Discurso durante a 92ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Preocupação com a falta de políticas públicas voltadas à diminuição da violência no País.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Preocupação com a falta de políticas públicas voltadas à diminuição da violência no País.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2018 - Página 32
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • APREENSÃO, AUSENCIA, POLITICA PUBLICA, COMBATE, VIOLENCIA, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PROFESSOR, DIREITO CONSTITUCIONAL, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ASSUNTO, CRITICA, PROMOTOR DE JUSTIÇA, MOTIVO, ESTERILIZAÇÃO, MULHER, CONSENTIMENTO.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, venho a esta tribuna hoje para falar de um tema, que é a violência.

    Nós acabamos de ver o mapa da violência, o Atlas da Violência, em que vimos todas as mazelas, principalmente na questão das crianças, do estupro de vulneráveis, de meninos e meninas com menos de 13 anos. Esses vão ser os infratores, os menores infratores, que tanta gente odeia. E o único remédio que apresentam é reduzir a maioridade penal. Agora, um menino que é estuprado com 7 anos, 8 anos, se não tiver nenhuma assistência, nenhum tratamento, tem tudo para ser um infrator. Então, ninguém busca a causa, o por que de ele ser infrator. E acham que reduzir a maioridade resolve? Então, ele vai ser infrator com 10 anos, caso se reduza a idade para 10 anos, porque, se ele foi estuprado com 6, vai continuar tentando se vingar da sociedade que fez isso com ele. Não estou dizendo que são todos, mas uma boa parte age assim por isso. Dos 135 estupros por dia, metade serem de crianças é de envergonhar a gente, o País!

    E aí a gente se depara com a notícia – não aconteceu agora, recentemente, mas há dois, três meses – de que um promotor e um juiz fizeram a esterilização de uma mulher, na marra, sem que tenha sido consentida. Ela é uma moradora de rua.

    O promotor é de Justiça, para promover a justiça. Então, o que ele tinha que fazer era buscar solução para o problema social dessa mulher. E o juiz é de direito. Então, o juiz tinha que garantir os direitos dessa mulher como cidadã brasileira. Ela mora na rua certamente não porque quer. Agora, porque ela já tinha muitos filhos, eles se deram ao direito de esterilizá-la.

    Quero ler o artigo do Prof. Oscar Vilhena Vieira, publicado ontem, na Folha. Ele diz assim:

Janaina é uma mulher pobre, em situação de rua, e que tem filhos. Por isso um membro do Ministério Público entendeu que ela deveria ser esterilizada.

Como Janaina não consentiu ou voluntariamente se prontificou a realizar a cirurgia, o promotor propôs duas ações judiciais contra ela e o município de Mococa, com o objetivo de constrangê-la a realizar um procedimento de esterilização compulsória.

O juiz, sem sequer realizar uma audiência, nomear um defensor, ou exigir documentos que comprovassem o seu consentimento, determinou que a mulher fosse conduzida coercitivamente à cirurgia.

Quando o recurso do município chegou ao Tribunal de Justiça de São Paulo, a mutilação já havia ocorrido.

O caso é escatológico.

Em primeiro lugar, o promotor utilizou-se de uma ação civil pública, que é um instrumento voltado à proteção de direitos difusos, coletivos ou individuais indisponíveis, para destituir uma pessoa de seu direito à dignidade e à integridade, além de constranger o Município a praticar um ato manifestamente ilegal.

Basta lembrar que a Constituição expressamente proíbe que o Estado brasileiro interfira coercitivamente na decisão sobre paternidade, além do que a Lei 9.263, de 1996, regula o planejamento familiar e veda o controle de natalidade que tenha natureza demográfica.

Também causa perplexidade o fato de o magistrado, dada a condição de vulnerabilidade de Janaína, não ter nomeado um curador especial, no caso, um defensor público, que representasse seus interesses em juízo.

Conforme expresso no acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, a decisão que determinou a cirurgia foi proferida sem que Janaína fosse ouvida ou defendida e sequer uma audiência fosse realizada. Para coroar esse processo bizarro, a Justiça de primeiro grau determinou que Janaína fosse conduzida coercitivamente para o procedimento cirúrgico.

Aqui cumpre lembrar que essa é uma medida prevista no Código de Processo Penal apenas para testemunhas ou acusados que se negam a atender à intimação.

Aliás, por decisão liminar do Supremo, essa medida de natureza processual penal encontra-se suspensa. Nada disso foi empecilho para que o magistrado empregasse a condução coercitiva para impor a supressão de um direito fundamental dessa mulher.

A esterilização coercitiva com finalidade eugênica e apuração de raça foi largamente empregada pelo regime nazista. A China fez uso da esterilização coercitiva em massa para conter a natalidade; os Estados Unidos a empregavam para punir criminosos. Mesmo no Brasil, como foi apontado por uma comissão parlamentar de inquérito, em 1991, havia tolerância com a política de esterilização coercitiva em massa com finalidade demográfica.

