Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca do trabalho análogo ao de escravo e do racismo existentes no País.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Comentários acerca do trabalho análogo ao de escravo e do racismo existentes no País.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2018 - Página 52
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, TRABALHADOR, LOCAL, PAIS, BRASIL, CONDIÇÕES DE TRABALHO, SITUAÇÃO, SEMELHANÇA, ESCRAVO, ENDIVIDAMENTO, MOTIVO, COBRANÇA, ALIMENTAÇÃO, TRANSPORTE, REGISTRO, RACISMO, DISCRIMINAÇÃO, SOCIEDADE, BRASILEIROS.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, quero, antes de tudo, fazer o registro do seminário que está acontecendo da Unicopas (União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias). Estão discutindo o cooperativismo dos pequenos, as pequenas cooperativas, junto com a Unisol, que tem um trabalho muito bonito no fomento das atividades dos pequenos agricultores, principalmente, e de catadores de materiais recicláveis e outros.

    Queria hoje falar do trabalho escravo. Fizemos uma audiência, ontem, na CDH, uma magistral audiência, sob comando do Senador Paim, com vários especialistas, estudiosos, Ministério Público e outros, para marcar os 130 anos da Lei Áurea. Porém, antes, há que se registrar 388 anos de escravidão. O tema é "130 anos da Lei Áurea. Trabalho Livre?" É livre mesmo, fecharam-se as senzalas? Vale lembrar como se deu a libertação.

    Os senhores e as senhoras, os donos de escravos, abriram as senzalas para os negros saírem. Ir para aonde? Sobreviver como? E aí os senhores e as senhoras, donos de escravos, deixaram as portas abertas e "bondosamente" – entre aspas – disseram aos negros que poderiam ficar. Em troca, ajudariam nos afazeres e ainda teriam um prato de comida. Quanta bondade! Assim perpetuou-se a memória escravocrata, neste País, nos filhos, nos netos, nos bisnetos, nos tataranetos, dos senhores de escravos. Eles foram se acostumando a ter quem lhes ajudasse a se vestirem, a se calçarem, a andarem a cavalo. E continuaram a serem chamados de sinhozinho, de sinhazinha.

    A verdade é que o Brasil continua uma grande senzala, só que agora os escravos são de todas as cores. Como se dá essa escravidão hoje? Primeiro, na área rural, com o aliciamento das pessoas chamadas de "gatos", lá no Nordeste, que agora são legalizados pela reforma trabalhista aprovada nesta Casa. Eles podem virar CNPJ. Eles aliciam os trabalhadores lá em seus Municípios. Já começam endividando o trabalhador no começo, no recrutamento. Eles dão um pouquinho de dinheiro para deixarem com a família, dão alimento na viagem e pagam o transporte. Geralmente, o mesmo transporte que leva o gado leva os trabalhadores - e já é uma dívida.

    No destino, vendem a mão de obra para o fazendeiro, ou ao seu representante, o capataz. Aí, o trabalhador continua se endividando, fazendo dívidas. Ele chega lá e já recebe instrumentos de trabalho, mas é anotado na caderneta; equipamentos de proteção, também anotados na caderneta; comida, também anotada na caderneta; e hospedagem – hospedagem nos galpões cobertos de lona e onde se armazena o agrotóxico.

    Quando ele vai acertar as contas, está devendo, e, se quiser sair, tem que pagar a liberdade. E, senhores, eu não sei se dá para pegar, mas aqui o fiscal apreendeu a caderneta de uma fazenda. Eles têm tanta certeza da impunidade, que eles anotam aqui: "compra da liberdade". Está aqui, na caderneta de anotação das fazendas. Quando eles vão fazer as contas, acertar as contas com o trabalhador, eles botam aqui o valor da compra da liberdade. Isso é terrível! Isso em pleno século XXI.

    E aqui há coisas incríveis: "cinco quilos de colorau". Ora, cinco pacotes de colorau?! Colorau é um corante que a gente usa para botar na comida, geralmente nas carnes. Uma pessoa, só, dever cinco quilos de colorau, deve estar comendo muita carne nessa fazenda. Mas, se ele não puder pagar, ele tem que ficar trabalhando, cada vez mais se endividando.

    Os auditores fiscais resgatam trabalhadores há muito tempo: 50 mil resgates de 2003 até 2017. Mas eles não têm condições, não são dadas condições de trabalho. São poucos os fiscais, os auditores fiscais, e são recebidos com hostilidade. Aqui eu lembro Unaí, onde mataram quatro pessoas – três fiscais e um motorista. Até hoje ninguém preso; até que fizeram a condenação, mas ninguém está preso. Quatro mortes. Os fiscais chegaram e foram recebidos a bala.

    E agora temos uma outra escravidão: a escravidão urbana, que está crescendo muito. Usam os migrantes, aproveitam-se da miséria das pessoas que chegam aqui em busca de refúgio e as exploram como escravos na confecção, na construção civil, na indústria têxtil e em outros serviços. Na área doméstica também: levam as pessoas para trabalhar pelo prato de comida.

    Então, a escravidão é mãe do preconceito racial que a gente tem. A gente diz que este País é uma democracia racial. Mentira! Os negros ainda são considerados objetos. A gente ouve frases célebres: "Negro não é gente"; ou então: "É um negro de alma branca"; ou então: "Negro, quando não suja na entrada, suja na saída"; ou então a expressão: "Fulano só é preto, mas...", quer dizer, o defeito dele é ser negro – só é negro, mas é uma pessoa boa –, e aquelas histórias de negro de alma branca.

    E eu quero aqui concluir, dizendo que eu mesma sou vítima de preconceito. Já fui muitas vezes, e agora, depois de Senadora, muito mais: "Não tem cara de Senadora"; "Não dá um jeito no cabelo" – para essas pessoas eu respondo que o meu cabelo já está no jeito –; "Não se veste como Senadora". Todas essas coisas eu já ouvi.

    Eu quero dizer para essas pessoas que nutrem preconceito contra mim – eu quero assumir-me aqui como negra –, e vou pedir emprestados os versos de um de meus queridos professores Cinéas Santos e Fifi Bezerra, lá do meu Piauí, para responder a essas pessoas com esses versos, que dizem assim:

Negra de alma preta, sim

Negra de alma preta sou

Negra assumida

Negra atrevida

Sem patrão e sem senhor.

    Muito obrigada, Presidente.

(Durante o discurso da Srª Regina Sousa, o Sr. Paulo Rocha deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Eunício Oliveira, Presidente.)

Início da Ordem do Dia


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2018 - Página 52