Pronunciamento de Roberto Requião em 14/06/2018
Discurso durante a 93ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Questionamento sobre o aumento das notícias falsas como decorrência da crise no país.
- Autor
- Roberto Requião (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
- Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
IMPRENSA:
- Questionamento sobre o aumento das notícias falsas como decorrência da crise no país.
- Aparteantes
- Gleisi Hoffmann.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/06/2018 - Página 11
- Assunto
- Outros > IMPRENSA
- Indexação
-
- COMENTARIO, AUMENTO, NOTICIA FALSA, ENFASE, ECONOMIA NACIONAL.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/MDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Presidente, um dos efeitos colaterais das crises é a reintrodução no palco das pessoas que, pela sua atuação calamitosa em enredos anteriores, mergulharam no anonimato, deixaram de ser lembradas, citadas ou ouvidas. Não é isso, Senador Álvaro Dias? Transformaram-se em fantasmas invisíveis. A mídia, os políticos, os governantes passavam por elas como se elas não existissem. A lembrança do desempenho infeliz constrangia todos.
Mas nada como uma crise depois de outra. Confiantes na desmemória popular, mídia, políticos e governantes redimem esses avejões e fazem-nos falar como se eles tivessem algo a dizer, contribuições a dar para o desatamento do nó.
Pois não é que até mesmo o ex-genro, o Davi Zylbersztajn, foi convocado para opinar sobre a crise dos combustíveis? Mas confesso que desta vez senti falta da opinião dos irmãos Mendonça, do André Lara Resende, do Pérsio Arida, do Gustavo Franco, dos há tempos desaparecidos Maílson da Nóbrega e Pedro Malan, do Armínio Fraga. Não consultaram o Armínio Fraga!
Que seja dito, a última vez que eu vi notícia sobre o Armínio Fraga foi quando Temer atendeu a Globo e decretou intervenção no Rio de Janeiro. O então Ministro da Defesa, depois catapultado ao tal Ministério da Segurança, o sempre disponível e ínclito Raul Jungmann, anunciou que pretendia contar com a assessoria de Fraga no combate à criminalidade do Rio de Janeiro. Fiquei encafifado, curioso: qual seria o papel de Armínio Fraga no combate ao crime organizado ou desorganizado, Senadores, nos morros cariocas? A única coisa que me ocorreu foi que Jungmann queria contar com a experiência do agente de George Soros para promover um ataque especulativo no preço das trouxinhas de cocaína, desestabilizando talvez o coreto dos traficantes. Não fosse isso, o que teria a fazer como consultor de segurança o Armínio Fraga? Ah!, sim! já que ninguém foi ouvir o Fernando Henrique sobre a crise do óleo diesel, o sociólogo ofereceu um artigo aos baluartes da mídia direitista, O Globo e O Estadão, um artigo, registre-se, onde, de novo, nada disse.
Sou jornalista diplomado há mais de 50 anos. Naquele tempo, para a produção de uma boa reportarem, para a redação de uma boa matéria você deveria contar, antes de tudo, com os seus próprios conhecimentos. E esses conhecimentos eram esteados, alicerçados pela sua formação intelectual e pelas pesquisas que você fazia sobre o assunto dado, assunto a ser tratado na reportagem. E não havia a facilidade do Google. Não tínhamos essa incrível ferramenta de informação.
Hoje, não! O socorro do jornalista para sua ignorância são os tais especialistas. Qual seja o tema, lá vai o repórter ouvir o especialista, o esperto, que deita platitudes enlatadas quer sobre a formação dos preços do óleo diesel, quer sobre a melhor receita para uma salada de tomate. Enfim, o repórter, seja de rádio, televisão ou jornal, revista ou de blogues, não pensa, não formula, não questiona. O repórter nada mais é que a escada para a opinião de um especialista.
Esses dias, por exemplo, a Folha de S.Paulo, a inefável, saiu à cata de especialistas para saber se a capinha que envolve o celular prejudica o sinal do aparelho – reportagem extraordinariamente importante, não parece, Senador que preside esta sessão? Às vezes, o caldo entorna, especialmente em entrevistas ao vivo no rádio e na televisão.
