Discurso durante a 85ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca da recente demissão do Sr. Pedro Parente da presidência da Petrobras.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA:
  • Considerações acerca da recente demissão do Sr. Pedro Parente da presidência da Petrobras.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/2018 - Página 15
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
Indexação
  • COMENTARIO, DEMISSÃO, PEDRO PARENTE, EX PRESIDENTE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), MOTIVO, CRISE, POLITICA, PREÇO, COMBUSTIVEL, CRITICA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, DEFESA, DITADURA.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senadoras, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado, telespectadores que nos acompanham pela TV Senado e os internautas que nos seguem nas redes sociais.

    Sr. Presidente, venho hoje novamente para abordar, assim como outros companheiros, a atual crise na Petrobras e a crise de abastecimento de combustíveis no nosso País.

    Venho primeiro para dizer que, com a decisão de Pedro Parente, o Governo Federal assumiu os erros que teve na condução da política de preços da Petrobras. Paulo Parente foi o Ministro do apagão do PSDB no Governo Fernando Henrique Cardoso e agora do apagão de combustível de Temer, que causou danos imensos ao Brasil e aos brasileiros, colocou o País em um colapso generalizado e provocou elevadas perdas financeiras à empresa. Eu diria, como o povo brasileiro, "já foi tarde!"

    Sua saída, no entanto, por si só, não resolve o problema. A política de preços da Petrobras deve mudar urgentemente ou não se resolverá a crise dos reajustes dos combustíveis. O Governo não pode seguir inepto e absolutamente incompetente na condução da mais importante estatal brasileira, que tem a obrigação de cumprir o papel social fundamental para o qual foi criada.

    O País não pode de novo ser levado a um novo apagão, como o que viveu nas últimas semanas. Não é à toa, Sr. Presidente, ilustre Senadora Vanessa Grazziotin, que 92% dos brasileiros passaram a ter uma percepção negativa do País após essa greve dos caminhoneiros. É o descrédito completo a que este Governo aparvalhado tem levado todo o País, fazendo com que a própria confiança da população seja tragada por esse sentimento de caos em que fomos metidos por esse fracassado Presidente golpista.

    Temer tem o dever de dar uma solução definitiva para a questão dos combustíveis e evitar que o País entre num caos, cujas consequências finais são inimagináveis.

    A quatro meses da eleição, o Brasil não pode ser jogado num terreno movediço de incertezas, pela irresponsabilidade de um governo incompetente e atrapalhado.

    Não será aumentando impostos ou retirando dinheiro de Estados e Municípios que essa crise vai ser resolvida. Ela só terá fim quando a Petrobras alterar radicalmente essa política errática em que se encontra, que nos tornou cada vez mais dependentes de importações e jogou para os consumidores todas as variações do mercado internacional.

    A saída de Parente dá ao Governo a oportunidade de rever graves erros e mudar os rumos das práticas que levaram o País à beira do precipício. Há novas movimentações de interessados em retomar o bloqueio de rodovias e devolver o Brasil ao desabastecimento. Este Governo de néscios não pode deixar isso acontecer.

    Deve, igualmente, agir com rapidez, para devolver a regularidade ao abastecimento do gás de cozinha, cujos preços estouraram nos últimos meses e que segue escasso em vários pontos do Território nacional.

    É inaceitável que, em um país rico como o nosso, que tem o pré-sal e imensas jazidas de gás natural, o povo esteja sendo vitimado por preços extremamente extorsivos e submetido a privações de bens que temos em abundância, dada a decisão do Governo de privilegiar os mais ricos, o capital financeiro e países como os Estados Unidos, para os quais estamos mandando bilhões de dólares com importações desnecessárias.

    Enquanto o povo volta ao fogão a lenha, rentistas enriquecem nababescamente, graças à política criminosa de Temer para a Petrobras, que tem como finalidade dilapidar a empresa, para, depois disso tudo, vendê-la na bacia das almas.

    É urgente que este Governo irresponsável aja para assegurar a paz social e colocar o País minimamente nos trilhos, para que chegue, em outubro, organizado, para escolher o novo Presidente.

