Discurso durante a 90ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a importância da reforma tributária para reduzir a desigualdade social existente no País.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL:
  • Comentários sobre a importância da reforma tributária para reduzir a desigualdade social existente no País.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/2018 - Página 6
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRIBUTARIA, OBJETIVO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, REGISTRO, APOIO, PROPOSTA, AUTORIA, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, AUDITOR FISCAL, RECEITA FEDERAL.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senador Pedro Chaves, que preside esta sessão, eu me disponho, Sr. Presidente, aproveitando sempre a segunda, a quinta à tarde e a sexta-feira, neste período, a pegar um tema que eu entenda importante para a população e discorrer sobre o mesmo. É o que eu faço hoje, Senador Pedro Chaves. Vou falar sobre a reforma tributária.

    A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, a Anfip, e a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, Fenafisco, lançaram o movimento "Reforma Tributária Solidária: Menos Desigualdade, Mais Brasil". Eu recebi o documento das mãos do Floriano Martins, Presidente da Anfip, que me dizia que a iniciativa tem como objetivo aprofundar o debate sobre todos os impostos cobrados no Brasil e apontar soluções para a desigualdade.

    Igualdade é um tema que eu trato muito durante os meus mandatos tanto de Deputado Federal como também de Senador, buscando atingir, como objetivo, a solidariedade política, humanitária e que as desigualdades sejam diminuídas. Nós estamos num País em que grande parte ou a maioria ganha o correspondente a um salário mínimo e uma minoria ganha, eu diria, ali naqueles 4%, 5%, até de cem salários mínimos.

    A iniciativa vai estudar todos os impostos cobrados no Brasil e apontar soluções para combater a desigualdade. Esse movimento vai fomentar, e esse é o objetivo, um debate amplo, plural e democrático para corrigir as anomalias crônicas do sistema tributário brasileiro. Essas podem ser percebidas na comparação, inclusive, com outros países capitalistas relativamente menos desiguais, nos quais o sistema de impostos tem caráter progressivo. Essa, Sr. Presidente, Senador Pedro Chaves, é uma das razões da vergonhosa distribuição de renda no Brasil – o aspecto mais pungente das disparidades sociais brasileiras. Entretanto, as desigualdades vão muito além, estando, eu diria, por toda parte. Por isso é que eu digo sempre que nós, homens públicos, temos que humanizar a política, temos que combater as desigualdades, temos que ter responsabilidade com o social, temos que saber respeitar as diferenças, mas permitir que todos vivam com dignidade.

    Pois bem, em pleno século XXI, o País ainda não foi capaz sequer de enfrentar desigualdades históricas herdadas por mais de três séculos de escravidão. As desigualdades também se refletem na concentração da estrutura de propriedade, posse e uso da terra, tanto na área urbana como também na área rural.

    Pode-se ver que os chamados descendentes de escravos não têm propriedades, grandes propriedades. Recentemente, veio um presidente de um país africano ao Brasil visitar uma exposição e percebeu que as pessoas que não eram brancas estavam ali para limpar o curral, levar o gado de um lugar para outro, levar os cavalos. Aí ele disse: "Engraçado, eu não vi um único fazendeiro que não seja branco". Aí contaram para ele a História do Brasil, ou seja, que as heranças foram passando de pais para filhos e a população escrava foi ficando marginalizada: era proibido estudar naquela época, mesmo depois de libertos, era proibido ter ferramentas e não podiam comprar terras. Por isso é que a desigualdade existe até hoje e se reflete na concentração da estrutura de posse e uso da terra, como dizia, na área urbana e rural, e no mercado de trabalho; e na aguda disparidade de acesso aos bens e serviços sociais básicos entre classes sociais e regiões do País.

    Vêm alguns dados que são importantes. Segundo estudo da ONU, a pobreza no Brasil tem cor: mais de 70% das pessoas vivendo em extrema necessidade no País são negras; 64% dos extremamente pobres não completam a educação básica; e 80% dos analfabetos brasileiros são negros. No Brasil, a desigualdade tem outra discriminação hedionda: gênero feminino. Mulheres ganham 62% do valor dos rendimentos dos homens.

