Pronunciamento de Ricardo Ferraço em 08/05/2018
Pela Liderança durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Comentários acerca de parecer favorável proferido por S. Exª. em projeto de lei que trata do trânsito em julgado em matéria penal.
- Autor
- Ricardo Ferraço (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
- Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Pela Liderança
- Resumo por assunto
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LEGISLAÇÃO PENAL:
- Comentários acerca de parecer favorável proferido por S. Exª. em projeto de lei que trata do trânsito em julgado em matéria penal.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/05/2018 - Página 33
- Assunto
- Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
- Indexação
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- COMENTARIO, ASSUNTO, PARECER FAVORAVEL, AUTORIA, ORADOR, PROPOSIÇÃO, OBJETO, DEFINIÇÃO, INICIO, TRANSITO EM JULGADO.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos que nos acompanham pela TV Senado, pelos meios de comunicação, ocupo a tribuna mais uma vez para chamar atenção para uma extraordinária oportunidade que tem o Senado da República de se afirmar diante da população brasileira, dando, a meu juízo, mais um importante passo no combate à impunidade.
Já entreguei à Comissão de Constituição e Justiça e está pautado para amanhã – é o item 7 da pauta daquela Comissão – o meu parecer favorável à proposta que define na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro o momento do trânsito em julgado em matéria penal, de autoria do eminente Senador Cássio Cunha Lima.
De forma preliminar, afasto a arguição de inconstitucionalidade por conflito à cláusula constitucional da presunção de inocência. Muito embora o inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal refira-se ao trânsito em julgado para o limite da presunção de inocência, não há qualquer norma, seja constitucional, seja infraconstitucional, que traga uma definição exata para a expressão "trânsito em julgado", deixando o seu conceito para os doutrinadores, que acabam recorrendo a outros ordenamentos jurídicos para explicar o significado e o alcance, a extensão de tal instituto processual. Pela doutrina processual brasileira tradicional, a sentença transitada em julgado é justamente aquela contra a qual não cabe mais nenhum recurso, seja ordinário, seja extraordinário.
Já o Código de Processo Civil português, a que muitos recorrem pela origem da sua doutrina, considera transitada em julgado a decisão que não seja mais suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
A proposta do Senador Cássio Cunha Lima estabelece que o trânsito em julgado em matéria penal ocorre com o exaurimento das instâncias ordinárias, portanto, em primeira e segunda instância.
É importante observar que, na democracia, o trânsito em julgado da decisão jurisdicional não pode ter relação exclusiva com a preclusão ou com o exaurimento dos poderes, faculdades e deveres das partes no processo. É necessário superar tal conceito para se entender a expressão "trânsito em julgado" no paradigma democrático.
No Estado democrático de direito, em que se procuram harmonizar as garantias individuais com a garantia difusa da segurança jurídica – aquela que, a meu juízo, é a norma das normas –, importa, para definição do trânsito em julgado, saber se a decisão jurisdicional encontra legitimidade na base produtiva e fiscalizadora do processo. Só podem transitar em julgado as decisões que encontram legitimidade, portanto, em sua formação.
Decisão jurisdicional transitada em julgado, no paradigma democrático, significa a impossibilidade de retratação ou modificação da decisão judicial, tendo em vista que o Judiciário já fixou o seu entendimento de mérito, considerando-se os temas de direito e de fato, e – uma vez que tal decisão se formou mediante um procedimento em contraditório – possibilitou às partes o debate sobre as questões de fato e de direito envolvidas no litigio.
Tratamos, portanto, de conceitos doutrinários, trânsito em julgado, coisa julgada que compõe o princípio, a garantia constitucional do trânsito ou da presunção de inocência.
Ora, nenhum princípio constitucional pode ser interpretado de forma isolada, estanque. Não pode prevalecer de forma integral e absoluta sobre outro princípio aparentemente conflitante. Do mesmo modo, a interpretação constitucional não pode ter como consequência a ineficácia de todo um sistema penal legal. É a isso que a interpretação literal do inciso LVII do art. 5º conduz, ou seja, à perda da efetividade do sistema legal penal das normas penais incriminadoras.
Nós não inventamos a roda, tampouco a presunção de inocência como garantia ao direito à liberdade, que não está vinculada, no direito comparado, conceitualmente ao esgotamento de todas as instâncias judiciais, Senador Valadares.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da França, de 1789, consagrou a presunção de inocência, que condiciona toda condenação à existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de processo legal, devendo o Estado comprovar a culpabilidade do réu, que é presumido, por certo, inocente.
Dos países que compõem a Comissão de Veneza – que reúne representantes de supremas cortes de 56 países de todo o mundo, de 56 países que compõem a Comissão de Veneza das supremas cortes –, apenas o Brasil apresenta quatro instâncias diversas de julgamento de um processo individual. Na maioria deles, os processos são submetidos à apreciação do juiz de primeiro grau, com possibilidade de apenas um recurso.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe, em seu art. 11, que – aspas:
Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
Como vemos, portanto, nas democracias mais consolidadas e com sistemas judiciais ciosos da defesa, intransigente, dos direitos humanos, a presunção de inocência é direito fundamental e compatibilizado, portanto, com o direito à segurança jurídica e à efetividade das decisões judiciais.