    E não tenho dúvida de que, uma vez solto, Lula será eleito novamente pelos brasileiros, para devolver à Petrobras o seu papel de indutora da economia nacional e superar o espetacular crescimento de 1.250% que a empresa experimentou nos oito anos do seu mandato, além de assegurar uma política de preços para os combustíveis que proteja os mais pobres.

    É apenas isso, somente isso com que este Presidente golpista precisa se preocupar, para entregar o País em ordem a Lula, quando ele, se Deus quiser, vier a substitui-lo. Espero que, ao menos para isso, Temer tenha competência.

    Mas, Sr. Presidente, outra grave consequência, outro grave acontecimento surgido nessa greve, nessa paralisação, foram protestos aos quais se juntaram oportunistas que aproveitaram as manifestações, para atentar contra o próprio Estado democrático de direito, ao defender a volta do regime militar – para isso, contando com a burrice e a leniência deste Governo. É inaceitável e criminosa a postura de propor a derrubada do Governo civil. É francamente inconstitucional e é flagrante desrespeito a outras leis que proíbem esse tipo de manifestação.

    Tibieza e falta de pulso de Temer para resolver com a urgência devida esse problema têm levado a população a uma imensa descrença nas instituições e aberto espaço para que fanáticos alienados defendam a volta de um governo militar ao País. É um absurdo que não pode ser tolerado. Deve ser combatido com medidas duras, que responsabilizem, direta e imediatamente, todos os envolvidos. O Governo, a Polícia Federal e o Ministério Público têm de agir de forma severa, para coibir esse tipo de abuso.

    Quero aqui, inclusive, reconhecer a importância de iniciativas do Ministério Público Federal de processar, inclusive, proprietários de empresas de transporte, grandes agricultores, elementos infiltrados na greve dos motoristas, que apregoaram, aos quatro ventos, a busca do que eles, "inocentemente" – entre aspas –, chamam de intervenção militar. É importante que o Ministério Público continue nessa batalha, porque fazer propagação da derrubada do regime democrático deste País é um crime contra a Constituição, é um crime contra as leis que compõem a nossa democracia e não pode ser tolerado por quem quer seja.

    Certamente, os mais jovens caem nessa balela – alguns poucos jovens – porque não viveram o que era um regime militar, o que era uma ditadura. Precisam estudar e conhecer a história do nosso País. E nós, que vivemos aquele período, temos a obrigação de martelar, permanentemente, a nocividade de um governo autoritário para a população, para um povo.

    Começaria, Sr. Presidente, por não existir nenhum tipo de liberdade dentro de internet, dentro de redes sociais. Gente que hoje utiliza Facebook, utiliza Instagram, utiliza várias redes sociais para propagar as ideias mais absurdas que podem existir, mas que tem esse direito, no período da ditadura não teria a mínima condição de agir dessa maneira.

    A internet e as redes sociais seriam censuradas. As pessoas que externassem opiniões contrárias à ditadura seriam perseguidas, seriam presas. As pessoas não teriam a liberdade de ir para o meio da rua defender as ideias que têm, que defendem, sob que ângulo da ideologia política pudesse ser.

    Este era um País onde a produção cultura era censurada. Quantas peças teatrais foram censuradas? Quantas peças acabaram com a violência ou da repressão militar, ou dos grupos paramilitares que viviam em torno da ditadura naquela época? Quantas músicas foram censuradas? Quantas músicas de Chico Buarque? Quantas músicas de Caetano Veloso, de Milton Nascimento?

    Mas pasmem: não eram apenas aqueles compositores mais engajados politicamente. Não. Talvez V. Exªs não saibam, mas o compositor brasileiro que mais foi censurado durante a ditadura chama-se Odair José, um compositor de brega e hoje um cult nacional. Por quê? Porque ele falava de temas da vida dos mais pobres dentro de um ponto de vista das relações de dominação. Falava da prostituta, falava da empregada doméstica. Falava daquela realidade ali que a ditadura militar, no seu puritanismo, considerava que era uma agressão à moral e aos bons costumes.

