Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de projeto de lei de autoria de S. Exa que possui o objetivo de aperfeiçoar a legislação antidrogas e de saúde mental.

Autor
Ricardo Ferraço (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Registro de projeto de lei de autoria de S. Exa que possui o objetivo de aperfeiçoar a legislação antidrogas e de saúde mental.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2018 - Página 93
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • REGISTRO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, POSSIBILIDADE, DECISÃO, JUIZ, AUTORIZAÇÃO, TRATAMENTO, OBRIGATORIEDADE, VICIADO EM DROGAS, USUARIO, CRACK, COMPORTAMENTO, AGRESSOR, NECESSIDADE, MOTIVO, SAUDE PUBLICA.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, retorno à tribuna não apenas para uma manifestação, mas para uma proposta que estamos apresentando para debate, nesta Casa, que pode representar uma ação muito efetiva no combate a uma epidemia que está presente hoje não apenas nas pequenas, mas nas médias e grandes cidades brasileiras, que é a presença do crack e das cracolândias.

    O Poder Público, mais do que refletir, precisa agir e agir com urgência para a proteção não apenas da vida dos usuários, que estão submetidos a uma miséria humana, como também, através de uma atitude firme, para a proteção de vidas inocentes, que estão submetidas a esses transtornos mentais.

    Por isso, estou apresentando um projeto de lei, mudando a legislação antidrogas, alterando e aperfeiçoando a legislação antidrogas e de saúde mental, incluindo a possibilidade, na Lei Antidrogas, de que, por determinação judicial, regulamente-se melhor o tratamento compulsório daqueles que se encontram incapazes de, por sua conta, tomarem a decisão de estarem subordinados a um tratamento.

    Nesse sentido, na sentença condenatória, a autoridade, o magistrado, o juiz, com base em avaliação realizada por comissão técnica que ateste que o réu tem padrão de comportamento agressivo, criminoso e destrutivo para com a sua família, para com a sua própria saúde e para com terceiros inocentes, em razão da utilização de droga, substituirá as penas para tratamento especializado, que poderá ser ambulatorial ou com internação em instituição especializada, podendo o juiz determinar ao Poder Público que coloque à disposição do condenado a atenção para que ele possa receber esse tipo de tratamento. O intuito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de nossa iniciativa é encarar de frente como uma questão de saúde pública a epidemia não apenas do crack, mas de drogas similares.

     Ora, se a doença é grave – e é grave –, o remédio precisa ser amargo. Precisamos de uma revisão profunda e imediata na Lei Antidrogas para que os critérios de internação sem autorização do doente sejam incorporados, em definitivo, ao nosso marco legal.

    Os resultados positivos nesse sentido já foram comprovados, a partir de experiências que, mundo afora, foram feitas, pesquisas que aprofundamos, analisando o direito comparado e as experiências mundo afora. Se existe massa crítica, se existe experiência mundo afora bem-sucedida, por que não considerarmos para o nosso debate, na legislação antidrogas, a internação compulsória por parte da autoridade, uma vez considerado que essa pessoa, que esse doente está colocando em risco não apenas a sua própria vida, mas a vida de semelhantes, de pessoas inocentes? Algumas experiências eu passo a relatar aqui para as Srªs e os Srs. Senadores.

    Por exemplo, os Estados Unidos, que viveram, nos anos 80 e nos anos 90, o auge da epidemia do crack, foram pioneiros em medidas bem-sucedidas, que, em geral, aderiram à internação compulsória como critério, evidentemente considerando um conjunto de procedimentos, que, da mesma forma, nós estamos trazendo para a reflexão.

    Em 1989, o Estado da Flórida criou, por exemplo, um tribunal especializado em crimes de drogas como reforço no fechamento daquilo que seria a versão americana da Cracolância: as chamadas crack houses. A Corte ofertava ao usuário flagrado portando certa quantidade de crack ou cocaína a possibilidade de trocar o processo criminal pelo tratamento especializado ofertado pelo Estado, o que resultaria no cancelamento da ficha criminal após um ano de abstinência. Ou seja, abre-se uma alternativa para que ele possa se safar do processo criminal, se ele se subordinar à internação compulsória e conseguir, por mais de um ano, a abstinência.

    Os resultados dessa política no Estado da Flórida foram muito positivos, e a Flórida não só diminuiu o uso da droga nas ruas, como também recuperou pessoas: sete em cada dez usuários abandonaram a criminalidade por força da alternativa da internação compulsória.

    O Canadá também possui um sistema de tratamento compulsório de toxicodependentes, que produziu extraordinários resultados nessa mesma direção.

    Na Suécia, um dos países mais bem-sucedidos no combate às drogas, o tratamento compulsório é previsto desde 1982 e instituído nos casos em que o dependente oferece risco para sua vida e coloca em risco também a vida de semelhantes inocentes. Tal medida é posta como alternativa à pena de prisão.

    De igual forma, as leis australianas e também da Nova Zelândia preveem esse tipo de procedimentos.

    Por certo, são países que têm larga tradição na garantia e na manutenção de direitos humanos e garantias fundamentais. Ou seja, Sr. Presidente, o mundo civilizado, com enorme tradição no direito e na manutenção do direito fundamental, vem empregando esforços reais e avançou nos resultados muito satisfatórios no combate às drogas, valendo-se dessa alteração e regulamentando a internação compulsória nas leis antidrogas, coisa para a qual não há previsão legal em nosso País. A previsão que temos é a da internação compulsória nas leis que lidam com pessoas que passam por transtornos mentais ou que disciplinam nesse sentido. O que nós estamos propondo é a transferência, a transição desse mesmo critério para a Lei Antidrogas.

    O fato é que, com a lei atual no Brasil, familiares e amigos se veem em absoluta impotência diante do vício de um ente querido.

