Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque para a questão da escravidão moderna.

Autor
Paulo Rocha (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Paulo Roberto Galvão da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Destaque para a questão da escravidão moderna.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2018 - Página 29
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • ANALISE, TRABALHO, ESCRAVATURA, VIDA, MODERNIZAÇÃO.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu li em uma nota que saiu na revista CartaCapital, de 16 de maio, "O Blefe da Abolição":

A abolição da escravatura no Brasil é festejada em 13 de maio. Iniciada com a Lei Eusébio de Queirós, de 1850, só muito depois foi seguida pela Lei do Ventre Livre, de 1871, e, posteriormente, pela Lei dos Sexagenários, de 1881, que desembocou na Lei Áurea, de 1888.

Enfim, nasceu a esperança da liberdade. A escravidão, entretanto, não chegou ao fim. Desde então tem sido impedida, entre outras coisas, por um preconceito dissimulado.

Joaquim Nabuco, que não se satisfez com o abolicionismo oficial, percebeu o problema e alertou: "Entre o passado e o futuro desdobra-se [...] um longo e penoso deserto moral [...] em que a nossa alma tem que se educar a si própria, em que a grande, a maior de todas as reformas sociais – a reforma de nós mesmos – [...]".

Nabuco, dez anos depois, retornou ao problema e fez outro alerta mais assustador: "A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil".

Não deu outra, a realidade atropelou o decreto da abolição assinado há cerca de 130 anos pela Princesa Isabel.

    Hoje subo a esta tribuna para refletir e tratar de um tema que se manifesta cotidianamente na vida do povo pobre brasileiro: a escravidão moderna.

    A Lei Áurea, que promoveu a abolição da escravidão no Brasil em 1988, chegou aos 130 anos neste domingo. A data não é comemorada pelo movimento dos trabalhadores e muito menos pelo movimento negro, por uma razão determinante: o tratamento dispensado às pessoas que se tornaram ex-escravas no País, tratamento indigno com os que foram alforriados. Naquele momento faltou criar as condições para que a população negra pudesse ter inserção digna na sociedade brasileira.

    Os senhores de engenho foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertados, e o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição não assumiram os encargos necessários para realocação de tamanha mão de obra, nem ao menos para prepará-los para sua nova condição laboral; não estabeleceram políticas que assegurassem recursos mínimos à sua sobrevivência.

    Quais recursos? No mínimo, deveriam ter tido acesso à terra e a financiamento para seu manuseio. O acesso à terra, importante e vital para que as famílias iniciassem uma nova vida, não foi concedido aos negros.

    É público e notório que, nesse período, os escravos perdiam a sua condição e dignidade humana. Eram tratados como coisa, objeto ou animal, sendo comprados, vendidos e até mesmo trocados por outros bens materiais. Além dos trabalhos forçados, os escravos eram submetidos às mais variadas humilhações e métodos de violência.

    Depois de mais um século após a abolição oficial da escravatura, vivemos hoje próximos à escravidão moderna. Vários trabalhadores vivem em condições análogas às do escravo de antigamente.

    Ano passado houve a aprovação vergonhosa da lei que tomou o número 13.467, de 2017, denominada reforma trabalhista. Na prática, é um conjunto amplo de alterações da Consolidação das Leis do Trabalho, que traz sérios prejuízos aos trabalhadores, incluindo graves violações à Constituição brasileira, isso sem contar a forma arbitrária e antidemocrática ocorrida na própria elaboração da reforma, sem discussão popular.

    Essa reforma trabalhista, à qual nos opomos veementemente, além de favorecer enorme desigualdade entre os negros e os brancos, retrocede na luta civilizatória.

    Nos governos Lula, medidas anteriores foram mantidas e aprimoradas e novas iniciativas foram criadas, a exemplo da lista suja do trabalho escravo, inaugurada em 2003, que expõe ao público as empresas responsáveis pela escravidão moderna e ainda as impede de obter empréstimos em bancos públicos.

    Nesse período, cerca de 50 mil trabalhadores foram resgatados das condições análogas à escravidão.

