Discurso durante a 65ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão de debates temáticos destinada a discutir o tema "A paz no processo eleitoral".

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS:
  • Sessão de debates temáticos destinada a discutir o tema "A paz no processo eleitoral".
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2018 - Página 25
Assunto
Outros > ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS
Indexação
  • SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, DESTINAÇÃO, DISCUSSÃO, PAZ, PROCESSO ELEITORAL.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Bom dia a cada uma e a cada um dos presentes.

    Eu quero cumprimentar o Senador Dário Berger e agradecer que tenha assumido a Presidência, porque eu não estava aqui para receber todos no início, por ser relator de um projeto de lei que considero importante, relacionado ao tabagismo – contra, obviamente –, e eu não queria perder a chance de estar presente.

    O Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Admar Gonzaga, muito nos orgulha em estar aqui. Eu tive a satisfação de conversar com ele logo que ele chegou, antes da abertura dos trabalhos.

    Quero agradecer muito a Michele Gonçalves dos Ramos, que sempre está presente quando a gente quer ouvir uma palavra de alguém que entenda de segurança pública e justiça com uma visão humanista.

    Obviamente agradeço também ao Tibério Canuto, velho conhecido, e ao Sakamoto, que hoje em dia é mais conhecido no Brasil do que a imensa maioria dos jornalistas. Eu sou um seguidor dele. Eu agradeço muito que ele tenha encontrado tempo de estar aqui.

    Senador Dário, eu quero começar dizendo o que falei aqui, quando o senhor presidia uma sessão ordinária do Senado, que esse assunto surgiu em função, especificamente, dos tiros na caravana do ex-Presidente Lula. Aquele foi o ponto que me levou a provocar esta reunião.

    Tínhamos tanta razão que, depois disso, houve tiros no acampamento de militantes do Partido dos Trabalhadores que estão próximos à Polícia Federal, em Curitiba. Mas não foi só isso. Ao longo dos meses por aí, uma radicalização do processo político e uma sectarização de todos os lados têm-nos feito despertar para a necessidade de dizermos que democracia não rima com armas. Democracia rima com urnas! (Palmas.)

    São absolutamente diferentes as duas coisas. Não há como fazermos democracia com armas, salvo usando essa palavra metaforicamente no sentido de diálogo e lei. Essas são as duas únicas armas que, metaforicamente, podem ser usadas na democracia. O certo seria chamá-las de ferramentas, e não de armas, mas pode haver uma liberdade poética para chamar "diálogo e lei" de instrumentos da democracia – e, é claro, leis dentro de seus limites.

    Concordo plenamente com o Prof. Sakamoto que não adianta querer usar a lei para proibir coisas que são impossíveis de serem proibidas. A proibição, se fosse possível, seria censura – estou de acordo com ele – e impediria o próprio diálogo. O diálogo tem que estar aberto para ouvir aquilo de que a gente não gosta, inclusive mentiras, mas é preciso que tentemos entender os limites do diálogo, não pela lei, mas pelo comportamento, sem precisar tentar leis, Deputado Izalci.

    Eu creio que, como limites do diálogo, a gente precisa, primeiro, assumir que vamos usar a voz, e não as mãos, ainda menos com instrumentos de violência. É a voz que faz a democracia; não são as mãos, nem para bater, nem para empurrar, nem para puxar gatilho. É a voz que é a ferramenta do diálogo. Este é um ponto que a gente tem que assumir entre nós: vamos usar a voz. Obviamente, o direito de falar é absoluto, com a obrigação de ouvir também.

    Se a gente diz que a voz é a primeira, eu diria que a segunda é a verdade. É a verdade que é a segunda ferramenta dentro da ferramenta "diálogo". Diálogo com voz, não com murros, não com mãos; só a verdade. Mas é impossível proibir o uso do canhão da mentira. É impossível! Também é impossível impedir o uso de palavrões, xingamentos, o que é diferente de adjetivos de que a gente pode não gostar, mas que fazem parte do jogo democrático. Faz parte do jogo democrático você chamar alguém de ditador, de corrupto, de golpista. São adjetivos. Temos que nos acostumar.

    Eu dizia há pouco ao amigo Wilon que eu, hoje em dia, fazendo política, tenho medo de gostar e virar masoquista, de gostar de sofrer, de gostar de apanhar e ficar masoquista. É um perigo hoje dos políticos.

    E um perigo do Brasil é que aqueles que não ficarem masoquistas vão embora, saiam da política, cansem. Nós temos o perigo de cansar; nós temos o perigo de gostar. Temos que enfrentar em vez de gostar. Mas é preciso...

    E este é o problema do palavrão, do xingamento: é porque o xingamento impede a escuta. Se alguém o acusa com xingamento, mas para e ouve, para você dizer: "Olha, cara, não é bem assim, a minha mãe era uma pessoa séria..." Aí, você corrige o xingamento. O problema é que o xingamento não permite o ouvido, ele só permite a voz. Por isso, é ruim, além de ser falta de elegância, e eu creio que o processo democrático tem, sim, um conteúdo coreográfico, que é a elegância como é feita. A violência não é bonita.

