Discurso durante a 88ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Insatisfação com os altos níveis de violência no País, divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e alerta para a necessidade de união das instituições no combate às facções criminosas.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Insatisfação com os altos níveis de violência no País, divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e alerta para a necessidade de união das instituições no combate às facções criminosas.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2018 - Página 23
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • REGISTRO, DADOS, VIOLENCIA, DIVULGAÇÃO, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ENFASE, NUMERO, HOMICIDIO, LOCAL, ESTADO DO ACRE (AC), COMENTARIO, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), AUTORIA, ORADOR, OBJETO, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Senador Paulo Rocha; quero cumprimentar a todos que nos acompanham pela Rádio e TV Senado.

    Ainda há pouco estávamos na Comissão de Relações Exteriores, trabalhando nesta quinta-feira cedo – hoje à noite eu volto para o meu Estado e cumpro a agenda de trabalho, como tenho feito –, e lá fizemos debates sobre a situação da violência no mundo, sobre a busca da paz... Mas volto à tribuna, essencialmente, como já fiz algumas vezes nesta semana, para tratar dos números divulgados nesta semana pela imprensa, oriundos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), trazidos em função do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São números de 2016.

    Os números são chocantes, assustadores e se impõem pela gravidade da situação a que o Brasil chegou, com um número de mortes, no ano de 2016, na casa de 62 mil vítimas. Perdemos 62 mil almas de brasileiros e brasileiras, pessoas que sequer puderam alcançar a maturidade da vida, porque a maioria são jovens com menos de 29 anos.

    O Brasil vinha tentando, desde o começo da década de 2000, reduzir os índices de mortes. Eu diria que vinha num compasso que não era o ideal, vinha mudando de endereço, do centro sul, caminhando para o norte, mas com um certo controle e com a possibilidade de redução. Mas, nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017 a violência explodiu. Veja que coincidência: foi quando a crise política se instalou, quando começamos a viver um enfrentamento, levando a população a uma certa indignação. Agora, nós estamos colhendo os frutos desse desastre que o Brasil está vivendo, do ponto de vista institucional, essa crise institucional profunda.

    Ainda agora, um colega aqui estava falando do Supremo. Este Plenário aqui tirou uma Presidente da República eleita por 54 milhões de brasileiros – o Plenário do Senado – e colocou um Presidente que não passou nas urnas. Agora, poucos são os que vêm à tribuna para dizer alguma palavra de confiança no Governo que eles instalaram no Palácio do Planalto.

    O ambiente é muito ruim, e eu não queria cair na armadilha de ficar num jogo de culpados. Não cabe. Temos erros de todos os lados, de todas as partes. E talvez a gravidade da violência que toma conta, de norte a sul, de leste a oeste, do País possa unir-nos um pouco, independente dos erros cometidos e até da intolerância na convivência, para que nos reencontremos na busca de uma solução para vencermos esse desafio que está hoje presente em todos os Estados, mas que avançou fortemente para o Nordeste e o Norte do País.

    Não dá para sair culpando apenas os governantes. Eu não posso culpar apenas o Governo Federal. Eu não posso culpar as forças de segurança. Mesmo a pobreza, que lamentavelmente aumenta no País, trazendo de volta a miséria, não pode ser a causa maior desse aumento assustador do número de homicídios no País.

    O país mais violento do mundo fica na América Central: Honduras. São 50 mortes para cada grupo de 100 mil no país. O Brasil agora se credencia como um dos países mais violentos do mundo, com 30 mortes para cada grupo de 100 mil, que é a forma como se mede, a partir das Nações Unidas, de organismos internacionais, para que se tenha uma referência comum. A ONU diz que, quando há mais de 10 mortes para cada grupo de 100 mil, é doença. Então, o nosso País está muito doente: ele tem três vezes o número de assassinatos que já é identificado como uma doença pelas Nações Unidas.

    Agora, o mais grave é se pegarmos os Estados, comparando com o país mais violento do mundo que é Honduras. Sergipe teve, em 2016, com o número de 64 mortes para cada grupo de 100 mil; Alagoas, 54 mortes para cada grupo de 100 mil; Rio Grande do Norte, 53 mortes para cada grupo de 100 mil; Pará, 50 mortes para cada grupo de 100 mil; Amapá, 48 mortes, quase 49, para cada grupo de 100 mil; Pernambuco, 47; Bahia, 47; e o meu Estado do Acre, 44.

