Pela Liderança durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca de parecer favorável proferido por S. Exª. em projeto de lei que trata do trânsito em julgado em matéria penal.

Autor
Ricardo Ferraço (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Comentários acerca de parecer favorável proferido por S. Exª. em projeto de lei que trata do trânsito em julgado em matéria penal.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2018 - Página 33
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, PARECER FAVORAVEL, AUTORIA, ORADOR, PROPOSIÇÃO, OBJETO, DEFINIÇÃO, INICIO, TRANSITO EM JULGADO.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Obrigado, Sr. Presidente.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos que nos acompanham pela TV Senado, pelos meios de comunicação, ocupo a tribuna mais uma vez para chamar atenção para uma extraordinária oportunidade que tem o Senado da República de se afirmar diante da população brasileira, dando, a meu juízo, mais um importante passo no combate à impunidade.

    Já entreguei à Comissão de Constituição e Justiça e está pautado para amanhã – é o item 7 da pauta daquela Comissão – o meu parecer favorável à proposta que define na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro o momento do trânsito em julgado em matéria penal, de autoria do eminente Senador Cássio Cunha Lima.

    De forma preliminar, afasto a arguição de inconstitucionalidade por conflito à cláusula constitucional da presunção de inocência. Muito embora o inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal refira-se ao trânsito em julgado para o limite da presunção de inocência, não há qualquer norma, seja constitucional, seja infraconstitucional, que traga uma definição exata para a expressão "trânsito em julgado", deixando o seu conceito para os doutrinadores, que acabam recorrendo a outros ordenamentos jurídicos para explicar o significado e o alcance, a extensão de tal instituto processual. Pela doutrina processual brasileira tradicional, a sentença transitada em julgado é justamente aquela contra a qual não cabe mais nenhum recurso, seja ordinário, seja extraordinário.

    Já o Código de Processo Civil português, a que muitos recorrem pela origem da sua doutrina, considera transitada em julgado a decisão que não seja mais suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.

    A proposta do Senador Cássio Cunha Lima estabelece que o trânsito em julgado em matéria penal ocorre com o exaurimento das instâncias ordinárias, portanto, em primeira e segunda instância.

    É importante observar que, na democracia, o trânsito em julgado da decisão jurisdicional não pode ter relação exclusiva com a preclusão ou com o exaurimento dos poderes, faculdades e deveres das partes no processo. É necessário superar tal conceito para se entender a expressão "trânsito em julgado" no paradigma democrático.

    No Estado democrático de direito, em que se procuram harmonizar as garantias individuais com a garantia difusa da segurança jurídica – aquela que, a meu juízo, é a norma das normas –, importa, para definição do trânsito em julgado, saber se a decisão jurisdicional encontra legitimidade na base produtiva e fiscalizadora do processo. Só podem transitar em julgado as decisões que encontram legitimidade, portanto, em sua formação.

    Decisão jurisdicional transitada em julgado, no paradigma democrático, significa a impossibilidade de retratação ou modificação da decisão judicial, tendo em vista que o Judiciário já fixou o seu entendimento de mérito, considerando-se os temas de direito e de fato, e – uma vez que tal decisão se formou mediante um procedimento em contraditório – possibilitou às partes o debate sobre as questões de fato e de direito envolvidas no litigio.

    Tratamos, portanto, de conceitos doutrinários, trânsito em julgado, coisa julgada que compõe o princípio, a garantia constitucional do trânsito ou da presunção de inocência.

    Ora, nenhum princípio constitucional pode ser interpretado de forma isolada, estanque. Não pode prevalecer de forma integral e absoluta sobre outro princípio aparentemente conflitante. Do mesmo modo, a interpretação constitucional não pode ter como consequência a ineficácia de todo um sistema penal legal. É a isso que a interpretação literal do inciso LVII do art. 5º conduz, ou seja, à perda da efetividade do sistema legal penal das normas penais incriminadoras.

    Nós não inventamos a roda, tampouco a presunção de inocência como garantia ao direito à liberdade, que não está vinculada, no direito comparado, conceitualmente ao esgotamento de todas as instâncias judiciais, Senador Valadares.

    A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da França, de 1789, consagrou a presunção de inocência, que condiciona toda condenação à existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de processo legal, devendo o Estado comprovar a culpabilidade do réu, que é presumido, por certo, inocente.

    Dos países que compõem a Comissão de Veneza – que reúne representantes de supremas cortes de 56 países de todo o mundo, de 56 países que compõem a Comissão de Veneza das supremas cortes –, apenas o Brasil apresenta quatro instâncias diversas de julgamento de um processo individual. Na maioria deles, os processos são submetidos à apreciação do juiz de primeiro grau, com possibilidade de apenas um recurso.

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe, em seu art. 11, que – aspas:

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

    Como vemos, portanto, nas democracias mais consolidadas e com sistemas judiciais ciosos da defesa, intransigente, dos direitos humanos, a presunção de inocência é direito fundamental e compatibilizado, portanto, com o direito à segurança jurídica e à efetividade das decisões judiciais.

