Discurso durante a 73ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca da precariedade da segurança pública no País.

Autor
Fernando Collor (PTC - Partido Trabalhista Cristão/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Comentários acerca da precariedade da segurança pública no País.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2018 - Página 110
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, SEGURANÇA PUBLICA, DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, OBJETIVO, COMBATE, VIOLENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) – Obrigado.

    Exmo Sr. Presidente desta sessão, Senador Elmano Férrer, Exmos Srs. Senadores, Exmas Srªs Senadoras, a segurança pública no Brasil chegou ao estado terminal. Não há sequer um dia sem que tenhamos notícias sobre a violência em todo o território do País. Especialistas já decretam que estamos vivendo uma verdadeira epidemia que vitima o cidadão brasileiro. A certeza que impera é que estamos mais do que atrasados na busca de soluções para devolver ao brasileiro a sensação de segurança há muito perdida. O fato nos força a repensar se os caminhos trilhados até o momento terão o condão de produzir os efeitos que ansiamos.

    Em pleno século XXI, o Brasil ainda tateia quando falamos em políticas públicas. Com a exceção parcial da área econômica, padecemos, em todos os setores, do mal da improvisação, do imediatismo e da falta de visão sistêmica. Produzimos, ao longo do tempo, muito mais ações, ou melhor, reações do que propriamente políticas públicas no sentido de conjunto de medidas articuladas e programas de governo que deveriam visar às garantias básicas estabelecidas para qualquer sociedade que almeja ser, de fato, civilizada.

    No combate à insegurança generalizada que se instalou no País, a população já percebeu que, pelo nosso arcabouço legal, temos excesso de direitos, porém escassez de deveres; que temos excesso de investigações, porém escassez de elucidações; que temos excesso de polícias, porém escassez de policiais; que temos, enfim, excesso de meios, porém escassez de resultados.

    A segurança pública, a história nos ensina, é uma das funções mais típicas do Estado. Há quem afirme mesmo que foi razão primeira da criação do Estado, exatamente para evitar que a humanidade viva em conflito permanente. Assim, não há motivo para os governos se omitirem diante da questão.

    A mão pesada do Estado, no sentido do uso sensato e determinado do poder coercitivo, é ansiosamente esperada pelo cidadão brasileiro. Contudo, Sr. Presidente, sabemos também que o uso da coerção como ferramenta única da ação pública está fadado ao fracasso. Estados policialescos não se sustentaram ao longo da história; com frequência, se desmancham em pouco tempo, em razão do custo econômico, social ou político, na medida em que, nessas situações, é comum o abuso do poder. Foi assim com o nazifascismo, foi assim com a experiência soviética, foi assim com o Estado Novo.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o termo epidemia é bem aplicado na questão da segurança pública. Cabe a nós, assim como nas doenças do corpo, buscar causas, alternativas de tratamento, medidas paliativas que possam dar conforto no necessário período de cura, assim como buscar imunizar contra recidivas, mas, acima de tudo, cabe ao Estado implantar políticas públicas integradas contínuas e efetivas de prevenção, antes que o mal se instale e avance como epidemia.

    As causas remotas do aumento da violência estão, sem dúvida, no esgarçamento do tecido socioeconômico. Crise, desemprego, desalento, sensação de abandono, educação escassa. São vários os fatores que podem empurrar indivíduos em situação mais frágil rumo à violência como meio de vida ou de relacionamento com o restante da sociedade. Nunca se comprovou, entretanto, que o caminho contrário é trilhado com naturalidade. A retomada do crescimento econômico é fundamental, mas não vai recolocar aqueles que já vivem na violência e da violência no trilho do convívio social pacífico. Por essa razão, são necessárias as leis, ainda que duras, bem como um sistema judicial e prisional eficaz. Devemos entender quais condutas individuais ou coletivas são danosas à sociedade e estabelecer, de forma clara, punições, compensações e, eventualmente, formas de redenção, se for o caso. Não punir ou punir fracamente condutas criminosas é insultar toda a imensa parcela da sociedade majoritária que, diante do mesmo quadro de desafio social ou econômico, não optou pelo crime.

