Nós podemos investir em qualificação, e é função da prefeitura, neste momento – já o foi em vários momentos –, criar esses empregos, a partir da qualificação das pessoas.

    Então, o problema é muito grande, mas é um problema que temos que focar, ousar, ter determinação e começar, e a cidade de São Paulo precisa.

    Muito obrigada pela consideração, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2018 - Página 23