Respeita-se, portanto, a presunção de inocência, quando o ônus da prova pertencer à acusação, sem que se possa exigir da defesa a produção de provas referentes a fatos negativos; por exemplo, quando a colheita de provas for realizada perante o órgão judicial competente, mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa; e quando houver absoluta independência funcional do juízo natural na valoração livre das provas, portanto, em primeira e em segunda instâncias.
O sistema organizacional, funcional da Justiça penal, estabelecido pela Constituição, em respeito à presunção de inocência, garantiu cognição plena aos juízes e tribunais de segundo grau, ou seja, a competência para analisar o conjunto probatório e decidir o mérito das ações, afastando a não culpabilidade do réu e lhe impondo sanções, mediante decisão escrita e naturalmente fundamentada.
Aliás, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o nosso sistema penal, considerando a edição do Código de Processo Penal em 1941 até 2018, portanto 77 anos decorridos, por 70 anos operou com a possibilidade da execução da pena após a sua confirmação em segunda instância, ainda que provisória, e apenas por sete anos, no período de 2009 a 2016, conviveu com a exigência do exaurimento de todas as quatro instâncias.
Nesse período de 77 anos, ou seja, no período da Constituição...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – Sr. Presidente, eu queria pedir...
Sr. Presidente...
Sr. Presidente, eu queria solicitar a V. Exª pelo menos mais cinco minutos, para que eu pudesse concluir aqui o meu roteiro. E aí, V. Exª, por certo, dará a palavra a outros Senadores.
Eu agradeço a condescendência e a gentileza de V. Exª pelo tempo.
Muito obrigado a V. Exª.
Dos 34 Ministros que compuseram a Suprema Corte brasileira, o nosso Supremo Tribunal Federal, desde que, pela primeira vez, nós consignamos na Carta constitucional o trânsito em julgado, desses 34 Ministros, 25 entenderam que o que vale é a prisão por condenação penal provisória em segunda instância. Apenas 9 entenderam o contrário.
Portanto, isso está assentado, quando nós consideramos a trajetória dessa que me parece ser uma decisão absolutamente necessária no combate à impunidade em nosso País.
Por certo, a condenação provisória em segunda instância, aliada à decisão de nós eliminarmos o foro privilegiado, são dois passos muito importantes nessa direção.
Ora, Sr. Presidente, não é razoável que o estabelecimento do princípio da presunção de inocência acarrete a não efetividade de decisões judiciais que tenham sido estabilizadas com a confirmação do princípio do duplo grau de jurisdição, esgotada a fase cognitiva da apuração da culpabilidade e da materialidade delitiva, portanto, em procedimento judicial que tenha observado, por certo, o contraditório e a ampla defesa.
Apenas às instâncias ordinárias, onde a cognição é plena, é dado o exame das provas; as instâncias extraordinárias, de cognição limitada, se restringem a matéria de direito. Daí que, formada a culpa, esgotados os recursos nas instâncias ordinárias, não há mais que se falar em presunção de inocência, permitindo-se, portanto, o início do cumprimento da pena imposta.
Este princípio – o do duplo grau de jurisdição –, mais do que o preceito vago do "trânsito em julgado", é indispensável à efetividade e, portanto, à garantia da presunção de inocência.
É indiscutível a importância da garantia constitucional da presunção da inocência, que protege as pessoas, os indivíduos, contra os abusos autoritários. Em nossa ordem constitucional veio nesse propósito, no propósito constituinte de virar a página do autoritarismo que marcou nossa história, até porque a nossa Constituição nasce em 1988, após 21 anos de regime de exceção e de medidas violentas, que subtraíram direitos fundamentais por atos institucionais que chegaram até mesmo a fechar o funcionamento do Parlamento brasileiro.
Por certo, Sr. Presidente, quero crer que amanhã nós estaremos fazendo um debate com muito mais profundidade, da Comissão de Constituição e Justiça, acerca dessa iniciativa do Senador Cássio Cunha Lima, para a qual fui designado relator, e, portanto, dou aqui um sobrevoo sobre aquilo que considero a consistência e o fundamento necessário para que o Senado possa avançar nessa direção.
Uma solução simples, uma solução constitucional, que colocará, seguramente, o Senado em linha com um duro golpe na impunidade que anda grassando em nosso País, em função da prescrição, em função dos recursos judiciais...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ... que não têm limite, que não têm fim e que, por via de regra, não de exceção, a partir da prescrição, estão potencializando a impunidade em nosso País.
Portanto, eu faço aqui uma manifestação de enorme otimismo, a fim de que nós possamos fazer esse debate na Comissão de Constituição e Justiça e, ato contínuo, possamos deliberar no plenário da Casa, oferecendo uma resposta constitucional a essa que é uma extraordinária demanda da sociedade brasileira.
Muito obrigado a V. Exª pela delicadeza e pela condescendência do tempo, para que eu pudesse concluir aqui a manifestação.
Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.