Discurso durante a 96ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Repúdio ao vídeo de brasileiros em visita à Rússia, os quais submeteram mulheres russas a situação de humilhação.

Defesa da legalização do aborto no Brasil.

Autor
Marta Suplicy (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Repúdio ao vídeo de brasileiros em visita à Rússia, os quais submeteram mulheres russas a situação de humilhação.
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Defesa da legalização do aborto no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/2018 - Página 30
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • REPUDIO, VIDEO, AUTORIA, CIDADÃO, ORIGEM, BRASIL, VISITA, LOCAL, PAIS ESTRANGEIRO, RUSSIA, MOTIVO, OFENSA, MULHER.
  • DEFESA, LEGALIDADE, ABORTO, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, DRAUZIO VARELLA, MEDICO, ASSUNTO, REALIZAÇÃO, PROCEDIMENTO, LOCAL, PAIS, BRASIL, MULHER, POBREZA, NEGRO, RESULTADO, DANOS, SAUDE.

    A SRª MARTA SUPLICY (Bloco Maioria/MDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Obrigada.

    Prezados Senadores e Senadoras, caros ouvintes da rádio e televisão brasileira, primeiro, eu quero falar de uma indignação de que fui tomada a partir de um vídeo que vi na televisão, na internet, em tudo que é lugar, de brasileiros fazendo pouco, humilhando uma moça. Vi vários: um com uma moça só, outro com várias moças russas, pedindo a elas para repetirem palavras que não repetiriam caso soubessem a que estavam se expondo. Eu senti uma enorme vergonha, uma enorme vergonha pela pessoa que fez isso, que se chama Diego Valença Jatobá, que é do Recife, em Pernambuco, e já foi Secretário de Turismo em Ipojuca, Município que compreende aquela região linda de Porto de Galinhas, no Estado nordestino. É inaceitável! É inaceitável!

    Eu espero que essas moças russas prestem queixa, porque, se elas o fizerem, eles vão ser deportados.

    Eu estou vendo aqui outros Senadores, todos estão olhando indignados, porque isso demonstra, em relação ao Brasil e a esse tipo de homem que, às vezes, a gente produz no País, algo que está muito errado. Vai um pouco na questão do jeitinho: "Vou tirar uma casquinha dessa mulher, fazendo-a passar uma situação humilhante." Só que ele não humilhou uma mulher, ele humilhou todas nós brasileiras e todos nós brasileiros.

    É isso que eu queria, primeiro, falar – um desagravo a essa cidadã russa.

    Depois, falar de uma notícia, e essa é melhor – melhor para outro país, para o nosso só faz a gente refletir sobre como a gente está a anos-luz. Eu lembro que, quando eu comecei a falar dessas questões, Senador Jorge Viana, Medeiros, Senadora Ângela, que também está ali, sobre a questão do aborto e a questão homossexual, do casamento guei, há mais de 20 anos, nós éramos anos-luz à frente da Argentina. Nós tínhamos um País muito menos conservador e respeitador de cidadania. E como isso foi se perdendo! É impressionante! Como o retrocesso no Congresso Nacional foi muito grande, a ponto de todas as leis referentes a direitos da mulher... Falando do direito reprodutivo, por exemplo, nós temos direito ao aborto em caso de estupro, em caso de risco de morte da mãe e anencefalia. Esse é um projeto meu que ficou lá pelas calendas da Câmara, nunca foi votado. Precisou de o Supremo se posicionar a favor do risco de a mulher que carrega um feto que pode... Pode, não; o feto anencefálico não vive, vai até o fim da gravidez, nasce e morre. Por que obrigar uma mulher a carregar nove meses, se ela assim não desejar? Ninguém vai obrigá-la a tirar esse filho.

    A outra questão também, a questão LGBT, a mesma coisa. Aqui no Brasil nós conseguimos ter uma parada guei bonita, mas sempre faltando tanta coisa, inclusive a possibilidade do casamento, que está aqui no plenário desta Casa, do Senado. Ele foi aprovado, por unanimidade, na CCJ e, a partir de oito assinaturas, ele veio parar aqui e está aqui parado, sendo que esse direito – esse projeto era de 2011, o mais antigo tem vinte anos – já foi um direito conquistado no Supremo. Quer dizer, aqui é simplesmente transformar em lei, uma lei que realmente dê esse direito, o que o Supremo já permite.