    Imaginem hoje o que se tem liberdade de discutir, de debater quanto à sexualidade, quanto aos temas de gênero. Tudo isso seria proibido. Sobre tudo isso não seria permitido à sociedade sequer pensar nem debater. Não pensem que, na universidade, nas escolas, os jovens teriam oportunidade de externar as suas ideias. Até mesmo nas salas de aula.

    Durante a ditadura, existiram uma lei e um decreto que foram publicados para perseguir os estudantes universitários e também da escola secundária: o Decreto-Lei 477 e o Decreto-Lei 228. O que essas leis faziam? Estudantes que externavam opiniões contrárias ao regime na universidade, que procuravam organizar diretórios, clubes de cultura, cineclubes, que escreviam qualquer coisa, vários deles, milhares deles foram expulsos das universidades e não tiveram a permissão de concluir os seus cursos. O 477 e o 228 serviram para, dentro da universidade, eliminar qualquer tipo de pensamento crítico, qualquer tipo de diferença no modo de pensar.

    Está aqui o Senador Cristovam Buarque, que foi reitor de universidade, professor, que viveu nesse período da ditadura, que não me desmente em relação a tudo o que aconteceu naquele período e que, certamente, é radicalmente contra essa pregação criminosa de volta à ditadura militar.

    Pois não, Senador.

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Senador Humberto, eu pedi para fazer um aparte não por ter sido reitor, mas por ter sido estudante durante o período da ditadura lá em Pernambuco, que o senhor representa tão bem aqui, e também, sobretudo, por uma razão: é que tenho visto poucos discursos aqui nesta Casa como o seu. Nós todos deveríamos estar, hoje, falando aquilo o que o senhor está falando aqui. É uma pena que sejam poucos e que o senhor tenha tomado essa bandeira e não todos nós. Deveríamos um dia, Senador, talvez parar todo o trabalho nosso aqui para discutir o risco de uma volta a um regime autoritário. Nós que passamos por isso naquele tempo e qualquer um que tenha lido aquilo, que tenha lido o que aconteceu na Alemanha nazista, mesmo sem ter vivido lá, sabemos o desastre que é um regime autoritário. Alguns justificam isso em nome da corrupção. Na ditadura, a corrupção nem falada pode ser. Ela é escondida. É a democracia que permite que nós possamos descobrir os nossos pecados dos que fazem política. Então, a sua defesa da democracia é o que me fez pedir a palavra para elogiá-lo e dizer: nós todos deveríamos estar falando como senhor está falando hoje. E eu assino embaixo dessa sua preocupação. É uma preocupação maior do que alguns pensam. Quando andamos pela rua, é surpreendente a quantidade de pessoas que falam nessa tal de intervenção militar, em vez de chamar, sem mentir, de defesa da ditadura, defesa da tortura, defesa da censura, defesa de tudo aquilo que nós sofremos e que terminou sendo causa de muitos anos da incapacidade de nos encontrarmos. Então, parabéns pelo seu discurso. Espero que outros cheguem aí. Tenho andado muito por aí e sendo muito criticado porque, num desses dias, em um programa, eu disse que uma candidatura que está por aí é uma excrecência da democracia, porque, numa democracia, não deveria nem se ter alguém defendendo essas coisas absurdas que esse candidato defende. Lamentavelmente, ele está aí e em grande parte por erros nossos. Mas esses erros nossos devem ser contra cada um de nós. O eleitor contra cada um de nós, não trazendo de volta para aqui cada um de nós, e não querendo acabar com a democracia, que permite ao eleitor nos tirar e não apenas nos colocar. Parabéns e meu apoio à força e ênfase como o senhor está defendendo a democracia nesta tarde.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Eu agradeço o aparte de V. Exª, incorporo à minha fala e ressalto, inclusive, o que disse V. Exª: a corrupção no governo ditatorial não era menor, não, apenas era escondida. E, mesmo assim, foram muitos os escândalos que chegaram a público, como o FonteCindam, como o Brasilinvest, como tantos e tantos outros que não foram sequer apurados por conta do regime policial que havia naquele período. Mas, Sr. Presidente, eu me lembro, na minha experiência de estudante, quando eu era militante do movimento estudantil, embora num período em que já havia arrefecido um pouco a repressão, de quantas vezes eu saí de casa – eu e muitos outros companheiros – sem saber se teríamos condição de voltar...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... porque a repressão era violenta.