Sempre à procura desesperada por especialistas e, talvez, não querendo repetir os de sempre, Senadora Gleisi, alguns convidados escapam do filtro, e temos, então, uma Mônica Waldvogel ou uma Renata Lo Prete confusas, irritadas e estupefatas porque o entrevistado divergia radicalmente delas e da Globo. Mas isso é raro e dificilmente se repete.
Nos anos do chamado milagre econômico, na década de 70, sob o regime militar, entrou na moda uma nova especialidade de nossa imprensa, o jornalismo econômico, só que os nossos repórteres, os analistas e colunistas econômicos nasceram com a boca torta: a notícia econômica só tinha um lado, o lado do Governo e do mercado, o que, na verdade dava no mesmo. E não era por causa da censura imposta pela ditadura aos meios de comunicação. Na verdade, não havia contradição entre a linha editorial da mídia e a linha da política econômica da ditadura.
Naquele tempo, se você quisesse uma análise isenta e crítica da política econômica do "milagre" – entre aspas –, você precisava ler a chamada imprensa alternativa – lembra, Senador Alvaro Dias? –, o Opinião, o Movimento, os Cadernos do Terceiro Mundo, mesmo O Pasquim, o Lampião e outras efêmeras publicações que apareciam e desapareciam ao sabor da censura ou da penúria, da falência de seus editores.
Mesmo com os chamados choques do petróleo, de 1974 e de 1978, que explodiram o balão do milagre, e, na sequência, com a crise da dívida externa, a pá de cal sobre o cadáver do regime e de sua política econômica, nem nessas circunstâncias dramáticas o jornalismo econômico da nossa gloriosa mídia comercial deixou de ser chapa-branca, exclusivamente chapa-branca. Para a mídia, havia apenas duas fontes: o Governo e o mercado.
Aquela história de ouvir o outro lado, artifício da grande mídia quando ainda se dizia independente, quando tentava ainda manter algum verniz de civilidade, essa história de ouvir outro lado foi-se. O outro lado que se lixasse.
Nas décadas de 70, 80 e parte dos anos 90, além de não ouvir a opinião divergente, o jornalismo econômico desconhecia a existência de agentes do mercado que não fossem porta-vozes de bolsas, corretoras, investidores e banqueiros. Por exemplo, trabalhadores, consumidores, líderes sindicais, donas de casa, enfim, o homem comum, os homens das ruas simplesmente não eram considerados e levados em conta como uma força ativa, que atuava, operava, influenciava e decidia. Não eram reconhecidos como também agentes do mercado.
E isso era tão dominante que alguns jornalistas, hoje lideranças reconhecidas da imprensa independente, também tiveram suas bocas e penas moldadas pelo pensamento econômico único.
Talvez, por essa época, fosse possível descolar o Jornal do Brasil, Senadora Gleisi, da mídia comercial. Integrante da grande família, o Jornal do Brasil buscava certo equilíbrio, uma distância sanitária de seus confrades. Por exemplo, enquanto a mídia paulista cobria timidamente a greve de 1978, o Jornal do Brasil abria-lhe espaços generosos.
E, de todo modo, existe uma diferença importante a registrar: àquela época não havia ativismo mercadista ardoroso, apaixonado que há hoje entre os nossos jornalistas, analistas e colunistas econômicos. Se houvesse entusiastas pelo mercado, a paixão era discreta, contida ou até mesmo envergonhada.
Hoje, como a crise recente mostrou, o "jornalismo econômico" pátrio foi definitivamente incorporado pelo mercado, pela banca, pela globalização financeira, pelos interesses dos grandes conglomerados nacionais e multinacionais. As editorias de economia são meros apêndices, simples departamentos, ecos da voz do mercado. E, nessa radicalização militante, eliminaram manuais de redação, códigos de conduta e de ética ou qualquer norma que garantisse um mínimo de moralidade ou de equilíbrio, mental e emocional, na divulgação dos fatos.
Temos, assim, por exemplo, as Organizações Globo assumindo com a fúria dos fundamentalistas a defesa de Pedro Parente e de sua política de preços dos combustíveis.
Fiquei impressionado, aturdido, estupefato com o radicalismo, a parcialidade e a desonestidade dos argumentos dos "analistas econômicos" nessa crise. Não vou citar nome. Todos sabem quem são.
