Pronunciamento de Jorge Viana em 21/06/2018
Discurso durante a 98ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Críticas à atuação do governo americano em separar famílias de imigrantes ilegais na fronteira dos Estados Unidos com o México.
- Autor
- Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
- Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
- Críticas à atuação do governo americano em separar famílias de imigrantes ilegais na fronteira dos Estados Unidos com o México.
- Publicação
- Publicação no DSF de 22/06/2018 - Página 33
- Assunto
- Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
- Indexação
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- CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), RELAÇÃO, POLITICA, IMIGRAÇÃO, SEPARAÇÃO, CRIANÇA, PAIS, PRISÃO, LEITURA, CARTA, AUTORIA, ORADOR, REMESSA, EMBAIXADA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, FATO.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Paulo Paim, mais uma vez eu queria cumprimentar todos que nos acompanham pela Rádio e TV Senado, nesta quinta-feira de trabalho intenso. Eu cedo comecei aqui, na Comissão de Relações Exteriores, da qual sou Vice-Presidente, e que presidi durante uma parte.
O que me traz à tribuna, Senador Paulo Paim, são dois assuntos.
Primeiro, todos nós estamos na expectativa de, já amanhã, a Seleção Brasileira melhorar o seu desempenho na Copa – eu, como bom botafoguense. Ainda bem que aqui na tribuna não vão chegar aqueles que vão dizer assim: "Segue o líder", porque não aguento mais essa turma, os companheiros flamenguistas que me pegam no pé o tempo inteiro. No meu Estado, então, aonde eu chego, sabendo que sou botafoguense e que o Botafogo sofre um pouco mais que os outros – um pouco mais não, a gente sofre é muito mesmo – e agora, com o Flamengo de líder, eles ficam a toda hora: "Segue o líder." Eu falei: olha, cuidado, tem 32 rodadas ainda pela frente. Mas, enfim, vocês estão virando quase botafoguenses, porque o Botafogo é que comemora antes porque depois não aguenta segurar. A praia é sempre muito longa para o Botafogo.
Mas estou me referindo a um período de Copa do Mundo, quando todos nós temos a expectativa de que o Brasil se saia bem. Eu falei até nas redes sociais que nós temos os melhores jogadores dos melhores times do mundo e é óbvio que nós temos a expectativa de o nosso País ganhar o hexa.
Ali na minha quadra, na 309, a comercial está muito bonita. Eu até a fotografei hoje cedinho, quando eu passei. Todo mundo nessa esperança, lá em Rio Branco. Visitei a rua, lá na quadra, a rua da tia Almira, onde tem um número grande de moradores e que todo ano ganha, inclusive, o prêmio da rua mais festejada, melhor ornamentada. E lá está nas pessoas, está nas famílias, nas casas. Quero dar um abraço em todo mundo. Fizeram uma homenagem para a minha tia, que faz muita falta como moradora tradicional daquela rua.
Mas nós estamos diante, Senador Paulo Paim – e a notícia só se amplia – do vexame que brasileiros deram e estão dando – alguns poucos, felizmente – na Rússia, com uma ação machista, absolutamente inaceitável, atingindo a honra de mulheres, não só das russas, mas de todas as mulheres do mundo e dos homens também, numa atitude intolerante, preconceituosa, odiosa, que eles tentaram transformar em brincadeira, e, agora, virou caso sério.
E acho, sim, que todos nós temos que tirar lições disso tudo. Essas redes sociais parecem uma tentação. Todo mundo quer ficar famoso, todo mundo quer, de algum jeito, ter o seu momento de estrela, para brilhar. E alguns estão se mostrando, mostrando a sua face verdadeira. Estou vendo agora que outros também, de outros países, estão na mesma situação.