    Quando eu assumi o Governo, em 1999, o Acre, em algumas regiões, tinha 50 mortes para cada grupo de 100 mil. Era um Estado que estava nas páginas policiais. Nós conseguimos reunir as instituições, as igrejas, a sociedade e enfrentamos. A polícia matava; a polícia morria. As instituições, amedrontadas, não funcionavam. Naquela época, o Governo Federal era do Fernando Henrique Cardoso; o Ministro da Justiça, José Carlos Dias. Juntamos o Ministério Público do Estado, a Justiça do Estado, as instituições todas do Estado, as polícias, as instituições federais, o Governo Federal, o Governo do Estado e começamos a fazer um trabalho conjunto. E reduzimos: das 50 mortes, chegamos a ter menos de 20 mortes para cada grupo de 100 mil, abaixo da média nacional. Tiramos o Acre das páginas policiais, mas, nos últimos três anos mais especificamente, as facções criminosas se expandiram, saíram do centro-sul do País, e foram para Norte e Nordeste, ocupando os presídios, agindo e obrigando todo o preso a se filiar a uma delas. A partir daí, estabeleceu-se uma guerra, que está nas ruas, que amedronta e afronta a dignidade humana e a civilidade.

    Nós não podemos dizer que o Brasil é um país civilizado. Eu tenho muito orgulho de ser brasileiro, mas eu estou com vergonha dos tempos que estamos vivendo – 62 mil assassinatos num ano! Senadora Ana Amélia, foram quase 800 mil mortes nos últimos 15 anos. Não há guerra no mundo... Somando-se todas, a guerra do terrorismo, a da Síria, todas elas matam menos do que a violência no Brasil. Então, alguma coisa nós precisamos fazer e precisamos fazer juntos.

    O Governador Tião Viana chamou uma reunião em outubro do ano passado lá – é Governador do Partido dos Trabalhadores –, chamou o Presidente Michel Temer, chamou todos os Ministros mais importantes. O Ministro Aloysio Nunes foi lá; o Ministro Jungmann, na época Ministro da Defesa, foi; o Ministro da Justiça foi; o Ministro que cuida das relações institucionais na Presidência da República foi, o General Etchegoyen; o Presidente da República ia, mas teve um problema de saúde e não foi; os Comandantes das Forças Armadas foram; e 23 governadores atenderam ao chamamento do Governador Tião Viana. E o que propunha o Governador Tião Viana? Propunha que houvesse uma ação coordenada, conjunta, da Força Nacional com as forças dos Estados, com as Forças Armadas, sem intervenção, mas numa ação coordenada. Na área de fronteira, não há como o Estado dar conta.

    Saiu uma reportagem no Fantástico mostrando a situação de dificuldade. O Brasil tem 16 mil quilômetros de fronteira. O Sisfron, criado para fazer um trabalho na área de fronteira brasileira nos primeiros 600km, tinha, no ano passado, uma verba de R$240 milhões, e o Governo Temer cortou para R$130 milhões, um corte de 54% do dinheiro que iria para o Exército poder fazer a vigilância contra o tráfico de armas e de drogas na fronteira. Dessa maneira, nós vamos ampliar o número de armas ilegais no Brasil, o número de mortos e o tráfico de drogas! Isso é o mundo real. É a realidade que se impõe, de maneira triste.

    Eu havia assumido um compromisso comigo. Eu tenho dez projetos que estão tramitando aqui. São dez medidas que, desde que cheguei, propõem alterações no Código Penal, na legislação, porque eu acho que a legislação do Brasil não pode seguir do mesmo jeito. O Código Penal é dos anos 40. Como nós podemos aceitar que, para uma pessoa ficar presa dez anos no Brasil, ela tem que matar quatro pessoas? Como nós podemos aceitar – e não estou aqui fazendo apologia de qualquer tipo de violência – que, se uma pessoa maltratar um animal, ela tenha uma pena maior do que teria se tivesse maltratado uma criança? Isso é distorção da legislação.

    Há 740 mil presos, e 40% deles não foram condenados ainda. Como disse a Senadora Simone, por que não separamos aqueles que, em vez de ficarem filiados às facções, podem usar a tornozeleira, podem ficar em prisão domiciliar, uma prisão com recolhimento, enquanto não são julgados, para que, em vez de gastar mais no sistema prisional, ele seja aperfeiçoado? Por que não separamos os criminosos perigosos daqueles que estão apenas acertando a dívida com a Justiça, com a sociedade? Será que esse não é o caminho?