    A população espera a rigorosa punição do criminoso. Não podemos obrigar o cidadão a conviver com aqueles que ameaçam sua vida, seus bens ou seus direitos.

    Nosso sistema prisional, por exemplo, é um modelo a ser descartado de forma veemente. Somos a 4ª população carcerária do mundo e uma taxa de reincidência de até 75%. Repito, somos a 4ª população carcerária do mundo e uma taxa de reincidência de 75%.

    No longo prazo, sabemos: mais escolas e, consequentemente, menos presídios. Mas o que fazer com essa geração já perdida para o crime? A ressocialização pretendida, evidentemente, não está funcionando.

    Na maioria das prisões a realidade é de superlotação e insalubridade. Os presidiários apenas estão lá, em situação de ócio, quando não segregados e dominados por facções criminosas rivais, que comandam os presídios, sem restrições, como miniaturas da realidade social que ajuda a produzir a delinquência.

    O modelo faliu, Sr. Presidente, e alternativas viáveis continuam fora do radar e da vista do povo brasileiro.

    Nossa legislação, responsabilidade direta deste Congresso Nacional, é apontada como benevolente com a conduta criminosa, ao tempo que permite adiar ad aeternum a punição ao criminoso e a reparação às vítimas. É necessário revê-la para garantir que as penas impostas a criminosos sejam de fato cumpridas.

    Como Presidente da República, sancionei a Lei 8.072, de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos. A norma, ainda em vigor, foi uma satisfação à sociedade sobre a punição para crimes que têm efeito especialmente danoso ao tecido social. Mas sinto, Sr. Presidente, que é o momento de atualizar a lei e, mais do que isso, retomar discussões mais profundas, como a questão das penas, por exemplo. Não se trata de reforçar alguma forma de direito de vingança das vítimas, mas, sim, de não permitir que determinados tipos de criminosos, sabidamente irrecuperáveis, voltem ao convívio do restante da sociedade.

    A pena de morte, advogada por alguns para crimes violentos, não funciona como fator coercitivo. Cinquenta e três por cento dos países do mundo aboliram a pena de morte para todos os crimes. Se pegarmos a lista desses países, poucos poderiam ser caracterizados como violentos.

    Contudo, em prol da segurança pública, não podemos deixar de, pelo menos, discutir a possibilidade de introduzir a prisão perpétua, por exemplo, para reincidência em homicídios e latrocínios.

    Os homicídios, no Brasil, a cada nova pesquisa divulgada, vão batendo seus próprios recordes, a ponto de igualar ou ultrapassar os números de regiões com conflitos deflagrados, como a Síria, em plena guerra civil. Estamos entre os 10% dos países mais violentos do mundo em taxas de homicídios, ao lado de Ruanda, República Dominicana, África do Sul e Congo.

    Mudou também o perfil das regiões violentas, com uma migração da onda de crimes em direção às Regiões Norte e Nordeste, atingindo indistintamente tanto metrópoles quanto pequenos e médios Municípios. Uma lástima!

    A taxa de homicídios já deve ter ultrapassado as 29,9 mortes por 100 mil habitantes, dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública de 2017, referentes ao ano de 2016. Isso é três vezes o limite considerado tolerável pela Organização Mundial de Saúde. Mais da metade das nossas unidades federativas já ultrapassou esse limite. No total do ano passado, registramos 61 mil óbitos violentos.

    Para piorar, Sr. Presidente Elmano Férrer, apenas 6% dos homicídios dolosos em nosso País são elucidados, contra 90% do Reino Unido, 80% da França ou 65% dos Estados Unidos. Aqui no Brasil, apenas 6%, como disse, dos homicídios dolosos são elucidados. Será que estamos dando licença para matar?

    Dentre os homicídios, a morte de policiais é um triste destaque. O assassinato de um policial é claramente um desafio ao poder do Estado. Em várias partes do mundo, a elucidação dessas mortes é considerada prioritária. Aqui, apenas engrossam as estatísticas de violência não elucidada. Nos dois últimos anos, foram 838 policiais mortos em todo o País. Aproximadamente 4 a cada 5 morreram fora do horário de trabalho, a maior parte deles simplesmente pelo fato de terem sido reconhecidos pelas suas funções. No Rio de Janeiro, somente neste ano de 2018, cerca de 2 policiais, em média, são assassinados por semana.