    Já tentaram fazer no cinema cenas de violência bonitas, colocando Beethoven no fundo. Aí, você ouvia a música, me lembro bem de um filme, Laranja Mecânica, em que você ouvia Beethoven, e o cara dava chutes no outro, e você não desligava, nem fechava os olhos. Mas isso é um truque cinematográfico que não dá para usar na vida real. Na vida real, a falta de elegância dificulta o bom funcionamento da democracia.

    A democracia tem uma característica coreográfica, tem uma beleza. Não só tem ética, tem que ter uma estética, e a estética da democracia não convive com a violência, seja dos xingamentos, seja dos murros, seja dos empurrões ou aquilo que vem depois disso, que são os tiros ou as pauladas. A grosseria é a véspera das pauladas; as pauladas são a véspera dos tiros.

    Por isso, eu creio que este encontro foi feito aqui, graças ao Senador Dário, que aceitou e estava presidindo, querendo construir uma espécie de movimento natural não organizado pela paz nas eleições. Como fazer isso? Repercutindo isso que a gente está fazendo aqui, outros falando isso que a gente está fazendo aqui, sem querer tolher a liberdade da palavra, mas exigindo a obrigação de ouvir a resposta de quem foi, por exemplo, agredido. E aí eu acho errado o xingamento escondido, o xingamento distante, o xingamento corrido. Senta e discute, ouve o outro.

    Mas para não dizerem que eu fiquei na generalidade, eu quero fazer uma proposta aqui, Senador Dário, e não é para nós, Ministro. É para os candidatos a Presidente do Brasil. Para mim, uma das causas da violência hoje, dos xingamentos, é a falta de programa por parte dos candidatos a Presidente. (Palmas.)

    Na hora em que eles começarem a apresentar seus programas, a gente vai debater os programas deles, em vez de falar mal deles. Mas que programas a gente tem hoje? Eu não estou vendo. É um apelo que eu faço aos candidatos. Faltam menos de cinco meses para o dia da eleição. Que comecem a divulgar suas propostas, suas propostas para a segurança.

    Aliás, essa é a única coisa que há um que anda falando; mas ele está propondo algo que a gente sabe que é demagogia ou é de uma maldade nazista, que é sair matando quem ele definir como bandido. (Palmas.)

    Ou seja, essa proposta nos leva a discutir isso. Faltam as outras propostas, para a segurança, para a saúde.

    Como vamos criar emprego? Eu tenho escutado alguém falar em distribuição de renda, mas não diz como. Então, não é programa de governo. Para mim, só há um jeito: a escola do filho do trabalhador ser tão boa quanto a escola do filho do patrão. Aí, a renda vai ser distribuída conforme o talento. Aí, não vai haver igualdade plena.

    Eu até chamo, Dário, de concentração Neymar essa concentração de renda. Eu nunca vi ninguém reclamar que Neymar ganha mais do que todos nós juntos aqui durante um ano. Ninguém reclama, porque ele ganha isso pelo talento, não porque explorou ninguém, não porque herdou de ninguém. Ele tem um talento que nós aqui não tivemos, porque a bola com que ele jogou era tão redonda quanto a bola com que nós jogamos. Nós não tivemos o talento, nem a persistência, nem a vocação. Por isso, respeitamos essa desigualdade, desigualdade do talento.

    Para isso a bola tem de ser redonda para todos que querem ser grandes jogadores. E a escola tem de ser igual para todos, para que desenvolvam o seu talento. (Palmas.)

    Sem educação, não há talento. O Neymar teve a educação de futebolista. Para ser bailarina, como essa moça que nos falou, é preciso haver escola de balé. Para escrever, para falar, para tudo.

    Pois bem, eu quero aqui deixar, Dário, como uma cobrança aos candidatos a Presidente – e há muitos: cadê seus programas? Em vez de ficarmos nos xingando, poderíamos começar a debater as ideias. Palavra que não havia sido dita ainda: ideias. (Palmas.)

    Eu falei que as armas são o diálogo e as leis. Essas duas coisas. Não pode haver democracia sem lei e sem diálogo. E as ideias estão dentro do diálogo, porque diálogo sem leis vira reza, vira coisas de cada um com a sua crença. Não é uma questão de crença. É uma questão de opção. Eleição não é uma questão de crença. E esse é um perigo também, porque fica perto de seita. Eleição é uma questão de escolha. E, para haver escolha, há que haver programas, propostas, diferenças entre os candidatos, não pelas siglas, porque houve um tempo em que as siglas bastavam para dizer o que o candidato pensava. Hoje, a sigla não basta para dizer o que o candidato pensa e, pior ainda, não basta para dizer o que o candidato não pensa.

    Então, fica aqui, Senador Dário, esta última ideia: que os candidatos digam por que são candidatos, que tragam as suas propostas e nos levem a dialogar, dentro da lei, em função do que eles propõem, e não em função do que eles foram, do que eles fizeram, do que eles disseram, ou de qual é a sigla a que cada um deles pertence.

    Era o que eu tinha a dizer, agradecendo-lhe muito não apenas porque tenha aceitado a minha sugestão naquele momento como porque tenha começado este encontro sem a minha presença, ocupado em outro projeto.

    Muito obrigado a cada um e a cada uma.

    Eu creio que, daqui, podemos começar a fazer esse movimento pela paz nas eleições, sem a qual não há eleições.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2018 - Página 25