Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene destinada a comemorar o centenário da Academia Piauiense de Letras - APL.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão solene destinada a comemorar o centenário da Academia Piauiense de Letras - APL.
Publicação
Publicação no DCN de 24/05/2018 - Página 17
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO SOLENE, CONGRESSO NACIONAL, OBJETIVO, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, CENTENARIO, ACADEMIA DE LETRAS, ESTADO DO PIAUI (PI).

     A SRª REGINA SOUSA (Bloco/PT-PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente Elmano Férrer, quero cumprimentar V.Exa. e o Deputado Paes Landim pela ideia de realizarmos esta sessão solene.

      Quero cumprimentar a nossa querida Vice-Governadora Margarete Coelho, sempre ligada ao tema das Letras; o meu querido Nelson Nery Costa, Presidente da Academia Piauiense de Letras; o Chico Lucas, nosso Presidente da OAB; o Desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, um companheiro de viagem; o Sr. Hugo Napoleão, ex-Senador e membro da Academia Piauiense de Letras; o Prof. Jonatas; a D. Glorinha, mãe do Nelson Nery; e os demais convidados aqui presentes.

      Começo lembrando que nós estamos no ano do centenário de Antônio Cândido, que via a Literatura como um direito universal e o estudo e a criação como atos libertadores. É muito importante o que disse Antônio Cândido, que faleceu no ano passado e que, neste ano, faria 100 anos.

      Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, acadêmicos, cidadãos que nos acompanham por nossos canais de comunicação, celebrar 100 anos da Academia Piauiense de Letras, como o próprio Nelson Nery já disse, é história. Há muita história para contar. Já estão sendo contadas em livros, e muitos virão.

      Eu quero lembrar que 1917, ano da fundação da Academia Piauiense de Letras, foi um ano explosivo no mundo inteiro e também no Brasil. E eu fico imaginando o que se passava na cabeça das pessoas, dos intelectuais -- ainda não eram acadêmicos -- que, em 30 de dezembro de um ano tumultuado, em meio a tantos acontecimentos importantes e graves, resolveram dar uma pausa nos preparativos da passagem de ano, para criar um grêmio literário e discutir um tema até hoje considerado menos importante por muita gente.

      Em 1917, o planeta vivenciava a sua Primeira Guerra Mundial; a Revolução Russa foi iniciada; o Czar foi deposto e um governo provisório, liderado por Lenin, foi implantado; trabalhadoras e trabalhadores brasileiros cruzaram os braços e fizeram a primeira greve geral de nossa história, que durou 30 dias.

      Penso que ali, naquele longínquo ano de 1917, os intelectuais devem ter percebido que, num mundo em que o diálogo entre as culturas se fazia com os estrondos dos canhões e o silêncio frio das baionetas, a literatura furava os bloqueios dos egocentrismos extremos e promovia encontros de pensamentos diferentes. Eu também penso assim: a literatura é capaz de promover esses encontros.

      Por isso, eu quero comunicar aos senhores que, em 2016, apresentei o Projeto de Lei do Senado nº 158, prevendo que cada sala de aula da educação infantil e dos cinco primeiros anos do ensino fundamental passe a contar com um pequeno acervo de livros paradidáticos e de literatura infantil.

      A minha intenção é incentivar e facilitar o acesso de professores e alunos aos livros que falem da cultura universal, brasileira, regional e local, democratizando o acesso aos livros, incentivando a prática da leitura e da consulta bibliográfica, pois acredito que o livro seja o mais valioso ingrediente da receita que garante a qualidade dos processos educativos.

      Esse projeto está andando devagar. Já estamos em 2018. Como eu disse, vejam a importância que se dá ao tema!

      Esse ingrediente deve não somente ser adequado, mas também estar prontamente disponível para os alunos na própria sala de aula, não apenas na biblioteca. Os alunos dificilmente vão à biblioteca. Eles chegam na hora de entrar na sala de aula e saem correndo na hora em que a campainha toca, para ir embora. Então, o livro tem que estar na sala de aula, para os alunos o manusearem e sentirem vontade de saber o que está escrito ali. Inclusive, isso desburocratiza as bibliotecas.