    Respeita-se, portanto, a presunção de inocência, quando o ônus da prova pertencer à acusação, sem que se possa exigir da defesa a produção de provas referentes a fatos negativos; por exemplo, quando a colheita de provas for realizada perante o órgão judicial competente, mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa; e quando houver absoluta independência funcional do juízo natural na valoração livre das provas, portanto, em primeira e em segunda instâncias.

    O sistema organizacional, funcional da Justiça penal, estabelecido pela Constituição, em respeito à presunção de inocência, garantiu cognição plena aos juízes e tribunais de segundo grau, ou seja, a competência para analisar o conjunto probatório e decidir o mérito das ações, afastando a não culpabilidade do réu e lhe impondo sanções, mediante decisão escrita e naturalmente fundamentada.

    Aliás, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o nosso sistema penal, considerando a edição do Código de Processo Penal em 1941 até 2018, portanto 77 anos decorridos, por 70 anos operou com a possibilidade da execução da pena após a sua confirmação em segunda instância, ainda que provisória, e apenas por sete anos, no período de 2009 a 2016, conviveu com a exigência do exaurimento de todas as quatro instâncias.

    Nesse período de 77 anos, ou seja, no período da Constituição...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – Sr. Presidente, eu queria pedir...

    Sr. Presidente...

    Sr. Presidente, eu queria solicitar a V. Exª pelo menos mais cinco minutos, para que eu pudesse concluir aqui o meu roteiro. E aí, V. Exª, por certo, dará a palavra a outros Senadores.

    Eu agradeço a condescendência e a gentileza de V. Exª pelo tempo.

    Muito obrigado a V. Exª.

    Dos 34 Ministros que compuseram a Suprema Corte brasileira, o nosso Supremo Tribunal Federal, desde que, pela primeira vez, nós consignamos na Carta constitucional o trânsito em julgado, desses 34 Ministros, 25 entenderam que o que vale é a prisão por condenação penal provisória em segunda instância. Apenas 9 entenderam o contrário.

    Portanto, isso está assentado, quando nós consideramos a trajetória dessa que me parece ser uma decisão absolutamente necessária no combate à impunidade em nosso País.

    Por certo, a condenação provisória em segunda instância, aliada à decisão de nós eliminarmos o foro privilegiado, são dois passos muito importantes nessa direção.

    Ora, Sr. Presidente, não é razoável que o estabelecimento do princípio da presunção de inocência acarrete a não efetividade de decisões judiciais que tenham sido estabilizadas com a confirmação do princípio do duplo grau de jurisdição, esgotada a fase cognitiva da apuração da culpabilidade e da materialidade delitiva, portanto, em procedimento judicial que tenha observado, por certo, o contraditório e a ampla defesa.

    Apenas às instâncias ordinárias, onde a cognição é plena, é dado o exame das provas; as instâncias extraordinárias, de cognição limitada, se restringem a matéria de direito. Daí que, formada a culpa, esgotados os recursos nas instâncias ordinárias, não há mais que se falar em presunção de inocência, permitindo-se, portanto, o início do cumprimento da pena imposta.

    Este princípio – o do duplo grau de jurisdição –, mais do que o preceito vago do "trânsito em julgado", é indispensável à efetividade e, portanto, à garantia da presunção de inocência.

    É indiscutível a importância da garantia constitucional da presunção da inocência, que protege as pessoas, os indivíduos, contra os abusos autoritários. Em nossa ordem constitucional veio nesse propósito, no propósito constituinte de virar a página do autoritarismo que marcou nossa história, até porque a nossa Constituição nasce em 1988, após 21 anos de regime de exceção e de medidas violentas, que subtraíram direitos fundamentais por atos institucionais que chegaram até mesmo a fechar o funcionamento do Parlamento brasileiro.

    Por certo, Sr. Presidente, quero crer que amanhã nós estaremos fazendo um debate com muito mais profundidade, da Comissão de Constituição e Justiça, acerca dessa iniciativa do Senador Cássio Cunha Lima, para a qual fui designado relator, e, portanto, dou aqui um sobrevoo sobre aquilo que considero a consistência e o fundamento necessário para que o Senado possa avançar nessa direção.

    Uma solução simples, uma solução constitucional, que colocará, seguramente, o Senado em linha com um duro golpe na impunidade que anda grassando em nosso País, em função da prescrição, em função dos recursos judiciais...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ... que não têm limite, que não têm fim e que, por via de regra, não de exceção, a partir da prescrição, estão potencializando a impunidade em nosso País.

    Portanto, eu faço aqui uma manifestação de enorme otimismo, a fim de que nós possamos fazer esse debate na Comissão de Constituição e Justiça e, ato contínuo, possamos deliberar no plenário da Casa, oferecendo uma resposta constitucional a essa que é uma extraordinária demanda da sociedade brasileira.

    Muito obrigado a V. Exª pela delicadeza e pela condescendência do tempo, para que eu pudesse concluir aqui a manifestação.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2018 - Página 33