    Lembro-me de uma manifestação que nós fizemos pelas liberdades democráticas em 1977, em que todos os estudantes, mais de 3 mil que estavam na Escola de Engenharia, numa determinada hora, tiveram que esconder o rosto, baixando a cabeça para que a imprensa pudesse fotografar aquela manifestação.

    Mas queria, Sr. Presidente, lhe pedir dois minutos a mais, porque eu queria dar aqui uma prova importante, algo que foi apurado pelo programa Brasil: Nunca Mais e também pela Comissão da Verdade, só para que V. Exª tenha ideia de até onde pode chegar a maldade humana e como uma ditadura pode utilizar instrumentos para esmagar as pessoas.

    Eu aqui me refiro a uma matéria da Jusbrasil, que diz: "Cobra e jacarés eram usados por torturadores da ditadura militar".

Cinco filhotes de jacaré e uma jiboia foram usados, na primeira metade dos anos 1970, para torturar os presos políticos levados para a carceragem do Pelotão de Investigações Criminais (PIC) do 1º Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, [no Rio], onde também funcionava o Destacamento de Operações de Informações (DOI). O Tenente-Coronel reformado Paulo Malhães [...] [é quem] disse que os animais eram dele e foram capturados no Rio Araguaia, na Região Amazônica, durante a campanha militar contra a guerrilha [...].

    Malhães, que usava o codinome "doutor Pablo", trabalhava no Centro de Informações do Exército em Petrópolis, a chamada "casa da morte", onde de 20...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... presos políticos que lá chegaram, apenas uma saiu com vida, Inês Etienne Romeu. Mas ele considerou falar para a Comissão da Verdade.

    Eu peço a V. Exª que me dê um pouquinho de tolerância, para que eu relate isso para os jovens do nosso País e para as pessoas que viveram na época da ditadura e esqueceram o que acontecia.

    Malhães disse que estava na beira do Rio Araguaia e sentiu a terra mexer. E descobriu que era um movimento de filhotes de jacarés. E ele batizou os cinco de Pata, Peta, Pita, Pota e Joãozinho, além de ter levado uma jiboia de 6m chamada Míriam. Todos foram para a sede do DOI. Ele diz que os filhotes não mordiam, só faziam "tec-tec" com a boca.

    Pelo menos três ex-presos políticos confirmaram ter sido vítimas de tortura com esses animais: o jornalista mineiro Danton Godinho, que ficou preso de 1969 a 1973, passou 90 dias no PIC e se recorda da jiboia Míriam: "Eles chegaram com um isopor, apagaram a luz e ligaram um som altíssimo. Percebi na hora que era uma cobra imensa, que eles chamavam de Míriam. Felizmente, ela não quis nada comigo. Mas, irritada com a música, a cobra não parava de se mexer. O corpo dela, ao se deslocar, arranhou o meu; chegou a sangrar. Mas o maior trauma foi o cheiro que exalava, um fedor que custei a esquecer."

    Já a cientista social Dulce Pandolfi, que foi presa em novembro de 1970, conta que foi aterrorizada por um jacaré, mas não sabe se foi o mesmo trazido por Magalhães: "Eles trouxeram um jacaré amarrado e colocaram sobre o meu corpo."

    E, no último relatório, também parecido, de Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais, ela conta que estava nua e amarrada à cadeira numa cela quando um filhote de jacaré passou pelo seu corpo.

    Pois bem, Sr. Presidente, isso é um exemplo do que havia na ditadura. Por isso, é obrigação de todos os democratas deste País levantar a voz bem alto para dizer que ditadura, intervenção, tudo isso é uma coisa só e o que o Brasil precisa, se tem uma democracia frágil, é de uma democracia forte e democracia forte deve começar por ter eleições livres, diretas, com direito de participação de todos, e que volte para a lata do lixo o debate sobre esse período mais tenebroso...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... da história do nosso País que foi a ditadura militar de 1964.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/2018 - Página 15