      Em março, apresentei o Projeto de Lei do Senado nº 136, para determinar que a literatura de cordel, o repente e demais cantos de improviso característicos da cultura brasileira passem a figurar como temas obrigatórios nos currículos da educação básica.

      A literatura de cordel, geralmente apresentada na forma de folhetos, tornou-se um dos gêneros literários mais populares no Brasil, pois tem raízes na tradição oral e fala de coisas do cotidiano, da mitologia, da religiosidade popular e das histórias de vida de personalidades conhecidas. O cangaço, a seca, o coronelismo político são temas recorrentes da literatura de cordel, que vem sendo cada vez mais estudada e venerada como gênero literário rico e de grande relevância para a constituição da identidade cultural brasileira. É difícil conhecer um brasileiro que não tenha tido contato com o cordel em algum momento da vida. Mesmo assim, o universo cordelista ainda sofre preconceitos e quase não está presente nas salas de aula.

      Para mim, estudar o cordel e o repente na escola significa ter contato com o mundo da poesia a partir do cotidiano, com uma carga de significados que dificilmente outra forma literária tem no Brasil, especialmente no nosso Nordeste, onde o cordel é a porta de entrada para o mundo da literatura e pode ser o mote para a criação do hábito de leitura para milhões de brasileiros.

      Inclusive, faço uma pergunta: nós temos algum cordelista ou repentista numa Academia? Temos que trabalhar nesse sentido. Esse projeto tem a ver com isto: eles precisam se tornar mais conhecidos.

      Está provado -- inclusive com experiências do Promotor Chico de Jesus, que viajou conosco no mesmo avião -- que os meninos aprendem melhor com o cordel. Ele está trabalhando a Lei Maria da Penha por meio do cordel. Ele disse que os meninos aprendem a fazer a rima. Ele dá o mote, e os meninos fazem a rima de acordo com o conteúdo da Lei Maria da Penha. Isso é algo fantástico, que nós temos que incentivar.

      Todas essas manifestações culturais são recepcionadas nos objetivos da nossa proposição, que visa oferecer, nos currículos da educação básica, o lirismo de forma mais próxima do dia a dia das pessoas. Junto com o aprendizado da poesia, da rima, da expressão oral, a literatura de cordel e o improviso podem ser importantes aliados para o conhecimento da diversidade brasileira, para o exercício da tolerância e para o fortalecimento dos laços que ligam nosso povo à língua portuguesa e à nossa civilização dos trópicos, como queriam os pioneiros da Academia Piauiense de Letras, já em 1917, assim como os ocupantes atuais.

      Entendo que quem se dedica a escrever, seja em verso, seja em prosa, quer expressar seus sentimentos mais profundos, seja o sentimento em relação aos outros, seja o sentimento do mundo. E o faz com a verdade da alma.

      É com essa verdade que se faz necessário, hoje, recontar a história do Brasil. Espero que algum acadêmico o faça, principalmente os historiadores, para que as nossas crianças não continuem aprendendo, por exemplo, que a escravidão foi abolida há 130 anos, ao tempo em que presenciam ou são vítimas de trabalho escravo no campo e na cidade em tempos atuais.

      Por fim, Sr. Presidente, eu não poderia terminar este pronunciamento sem fazer aqui uma homenagem ao acadêmico Herculano Moraes, nosso poeta, ensaísta, cronista, contista, romancista e crítico literário -- ele foi meu professor --, falecido há poucos dias.

Em nome de Herculano Moraes, por meio de seus versos, rendo homenagens à memória dos pioneiros daquela Casa de Imortais e saúdo seus atuais ocupantes.

Diz Herculano em seus versos:

Não escreverei teu nome na areia.

O vento varre as palavras,

e elas nunca se perpetuarão.

Escrever teu nome no tronco de uma árvore?

eis o enigma desta vã filosofia.

Até que a morte nos separe pelo assassínio da ecologia.

Escrever teu nome, nos granitos, no cimento, nas nuvens, nos muros rabiscados, talvez não seja a forma exata de te imortalizar.

Escreverei teu nome, sim, na folha indecifrável da memória, pois só assim este amor sem preconceitos e limites ficará para a história.

Muito obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 24/05/2018 - Página 17