E vêm aí alguns novidadeiros ou desocupados, pascácios talvez, a falar em fake news. Ultimamente, alguns juízes de tribunais superiores ou de primeiras instâncias, além do nosso glorioso Conselho de Comunicação Social do Congresso, do Senado, têm insistido neste tema: notícias falsas. Mas pergunto às Excelências – ou às não Excelências –: omitir notícias, mentir, trapacear, embaralhar as informações, distorcê-las não é também fake news? Essa atuação escandalosa protagonizada pela tal da grande mídia brasileira na crise recente, alinhando-se claramente a um partido, o partido do mercado, o partido das petrolíferas internacionais, pouco se lixando para a soberania nacional, para os consumidores, essa ideologização do tema não é também uma forma de fake news? Ou, senhores juízes, ilustres membros do Conselho de Comunicação do Congresso, as fake news têm também parti pris, como certas decisões de nosso Judiciário?
Ah, dessa enxurrada toda de notícias falsas, de meias verdades, de mentiras e distorções, o que mais me encantou foi aquela "especialista" que botou a culpa da crise nos ex-Presidentes Lula e Dilma, porque facilitaram aos brasileiros a compra de caminhões. Que opinião extraordinária! Que profundidade incrível de raciocínio! Que inteligência ímpar!
Não, de forma alguma! Jamais! A culpa não é da recessão, da queda da produção, em consequência da queda de demanda por fretes. Nada disso! A culpa é de D. João, o futuro VI, que abriu os portos e aumentou o número de procura por carroças para o transporte de mercadorias.
Para mim, essa asneira da tal especialista, veiculada como arauto da verdade suprema pela nossa mídia comercial, sintetiza a qualidade da cobertura da greve dos caminhoneiros. Essa senhora poderia também dizer que a culpa do desabastecimento foi dos brasileiros que ficaram mal acostumados, pois, no governo do Lula, passaram a fazer três refeições por dia.
Presidente, agradeço a generosidade com o tempo.
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – Concede-me um aparte, Senador Requião, antes de V. Exª terminar?
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/MDB - PR) – Como não, Senadora Gleisi?
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – Eu estava aqui, prestando atenção em seu discurso, aliás, brilhante como sempre. Então, duas observações. Primeiro, em relação aos mentores intelectuais desse golpe que nós vivemos no Brasil, porque não foi o Temer que arquitetou tudo para chegar lá. Os verdadeiros arquitetos desse golpe são os tucanos, é o pessoal do PSDB, que tem uma relação muito forte com o mercado, sempre teve, e que tentou ganhar as eleições por quatro vezes consecutivas e perdeu. Então, vendo que não iam ganhar no voto, eles resolveram tirar a Dilma no tapetão. Fizeram um impeachment sem ter base constitucional. Nós avisamos, na época, que isso ia fazer mal para o País. Eles não acreditaram e foram lá. Tanto que quem foi o Relator do impeachment foi um Senador do PSDB. Foram os Senadores do PSDB aqui que conduziram o processo, que fizeram aliança com o Eduardo Cunha. O Alckmin, que é o Governador do São Paulo, também apoiou. Então, esse pessoal. Eles agora estão desesperados porque eles não conseguem explicar para a população e para o Brasil por que deu errado o golpe, porque era tudo para dar certo. Eles iam tirar a Dilma, iam colocar os caras de mercado, cortar os recursos do Orçamento da União, ajustar as contas, e o Brasil ia se recuperar, mas não aconteceu isso. É óbvio que não aconteceria isso. Este aqui é um país continental, tem 200 milhões de pessoas. Ontem eu falei desta tribuna: mais da metade ganha até dois salários mínimos; mais de 80%, um pouco mais de 80% ganham até cinco salários mínimos. Então, é uma população dependente de um Estado forte, investidor, condutor das ações, inclusive com gastos na área social. Você, com uma crise econômica, retira o setor privado, que não estava investindo, e retira o público: não dava para dar certo. Então, eles não sabem explicar. Eles estão, há dois anos e meio, tentando explicar por que nós estamos nesta barafunda. V. Exª várias vezes subiu à tribuna e disse: "Vai dar nisso!" Era óbvio, evidente que ia dar nisso. Não conseguem explicar. E aí, agora, vem o Fernando Henrique, depois de toda essa desgraceira que aconteceu, querer propor uma frente democrática para que o centro democrático, as forças democráticas não deixem o País se desestabilizar e para que possa algum candidato do centro, da