    Em geral, as vítimas têm um perfil de vulnerabilidade. São homens, jovens, de baixa escolaridade, analfabetos, moradores de bolsões de pobreza, principalmente do Norte e do Nordeste. Em Minas Gerais, também se encontram os grupos remanescentes.

    Mais da metade dos casos, 52%, foram detectados na minha região, a região amazônica, área de difícil acesso à fiscalização, onde muitos crimes se entrelaçam. Os setores do grande agronegócio, em especial a pecuária, são os que mais praticam esse tipo de crime, mas também encontramos essa infração nas atividades urbanas, como na construção civil e na indústria têxtil.

    O Governo Lula se notabilizou no combate às formas modernas de escravidão, como o engajamento de vários segmentos organizados da sociedade, inclusive com a legislação de minha autoria, a Emenda Constitucional de nº 81, que tipifica e define as formas e tratamentos análogos à condição de trabalho escravo, a exemplo da expropriação das terras, que praticam esse tipo de crime hediondo.

    Em maio de 2014, quando aprovamos a emenda constitucional, após anos de tramitação, desde 1995, época em que era Deputado Federal, e o trabalho escravo era considerado como coisa inexistente no País – vejam só que absurdo, senhores e senhoras –, apresentei a proposta, naquela época, para expropriar terras nas quais fossem constatadas a prática da escravidão. 

    Com a aprovação da legislação, os flagrantes de trabalho escravo foram passíveis de serem punidos, também graças à atuação conjunta entre Estado, ONGs e o Ministério Público do Trabalho, que conseguiu fazer do País uma referência no combate a essa infração hedionda aos direitos humanos.

    O golpe parlamentar jurídico e midiático de agosto de 2016 estabeleceu como prioridade a legalização da terceirização em todas as atividades de uma empresa. Essa reforma causou preocupação nas organizações que lutam contra a escravidão moderna, pois, conforme dados do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho, 90% dos trabalhadores resgatados de situações análogas de escravidão são terceirizados.

    Em outubro de 2017, o Governo ilegítimo foi atrás de dois dos principais pilares de combate à escravidão moderna: a definição do que é trabalho escravo e a lista suja dos empregadores.

    Em uma portaria então assinada pelo Ministro do Trabalho...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – ... o Governo determinava que o trabalho análogo à escravidão só seria caracterizado se houvesse flagrante de privação de liberdade, deixando de lado as quatro condições previstas na definição anterior: jornada exaustiva, servidão por dívida, trabalho forçado e condições degradantes do ambiente laboral, tornando assim quase impossível a tipificação desse crime.

    Sr. Presidente, passados dois anos de ilegalidade, outros inúmeros ataques foram dirigidos ao povo: a PEC do teto dos gastos, que congelou o investimento em saúde e educação por 20 anos; a reforma do ensino médio; a entrega do pré-sal e as privatizações, a reforma trabalhista aprovada e a apresentação da reforma da Previdência.

    São esses alguns péssimos exemplos que aqui citamos. Todos fragilizam a luta e as conquistas do povo trabalhador do nosso País. 

    Nestes dois anos de Governo ilegítimo, sua política de costas voltadas contra o povo levou a classe trabalhadora, a que produz, e muito, a riqueza deste País, a sofrer a humilhação da cifra de quase 2 milhões de desempregados.

    Por isso, o discurso ilegítimo de Temer tenta insistir no discurso da retomada do crescimento. Que crescimento é este? Um mero discurso. E os que aqui me ouvem não se enganem, pois os dados que refletem a realidade falam por si próprios e mostram um aumento do desemprego e da precarização do trabalho.

    Concluo, portanto, Sr. Presidente, chamando a atenção para, primeiro, o fato de que a gente tem que lutar pela democracia, pelo resgate da democracia, para criar condições de eleger governos como o do Presidente Lula, que afez avançar, e muito, os instrumentos de defesa da classe trabalhadora. Nesses dois anos, o que nós vemos é um governo de retrocesso, retrocedendo a nossa economia, as nossas conquistas sociais e as políticas públicas que nós conquistamos.

    Era o que tinha a dizer neste momento, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2018 - Página 29