    Bom, mas o que eu estava falando era da Argentina, que, na semana passada, Senador, aprovou na Câmara, ainda falta o Senado, a possibilidade de a mulher fazer o aborto, e ela pode fazer o aborto, se não me engano, até a 14ª semana de gravidez. Não importa a circunstância.

    É uma coisa muito parecida com o que disse o Ministro Barroso na discussão, há uns meses, sobre a descriminalização do aborto, que foi uma discussão no Supremo. Ele se posicionou – e eu gostei muito, porque acho que é exatamente o que as mulheres que estão nessa luta há mais tempo desejam: você não precisa ter sido estuprada; você não precisa carregar um feto anencefálico; você não precisa estar em risco de vida... E eu acrescentaria: você não precisa ter apanhado; você não precisa ser pobre; você não precisa estar com problema emocional; você não precisa nada, a não ser você ser autorizada pela lei a ser dona do seu corpo, porque hoje nós não somos.

    A mulher hoje que quiser, não importa o motivo, no Brasil, ter a possibilidade de fazer um aborto dentro da lei não tem, a não ser naqueles três casos que eu mencionei. E, quando você vê o avanço nos outros países, você percebe como nós estamos ainda atrasados em relação aos direitos da mulher.

    Mas é mais sério do que só direitos, Senador Jorge e Senador Medeiros. Nós temos um problema de saúde enorme. Não é mais uma questão só de autonomia, direitos reprodutivos, assuntos com que nós lidamos há tantos anos, desde a grande conferência em Pequim, dos direitos da mulher. Mas hoje, no Brasil... Aliás, nessa semana que passou houve um artigo do médico Drauzio Varella muito bonito, em defesa da descriminalização do aborto, em que ele falava exatamente que as pessoas que fazem aborto no Brasil, a maioria delas é pobre, não tem a possibilidade de pagar uma clínica, porque as pessoas que têm recurso não morrem de aborto. Elas vão a uma clínica e conseguem fazer um aborto sem se estrepar. Se estrepar, eu digo, sem nunca mais poder ter um filho, porque uma mulher que faz um aborto no momento, não quer dizer que ela não queira ter um filho no momento em que for possível na vida dela, em que ele for ser acolhido. Agora, do jeito que nós temos hoje...

    Eu vi vários textos aqui também sobre a criminalização. Segundo a pesquisa da saúde, a criminalização do aborto atinge especialmente mulheres jovens, desempregadas ou em situação informal, negras, com baixa escolaridade, solteiras e moradoras de áreas periféricas, com perfil oposto ao que se pensa.

    Essas mulheres, muitas vezes, conseguem concluir o procedimento sem maiores problemas, mas outras, em um número muito maior, morrem ou ficam com sequelas muito graves para o resto da vida.

    E a gente tem de pensar que é uma coisa muito... Sei lá se é masculina, o que é, mas quando se pensa que a mulher não precisa fazer o aborto... Eu já ouvi coisas do tipo: "Ela dá a criança para doação." Está bom, mas você não quer dar a sua criança para doação. Você não quer ter uma criança naquele momento, você quer ter uma criança no momento em que vai cuidar dela, em que ela é bem-vinda, você não quer alguém que vai ser pai e mãe dela. Não quer e tem todo direito de não querer. Agora também dizem: "Ah, agora ficou grávida, agora se dane, fique com a criança!"

    Gente, a criança vai ficar com aquela mãe, e aí se vai ouvir muitas vezes o médico dizer: "Bem-feito, quem manda, foi lá fazer farra" e muitas vezes não ocorre isso, muitas vezes a pessoa tem um DIU que não funcionou, que saiu do lugar; muitas vezes a pílula foi esquecida. Ocorrem situações em que a pessoa até cuidadosa, mas, naquele momento, não foi, naquele momento aconteceu, e não adianta a gente dizer: "Comigo não vai acontecer porque eu sou toda certinha." Bom, eu quero perguntar agora para você, honestamente, que está nos escutando...

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (Bloco Maioria/MDB - SP) – ... quantas pessoas você conhece – não precisa ser da sua família – amigos, filhos, pode ser da família também, conhecidos, vizinhos que nunca fizeram um aborto? Em que condições essas pessoas fizeram e por que teve de ser assim? E, em relação a isso, nós estamos no Brasil em uma situação muito, muito atrasada e com muita possibilidade de retrocesso. Nós temos de estar muito firmes de que não só lutaremos para não haver retrocesso, mas lutaremos pela descriminalização do aborto.

    Obrigada, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/2018 - Página 30