centro-direita, ganhar a eleição. E os analistas de mercado também. Ontem, eu li uma matéria de um analista de mercado, um artigo em que ele dizia assim: "Como o povo não entende que estamos numa crise fiscal? Que tem de fazer sacrifício?" Veja, a criatura que deve ganhar R$50 mil por mês, o analista de mercado, quer que o povo, que ganha até cinco salários mínimos, até dois salários mínimos, entenda que tem de fazer sacrifício! É óbvio que não pode dar certo, Senador Requião! Não vai entender. Então, todas essas colunistas de TV, Mônica Waldvogel e essas outras analistas, que não entendem nada de povo, porque não pisam onde o povo está – são funcionárias da Rede Globo de Televisão, ganham bastante e ficam lá só naquele estúdio com ar-condicionado, recebendo seus convidados; não entendem nada de povo –, também ficam se perguntando como que não deu certo, dizendo que tinha de dar certo, pois estava tudo alinhado. Estava alinhado para eles que têm dinheiro, para eles que não precisam pagar ou não sentem pagar o botijão de gás por R$90; não sentem pagar o litro de gasolina; não sentem pagar a conta de luz no final do mês. Não vai dar certo nem que eles queiram. Não tem jeito de dar certo neste País. É importante o mercado saber que o liberalismo econômico – ou o neoliberalismo – não dá certo no Brasil. O Brasil é um país que precisa de Estado forte. Então, eles têm de parar com as brincadeiras que estão fazendo na Petrobras e com a brincadeira que querem fazer na Eletrobras, na privatização. Eles têm de parar com isso, porque, se continuarem, cada vez mais, nós vamos para uma desestabilização social. Eles não vão conseguir colocar este País na pacificação. É isso que eles precisam entender. Então, acho brilhante o seu pronunciamento, inclusive perguntando o que certas figuras de governo pretéritos aos nossos hoje estão fazendo, falando de segurança pública, falando de desenvolvimento social, de que realmente não entendem. Tiveram que dar um golpe para voltar ao poder e, se quiserem continuar, vão ter que continuar dando golpe, porque, pelo voto popular, essa gente não ocupará novamente o Palácio do Planalto. Obrigada, Senador Requião.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/MDB - PR) – Desestabilização para eles, Senadora, é referendo revogatório.
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Fora do microfone.) – É isso.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/MDB - PR) – É a anulação de todas essas barbaridades cometidas pelo Governo que sucedeu o golpe parlamentar. Não há dúvida alguma de que o objetivo básico desse processo todo era liquidar o domínio brasileiro do petróleo.
Vi hoje pela manhã uma entrevista do Estrella, do nosso fantástico especialista, técnico da Petrobras, engenheiro, que viabilizou a descoberta do pré-sal. Ele deixava claro: a Petrobras foi criada para descobrir e refinar petróleo no Brasil, para viabilizar o desenvolvimento brasileiro, enquanto outras empresas, como a Shell, por exemplo, entram no negócio do petróleo para ganhar dinheiro. A Shell não investe em descoberta. Eles querem transformar, então, a Petrobras numa espécie de banco de desenvolvimento para viabilizar os lucros e os negócios das grandes empresas. O golpe foi dado para isso.
O pavor é esse, porque, com facilidade, um governo popular revoga todas essas medidas, devolve ao Brasil a dignidade e, com uma visão política keynesiana, retoma o desenvolvimento do País, como, em momentos de...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco Maioria/MDB - PR) – ... recessão, já fizeram no passado a Alemanha, com a sua nova política, os Estados Unidos, com o new deal. Não há grande dificuldade para fazer isso.
O risco, Senadora, é que agora começaram a gastar as reservas brasileiras para segurar essa crise – chamada crise – do aumento do valor do dólar, num momento em que a credibilidade do País no desenvolvimento industrial e as ações das empresas desabam. Seria importante que este Governo saísse duma vez do comando do Brasil e que nós retomássemos uma política séria de desenvolvimento.
A coisa está muito clara: não derrubaram a Dilma; abriram um espaço para a redução da soberania brasileira a praticamente nada, a nos transformar num acessório, um país de segunda linha, um produtor de commodities, uma escada para os grandes negócios das grandes petroleiras e para o interesse geopolítico de países militarmente e economicamente mais fortes do que o nosso.
Senador, mais uma vez, agradeço o tempo.