    Ninguém consegue fazer absolutamente nada, e há, de certa forma, uma impressão de indiferença para com essas cracolândias que expõem à miséria humana pessoas que estão vivendo os seus estertores de depressão, de solidão e de um profundo sofrimento, colocando, portanto, em risco as suas vidas, mas também colocando em risco as vidas de pessoas semelhantes.

    Vejamos aqui a tragédia que aconteceu no meu Estado, no Estado do Espírito Santo, que não deve ser uma circunstância absolutamente excepcional. Isso aconteceu no meu Estado e, por certo, pode estar acontecendo em outras cidades do nosso País.

    Uma das mais recentes tragédias abalou o meu Estado, trazendo grande comoção, porque agora, recentemente, faz apenas duas ou três semanas, o dependente químico Felipe Rodrigues Gonçalves, absolutamente fora de si, atirou um pedaço de vergalhão em direção a veículos que passavam em uma determinada via da cidade de Vila Velha. O vergalhão atingiu na cabeça e matou, na hora, a Srª Simone Venturini Tonani, de 42 anos. Ela morreu na frente de seu filho de oito anos, retornando com o seu filho de onde tinha ido buscá-lo, da sua escola. Esse cidadão, o Felipe, já tinha passagens pela polícia e havia se negado à ajuda e ao próprio tratamento.

    Essas tragédias estão se multiplicando no dia a dia das nossas cidades. Há, inclusive, pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz, estimando que nós tenhamos hoje no Brasil mais de um milhão de pessoas atingidas pela epidemia do crack. Por certo, essa não é uma condição e uma posição de que possamos nos orgulhar. Muito pelo contrário, nós estamos diante de um assunto que precisa ser enfrentado e enfrentado não como uma questão apenas de segurança pública, mas como uma questão que dialoga com a saúde pública.

    Por isso mesmo, Sr. Presidente, para muito além das palavras, para muito além dos discursos o que nós precisamos é de atitudes. E aí aperfeiçoando o marco legal, trazendo para a experiência brasileira experiências bem-sucedidas mundo afora e adaptando-as à nossa realidade, eu estou certo de que estaremos dando um passo muito importante na direção de incorporarmos à Lei Antidrogas a internação compulsória, com determinado critério, no sentido de você não apenas preservar a vida desse cidadão, dessa pessoa que está subordinada a essa miséria humana, mas também, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de olhar com cuidado, olhar com atenção, olhar com emergência para a preservação de tantas vidas humanas que estão sendo sacrificadas de forma inocente.

    É essa a contribuição que quero trazer ao debate, é esse o conteúdo do projeto que apresentamos no Senado, na direção de alterarmos essa regra para que a condenação, para que a internação compulsória possa ser uma ferramenta efetiva de preservação da vida do usuário, do dependente, mas, sobretudo, que nós possamos, a partir da internação provisória, preservar vidas inocentes que estão sendo ceifadas, como no caso ocorrido no Espírito Santo, que atingiu a vida da Srª Simone Venturini Tonani.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Senador Ricardo Ferraço, eu queria cumprimentá-lo. Eu estava aqui acompanhando o pronunciamento de V. Exª e acho muito oportuno que iniciemos este debate, especialmente olhando para os países que experimentaram o drama que nós estamos experimentando, com a gravidade que estamos experimentando, e encontraram alguma saída.

    Por enquanto, uma assertiva de que tenho falado quando tratamos desse assunto de como enfrentar as cracolândias que estão em todas as cidades do Brasil, em quase todas, nos Estados todos – na minha lamentável Rio Branco, nós temos um problema próximo ao meu escritório; o governo do Governador Tião Viana resolveu desenvolver um trabalho com o propósito de enfrentá-lo –, é que tudo que fizemos até agora não funcionou; só agravou a situação. Então, acho que nós temos de partir da premissa de que as leis que nós temos sobre combate ao uso de drogas, dependência química, as políticas que nós adotamos não resolveram, não funcionaram.

    Eu implantei o primeiro centro de recuperação de dependentes químicos, em Rio Branco, quando era Prefeito, numa cooperação com os italianos e num trabalho com a Igreja Católica. Depois, no Estado, também nós fizemos isso. Mas hoje a situação é gravíssima. Nós temos pessoas aos milhares, às centenas, nas cidades, e crimes bárbaros, chocantes como esse, lamentavelmente, vão se repetir, vão se reproduzir. Pessoas que, por um real, por dois reais, fazem qualquer coisa para comprar uma pedra. E isso vale na hora em que alguém está entrando no carro, alguém está passando, caminhando na rua. É terrível! Temos de fazer algo já, imediatamente.

    Eu queria cumprimentar V. Exª pelo debate.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – Agradeço a observação de V. Exª, que, na condição não apenas de Senador, mas de ex-Governador e de Prefeito, viveu diretamente essa circunstância.

    Nós precisamos quebrar os tabus, quebrar as resistências e os preconceitos ideológicos, porque, de certa forma, tudo que foi tentado até aqui não produziu resultado. Na prática, o que a gente está vendo no dia a dia é uma indiferença coletiva, é uma banalização, como se isso não estivesse compondo a cena das nossas médias e grandes cidades. Não dá para nós ignorarmos que essas pessoas estão sofrendo muito e que, além de sofrerem muito, estão colocando em risco pessoas inocentes.

    Portanto, eu quero crer que a redefinição da internação compulsória pode, sim,...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ... representar uma atitude na direção de revertemos esse quadro, porque a pesquisa que fizemos nesses países que relatamos aqui, em todos eles, foi muito bem-sucedida. E são países que gozam de larga tradição na preservação, na manutenção e na conquista de direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.

    Eu agradeço a observação e a contribuição de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2018 - Página 93