    Além de tudo isso, Sr. Presidente, há o enorme prejuízo econômico para o País. Estima-se que, para cada homicídio de jovens de 13 a 25 anos de idade, o valor presente da perda de capacidade produtiva é de cerca de R$550 mil. A perda acumulada de capacidade produtiva decorrente de homicídios, entre 1996 e 2015, superou os R$450 bilhões. Nesse mesmo período, os custos econômicos da criminalidade cresceram substancialmente, de cerca de R$113 bilhões para R$285 bilhões, o que equivale a um incremento real médio de aproximadamente 4,5% ao ano.

    Mesmo quando se verifica aumento de investimentos em segurança, há, pasmem, aumento na criminalidade. As estatísticas assim comprovam. Ou seja, há também uma péssima gestão dos recursos públicos, um autêntico descalabro, além de um paradoxo.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como pano de fundo desse quadro crítico da violência, certamente está o crime organizado, notadamente ligado ao tráfico de entorpecentes, nacional e internacional. Sabemos que as facções criminosas deram ao nosso País o duplo papel de consumo e rota do tráfico rumo a mercados estrangeiros, muitas vezes sob o olhar tolerante de autoridades omissas. O problema das drogas é, ao mesmo tempo, uma questão de saúde e de segurança pública.

    Há tempos, tratamos o problema focando na repressão e na criminalização, que limitam relativamente a oferta de drogas, mas fazem os preços subir e garantem maiores retornos ao tráfico. Por isso, passamos do momento de tomar uma decisão corajosa, qual seja: ou se criminaliza de vez o tráfico, o porte e o uso de drogas, aumentando a capacidade de repressão do Estado; ou se descriminaliza integralmente tudo isso, passando a tratar a questão apenas como questão de saúde pública, como o tabaco ou a bebida alcoólica.

    O que não pode, Sr. Presidente, é a posição dúbia ou vacilante que permite a movimentação de estimados R$15,5 bilhões, foco das disputas entre facções criminosas e pivô de grande parte do tráfico de armas e mortes violentas no País.

    Mesmo o Exército, em que a população deposita elevado nível de confiança, não tem sido capaz de deter esse fluxo de armas e drogas, tendo em vista as restrições logísticas e materiais para fazer frente a nossas imensas fronteiras.

    Intervenções eventuais, como a que vigora no Rio de Janeiro, embora necessárias, ainda não foram capazes de provar que podem gerar soluções definitivas. Não.

    O Poder Legislativo avançou no seu papel ao aprovar recentemente o projeto de lei que institui o Sistema Único de Segurança Pública. Sem dúvida, um importante passo, mas sabemos que, entre a sanção de uma lei e a sua efetiva e integral aplicação, há um imenso hiato de tempo e adaptações. E o Brasil, hoje, pede urgência, clama por um socorro que somente o Estado pode e deve oferecer.

    Por isso, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o que se espera do Estado diante do quadro de absoluta enfermidade da segurança pública é a sua capacidade de articulação, planejamento e elaboração de políticas públicas que ultrapassem o simples reagir aos fatos. Não haverá diminuição da delinquência e dos crimes violentos no Brasil sem que o Estado, na figura do Poder Executivo Federal, demonstre estar preparado para implementar políticas de forma coordenada com os Poderes subnacionais. Fiscalização e repressão devem andar pari passu, com políticas de formação e requalificação dos profissionais da área. É necessário equipar as forças policiais, assim como investir bastante em inteligência, ou seja, tecnologia, informação e integração de ações e políticas públicas.

    Experiências em todo o mundo comprovam que o modelo tradicional de patrulhamento semialeatório, ou seja, uma resposta rápida às chamadas de ação, investigações posteriores pela Polícia e esforços de cumprimento da lei, sem foco, não são eficazes para reduzir a criminalidade. O aumento da eficiência nessa área depende do estabelecimento de uma política de segurança baseada em evidências, isto é, do desenho de políticas públicas calcadas no estado da arte da evidência empírica sobre quais tipos de intervenções funcionam para cada situação e localização distintas. Assim, impõe-se o uso prévio de técnicas de georeferenciamento, dados estatísticos e experiências disponíveis. Para tanto, faz-se urgente também a agregação de dados sobre a atuação das forças de segurança e o monitoramento e o acompanhamento das políticas públicas implementadas, adaptando-as ou descontinuando-as quando sua eficácia não for observada.