Esse caso, ainda que possa ser considerado uma aberração jurídica, oferece uma amostra do impacto perverso que a profunda e persistente desigualdade causa sobre o reconhecimento das pessoas como sujeitos de direitos.

Embora o princípio da dignidade determine que todos devam ser tratados com igual respeito e consideração, a miséria e a marginalização parecem tornar largas as parcelas da nossa sociedade moralmente invisíveis no dia a dia, perdendo, na realidade, sua condição de sujeitos de direitos.

Que a contundente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que infelizmente não pode fazer o tempo voltar para Janaína, sirva de alerta e inspiração para quem tem por responsabilidade proteger direitos e não os violar.

Professor Oscar Vilhena, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

    Esse caso só vem demonstrar a discriminação da mulher. Eu fico me perguntando: será que eles pegariam um homem para fazer vasectomia e esterilizar na marra? E, se nada for feito, isso vai virar moda, porque eu me lembro que, em 1989, havia um presidenciável que defendia isto: para acabar com a pobreza no Nordeste, era só esterilizar as mulheres nordestinas. Era um presidenciável.

    Em pleno séc. XXI, as pessoas acharem um juiz, que é para defender o direito, para promover o direito, para garantir o direito; e um promotor, que é para promover justiça.... Então, justiça social era o trabalho dele, o que ele tinha que fazer.

    Mas a população de rua, neste País, é invisível. Ninguém quer ver, ninguém quer se preocupar. Parece que ela não existe. E não existe mesmo, porque o IBGE não conta, não tem endereço! O SUS não aceita, porque não tem endereço.

    Então, é difícil isso. É preciso que a gente leve isso a sério, porque não adianta, todo ano, sair um Atlas da Violência e ficar só no discurso. Não há políticas para essas pessoas. Então, aonde nós vamos chegar no próximo Atlas da Violência?

    Cento e trinta e cinco estupros por dia, metade em crianças. Doze feminicídios por dia – morte de mulheres porque são mulheres, por pessoas da sua afetividade. Esses são os casos notificados, porque há a subnotificação. Nós sabemos a dificuldade que os delegados têm de admitir que foi feminicídio, porque eles teriam de fazer um inquérito mais minucioso, mais trabalhoso, Então, é mais fácil jogar como crime comum. Então, tudo isso acontece.

    E cadê as políticas? E estamos fazendo o quê, enquanto Poder Legislativo, para minimizar essa situação?

    Então, era isso, Sr. Presidente, que eu queria trazer, porque esse caso é uma violência. É quase um estupro. Você esterilizar uma mulher na marra equivale a um estupro. E não podemos permitir que isso aconteça. E partindo de setores que tinham que proteger essa mulher.

    Agora, vem aí alguém dizendo que não, que ela consentiu... Já foram lá, onde ela está presa, porque ela foi dita como traficante, para dizer que ela consentiu. Quem sabe? Quem me garante que não foi lá alguém, para orientá-la a dizer que consentiu? Como é que precisou de uma ação civil pública? Se fosse consentido, não precisava de ação civil, e o Tribunal de Justiça de São Paulo não teria dito exatamente o contrário.

    Então, é preciso que atentemos para essa questão, porque é questão de direitos humanos que muita gente não quer ver.

    A Comissão de Direitos Humanos deste Poder aqui ainda hoje está lá, com não sei quantas vagas. As pessoas reivindicam as vagas para os seus blocos, e não nomeiam as pessoas para irem. Fazemos audiências públicas sobre esses assuntos, e ninguém vai lá. Só vão lá quando há um projeto polêmico para votar.

    Eu acho que vou usar essa tática, agora, de botar sempre uma polêmica na pauta, para ver se as pessoas comparecem à Comissão de Direitos Humanos, porque são sempre os mesmos que comparecem.

    Ela funciona. Hoje mesmo nós votamos vários projetos terminativos, não terminativos, vários requerimentos, mas é preciso que demos importância.

    Um bloco parlamentar que não preenche a vaga na Comissão de Direitos Humanos está dizendo que direitos humanos não são a sua pauta, que não se interessa por direitos humanos, porque passou pela cabeça das pessoas que direitos humanos é cuidar de bandido. Mas não. Lá se discute as questões das mulheres, dos indígenas, da população LGBT, dos negros – lá se discute de tudo – das comunidades quilombolas, que estão aí agora. Bem aqui há uma, aqui perto, da qual estão querendo tomar a terra, depois de reconhecida. O próprio Incra, que já reconheceu, agora quer tomar a terra.

    Então, tudo isso é discutido lá. Se as pessoas não vão lá, como é que vão saber que isso existe?

    Então, era isso.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2018 - Página 32