    Em vez de ficarmos aqui apontando o dedo uns para os outros, será que não está na hora de nós nos juntarmos e encontrarmos uma maneira, parando tudo aquilo que não é importante no Brasil, para nos concentrarmos no esforço de perguntar como é que se dá um basta na violência. Como é que vencemos as facções criminosas, que estão agora tocando fogo em ônibus em Minas, no Nordeste brasileiro? Elas só ficam mudando de Estado! Nesta crise econômica, em que temos um Governo absolutamente inviabilizado, em que não há mais a confiança da população nas instituições, o crime está crescendo como fogo de monturo, queimando e atingindo todos, tirando a liberdade das pessoas, levando o terror para dentro das casas das famílias. As pessoas agora não podem mais ver os filhos indo a uma festa, a um aniversário, elas não dormem esperando que os filhos possam retornar ou na dúvida se retornarão.

    Eu não sei quanto tempo mais nós vamos esperar, Sr. Presidente. Quanto tempo nós vamos esperar para que se pare e se faça um grande entendimento nacional com a participação de todos os entes da Federação – dos Municípios aos Estados e o Distrito Federal, com a União Federal –, com as instituições – Congresso, Supremo, Judiciário, Ministério Público, Defensorias, as polícias? Não é possível que não mudemos! Boa parte dos Municípios não tem um delegado de polícia! E o PM que está correndo o risco na rua? Mesmo sendo um oficial, ele não pode dar um tratamento na condução de algo com que ele conviveu, em que correu o risco de vida na rua para tentar enfrentar e tem que esperar um inquérito que vai vir quando chegar um delegado. Isso é sinônimo de impunidade, de descaso. E as pessoas não sabem a quem recorrer.

    Desde que cheguei aqui, estou nessa luta por uma reforma no Código Penal brasileiro; estou nessa luta alertando que iria explodir o problema da violência. E, quando saírem os números de 2017, a situação vai ser ainda muito pior, mais vergonhosa. Então, não é possível que, com números alarmantes como esses, com as reportagens que toda a imprensa divulga, nós não paremos para definitivamente ver que um país que paga R$600 bilhões de juros por ano, um país riquíssimo como é o Brasil não pode parar e reservar R$5 bilhões, R$6 bilhões, R$10 bilhões, R$15 bilhões, R$20 bilhões que sejam para fazer um plano de combate à violência, de enfrentamento das organizações criminosas, para trazer a paz para o nosso povo!

    As soluções que alguns apresentam são de mais sangue. Alguns acreditam que, distribuindo armas para todo o mundo, nós vamos vencer a violência. Nós vamos seguir contando os mortos e criando também assassinos. No afã de se defenderem, pessoas da paz, famílias também vão começar a ter assassinos! Será que não é melhor nós fortalecermos e mudarmos todo o sistema prisional, todo o aparato legal brasileiro, darmos condições para as nossas polícias e focarmos todos nós no combate à violência? Será que não é esse o melhor caminho? Eu não tenho dúvida de que é esse o melhor caminho.

    Por isso, faço aqui este registro, agradecendo, Sr. Presidente, pelo tempo e dizendo que vou seguir na próxima semana alertando e cobrando para que, no Brasil, as instituições brasileiras parem, para que, juntos, possamos acender a luz vermelha e dizer que nós vamos, a partir de agora – não sei se num plano para dez anos, para cinco anos –, enfrentar, combater e vencer as facções, o crime organizado, a violência no Brasil.

    No Acre, meu pequeno Estado, nós conseguimos isso na década de 90. Eu não tenho dúvida de que o Brasil também conseguirá, desde que priorize, que estabeleça essa como a maior das prioridades.

    Países violentíssimos venceram. Nos Estados Unidos mesmo, o Estado de Nova York, Manhattan, era um lugar muito violento, que já não convive mais com a violência. Muitos países da Europa também venceram. E o Brasil pode vencer, mas isso tem que ser um pacto, um acordo de toda a sociedade, envolvendo das igrejas às autoridades policiais e às Forças Armadas também, numa ação coordenada, conjunta, de colaboração, e não com intervenções fracassadas, como a do Rio de Janeiro.

    Sr. Presidente, era este o meu pronunciamento.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2018 - Página 23