    Assim, Sr. Presidente, quem, senão o Governo Federal... Srª Presidente Rose de Freitas, quem, senão o Governo Federal, tem capacidade...

(Soa a campainha.)

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – ... para coordenar todos esses esforços necessários?

    É notório que apenas 1,36% do Produto Interno Bruto – dado de 2016 – disponibilizado para enfrentar a questão da segurança pública é insuficiente. Contudo, verificamos que não se trata somente de alocar mais recursos. As estatísticas oficiais mostram que, mesmo nos períodos mais recentes em que houve aumento real de investimentos nas áreas de segurança pública, como aqui já dito, os índices de criminalidade não recuaram. Ao contrário, até aumentaram. Ou seja, existe também, como de resto na grande maioria dos setores da Administração Pública, um desperdício imenso de recursos por falta de planejamento e compromisso e por excesso de burocracia e incompetência.

    Em um contexto de limitação orçamentária, é essencial balizar as escolhas futuras de políticas públicas de segurança por análises de custo-benefício, com prioridade para aquelas que de fato tragam maior retorno social para cada real investido.

    Ademais, precisamos rever a previsão constitucional, que acarreta dispêndios desproporcionais em segurança pública realizados por Estados e Municípios, que arcam com cerca de 80% dos gastos, conforme levantamento oficial das últimas duas décadas. Ou seja, nesse mesmo período, à União coube o dispêndio de recursos que variou apenas entre 10 e 19% do total de gastos no setor. Isso é um absurdo se considerarmos a garantia da segurança pública como função precípua do Poder central, já que, no Brasil, o problema está alastrado de forma sistêmica por todo o Território,...

(Soa a campainha.)

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) – ... além de implicar questões fronteiriças e até mesmo de segurança nacional, sobretudo em períodos críticos como o que vivemos nas últimas duas décadas.

    Ou seja, Srª Presidente, essa é uma questão a ser enfrentada pelo Executivo Federal, especialmente pelo próximo Presidente da República a ser eleito ainda este ano. Por isso, como pré-candidato a Presidente da República, volto a repetir que, se eleito, os criminosos sentirão a mão pesada do Estado.

    Já ao Congresso Nacional cabe promover, com coragem, a discussão dos temas da legislação penal fraca ou omissa, da criminalização do porte e uso de drogas, do sistema penitenciário, de preferência evitando soluções simplistas, desconexas e pontuais, que pouco fazem por modificar a realidade de forma permanente.

    Da mesma forma, ao Parlamento cabe resguardar importantes marcos legais, como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, muitas vezes citado de forma falaciosa como origem ou facilitador da criminalidade. Mas a verdade é que não se pode avaliar a eficiência da lei de forma pontual, nesse ou naquele aspecto: o importante é a sua concepção – e, no caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, há um enorme liame com a educação fundamental. E é neste ponto que entra o ensino integral nos moldes que implantei quando Presidente da República, por meio dos CIACs. Além de retirar os jovens da ociosidade das ruas, o modelo oferecia oportunidades de formação técnica, esportiva, artística, além do atendimento médico e odontológico na própria escola. Esse é o lento, porém certeiro caminho a percorrer.

    Por outro lado, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a aposta de longo prazo nas gerações futuras, com educação de qualidade, saúde, emprego e renda é o remédio que cura e imuniza. Mas as medidas paliativas de curto e médio prazos para uma sociedade que sofre com a violência também não podem quedar esquecidas. Devem ser aplicadas, entretanto, com a devida determinação e a equilibrada responsabilidade, para evitar que viciem o organismo social, ou mesmo para que os efeitos colaterais não ultrapassem os benefícios de seu uso.

    Era o que tinha a dizer, Srª Presidente, agradecendo desde já pelo tempo que me foi concedido. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2018 - Página 110