    Eu recebi um projeto que veio da Câmara – fui Relator e apresentei no plenário parecer final – só para que a mulher na mesma função tivesse o mesmo salário que o homem. Não teve jeito: fizeram emendas, mandaram para a Comissão de Infraestrutura, e até hoje ele não voltou mais para o Plenário.

    Segundo o Mapa da Violência, o Brasil ocupa o terceiro lugar, dentre 85 países, no ranking de mortes de adolescentes. São 54,9 homicídios para cada 100 mil jovens de 15 a 19 anos.

    Há uma profunda desigualdade de acesso a bens e serviços sociais básicos entre as classes sociais e regiões do nosso País. O Sistema Único de Saúde (SUS) é formalmente público e universal, mas a realidade revela uma multiplicidade de lacunas na oferta de serviços, especialmente os de média e alta complexidade. Na Previdência Social, mais de um terço dos trabalhadores não contribui para o sistema público e, consequentemente, não está protegido e não terá a proteção na velhice.

    Um projeto de reforma tributária para o desenvolvimento sustentável deve levar em conta que, nos últimos 60 anos, o Brasil nunca contou com políticas nacionais de habitação popular, saneamento e mobilidade urbana em grande escala devido à necessidade do nosso povo.

    Sr. Presidente, as diversas propostas de reforma tributária elaboradas por setores da sociedade, do Governo, do Parlamento e das associações de classes têm o propósito precípuo, unicamente, de simplificar o sistema – não de distribuir renda, mas, sim, de simplificar; todavia, ninguém, até o momento, por todas que li e vi, a não ser essa aqui, tem o objetivo de diminuir as diferenças.

    O movimento Reforma Tributária Solidária: Menos Desigualdade, Mais Brasil entende que a pretendida simplificação, apesar de importante – claro que é importante; quanto mais simples, melhor, até para executar, para cobrar –, não enfrenta as anomalias crônicas do sistema tributário e tem um agravante adicional: seguindo esse caminho restrito à simplificação, ele pode vir a representar o último suspiro do Estado social brasileiro, tardiamente inaugurado pela Constituição de 1998. Eu fui Constituinte, e, ali, avançamos, embora tardiamente. Mas, dali para a frente, muito pouco se fez.

    Sr. Presidente, de acordo com a proposta apresentada pela Anfip para que se enfrentem as diversas faces da desigualdade social brasileira, são necessárias mudanças estruturais no Sistema Tributário Nacional, cuja reforma deveria ser pautada por oito premissas fundamentais, apresentadas a seguir.

    Aqui eles fizeram uma síntese, porque o documento eu recebi.

    Quais seriam as oito premissas fundamentais para uma reforma tributária solidária?

    1) Reforma tributária para o desenvolvimento. Adequar o sistema brasileiro a modelos de sucesso de países desenvolvidos;

    2) Financiamento do gasto social. Reduzir desigualdades sociais, com o financiamento de políticas sociais;

    3) Sistema tributário progressivo. Aumentar a tributação direta, sobre renda, propriedade e riqueza;

    4) Redução da carga tributária indireta. Diminuir a tributação sobre mercadorias, bens e serviços, e pagamento;

    5) Equilíbrio federativo. Revisão do sistema de transferência e partilha dos impostos entre Estados;

    6) Ampliação da tributação ambiental. Inibir práticas predatórias, num cenário de graves ameaças ao meio ambiente que preocupa naturalmente a todos nós. É preciso que o ecossistema e o meio ambiente estejam vinculados ao que chamamos de desenvolvimento sustentável;

    7) Comércio internacional. Resgatar o papel da tributação aduaneira;

    8) Fomento de ações para o aumento das receitas, sem o aumento de carga tributária. Revisão das renúncias fiscais, fazendo o enfrentamento da sonegação e o verdadeiro controle da evasão fiscal pela maior eficiência da administração tributária.

    Chamo a atenção aqui: as renúncias fiscais, inclusive a CPI da Previdência o demonstrou, superam o total de gasto na esfera federal com saúde, educação, assistência social, transporte e ciência e tecnologia.

    Tenho até que repetir, Sr. Presidente: as renúncias fiscais, inclusive a CPI da Previdência o identificou, superam o total de gasto da União com saúde, educação, assistência social, transporte e ciência e tecnologia. Isso é gravíssimo. Mais demos anistia do que investimos nessas áreas.

    Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, o total das desonerações sobre os gastos tributários federais subiu de R$116 bilhões para R$282 bilhões, em valores correntes. Entre 2009 e 2015, um salto de 3,65% para 4,93% do PIB atualmente. Todos os anos o Brasil abre mão de 25% do total de suas receitas – dados aqui da Secretaria da Receita Federal.

    O movimento Reforma Tributária Solidária: Menos Desigualdade, Mais Brasil é, repito, uma iniciativa da Anfip e da Fenafisco e conta ainda com o apoio do Conselho Federal de Economia (Cofecon), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), do Instituto de Justiça Fiscal (IJF), da Oxfam Brasil e da FES.

    Todo cidadão que quiser aderir a esse movimento, que pode ajudar inclusive no aperfeiçoamento, é só se dirigir pelos e-mails secretaria@anfip.org.Brasil e secretaria@fenafisco.org.br. Mais informações ainda pelo site reformatributariasolidaria.com.br.

    Aproveito para informar que no dia 21, Sr. Presidente Pedro Chaves, agora de junho, quinta-feira, a partir das 9h, lá na Comissão de Direitos Humanos, vamos realizar uma audiência pública para debater o tema "Reforma Tributária Solidária: Menos Desigualdade, Mais Brasil". E também destaco que vamos realizar, se possível também em outras comissões, esse mesmo debate.

    Sr. Presidente, eu confesso que, desde o período em que estou aqui no Congresso como Deputado e como Senador, muitas vezes eu ouvi falar em reforma tributária, ouvi falar em Pacto Federativo, mas, de forma real, nada acontece. Passa numa Casa, trava na outra; vem da outra, trava nesta; e não avançamos. Porque uma reforma tributária, um novo Pacto Federativo significa que você – pelo menos esse seria o meu objetivo – deve apontar caminhos para que aqueles que são mais pobres, da classe média para baixo, os que mais sofrem, os que estão na miséria absoluta, os que passam fome sejam contemplados.

    Há países de primeiro mundo em que, para gêneros de primeira necessidade diretamente, como alimentação, a tributação é desse tamanhinho, porque ali você beneficia a todos. E aqueles produtos mais sofisticados, que somente os poderosos podem adquirir, como – por que não dizer? – carro, fumo, álcool, para mim isso, sim, teria uma tributação até maior. Mas querer tributar a valores altos arroz, feijão, a própria gasolina, carne, leite é inadmissível, inadmissível.

    Como já disseram especialistas, quem, de fato, paga tributo neste País são os mais pobres. Eles não têm como viver sem o pão, sem o leite, sem o arroz, sem o feijão... Sei lá, sobre a massa, sobre a carne... Então, eles gastam tudo ali, só que os tributos elevam os preços. Vimos recentemente na greve dos caminhoneiros que a responsabilidade por um preço altíssimo no diesel, na gasolina, no álcool e no gás é principalmente dos tributos. E é o que toca o Brasil: queiramos ou não, o Brasil optou pelo transporte rodoviário. E uma vez feita essa opção... Os países de primeiro mundo optaram pelo sistema de ferrovia, V. Exª conhece. Eu, que fiz poucas viagens ao exterior, duas ou três – na verdade, foram duas –, percebi que você atravessa países de trem, você pode ir de um país a outro de trem. No Brasil, a não ser o avião, de resto é ônibus mesmo, é caminhão, é carro. Mas foi uma opção feita. Se os governantes fizeram essa opção não dá para fazer com que o tributo – eu digo em resumo – possa ser quase que a metade do custo final. É o caso do diesel, da gasolina, do álcool e do próprio gás.

    Por isso, Sr. Presidente, eu espero que os presidenciáveis também apresentem a sua visão de como combater as desigualdades,...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... para não continuar como é hoje, porque quem paga impostos neste País, enfim, são os mais pobres. Mas, vamos continuar com esse debate, com certeza, em outros momentos.

    Agora, com satisfação, assumo a Presidência para ouvir o seu pronunciamento.

    Obrigado, Senador Pedro Chaves.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/2018 - Página 6