Hoje eu vi o noticiário – felizmente, isso é bom – e a imprensa nacional, jornalistas todos, todos nós, procuram demonstrar que essa conduta precisa ser condenada. Imaginem: brasileiros saem daqui e, em vez de levarem a alegria do nosso País para o povo russo, para os outros que, de toda parte do mundo, estão lá com o mesmo propósito de disputar uma competição que é uma das que tem maior audiência no Planeta, a Copa do Mundo – como esporte individual, é uma das maiores; bilhões de pessoas assistem –, ganham as páginas das mídias sociais, da imprensa internacional, por conta da agressão, do machismo que transpiram. É isso que dá. No Brasil, esse ambiente de intolerância, de todos contra todos termina levando as pessoas a cometerem esse tipo de atitude que precisa ser repreendida. Todos precisam refletir bem e ver que isso não é da cultura do Brasil. Esse é um comportamento que precisa ser tratado com repreensão. Que a gente possa definitivamente entender que o mundo só fica pior com atitudes como essa.
Sr. Presidente, outra questão também muito importante que eu trago é resultado, inclusive, de uma manifestação que eu fiz hoje na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional – a Senadora Vanessa também havia apresentado um requerimento. Aliás, ela havia apresentado uma proposta de moção de repúdio, e eu queria aqui, no plenário do Senado, reproduzir a minha manifestação. Foi-me dada a honra, pelo Plenário da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado brasileiro, de apresentar uma proposta, de fazer uma redação de manifestação reprovando, condenando a atitude do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O mundo ficou chocado, inclusive o Papa Francisco; os americanos e os governos mundo afora ficaram chocados quando a imprensa internacional e a imprensa brasileira divulgaram que ele, na sua política de tolerância zero com imigração, resolveu, Senador Paulo Paim, que preside esta sessão, enjaular crianças, apartar crianças de seus pais, prendendo os pais e pondo dentro de jaulas crianças de dois, três anos de idade. São cenas deprimentes, coisa do mundo medieval. Não cabe mais isso no mundo de hoje.
Eu acho que a sociedade, de fato, está doente, o mundo está doente. Não é possível. Há gente sofrendo, passando necessidade, e não há uma pessoa para estender a mão, para fazer um gesto generoso, um gesto de solidariedade. Todo mundo só cobra os seus direitos. Todo mundo quer ter autoridade, quer andar com uma arma para atirar, para matar. As pessoas estão se matando. E, na nação mais rica do mundo, ele resolve adotar uma medida que é contrária à história do povo americano. Os Estados Unidos nasceram da imigração – eles são o melhor exemplo. É aquela história do sonho americano. Sempre foi assim.
Eu queria, Sr. Presidente, para concluir, dizer que fiz uma nota – com a colaboração do Marcelo Zero, a quem eu quero agradecer muito –, que eu pediria que constasse nos Anais do Senado. V. Exª é Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Eu acho que até vale a pena nós aprovarmos lá também, na Comissão de Direitos Humanos, essa nota.
O nosso propósito é fazer com que essa nota da Comissão de Relações Exteriores – eu vou propor que o Senado Federal, o Plenário, a aprove na semana que vem – possa chegar à Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, possa chegar à Embaixada dos Estados Unidos aqui, em Brasília.
Eu queria fazer a leitura dessa nota, que, sinceramente, traz um pouco de emoção e fundamentos que podem servir para uma reflexão que todos nós precisamos fazer: se nós não estamos também caindo nessa armadilha de todos contra todos, da intolerância, do ódio ou se nós estamos sendo generosos.
Eu estive no Japão em uma missão oficial. O povo japonês briga para dar a vez para os outros, para, de algum jeito, ter um gesto educado com outra pessoa. Eles brigam – no bom sentido – para limpar. Veja: quando vieram à Copa aqui, terminava uma partida, eles pegavam sacos e saíam coletando o lixo que outros tinham deixado, dando um exemplo. No Japão, eles praticam a "gentileza gera gentileza". Eles lutam para dar a vez para você. Aqui no Brasil, é na porta do avião, é no corredor do avião, é na rua, é no corredor, é um querendo passar na frente do outro o tempo inteiro. Isso não faz, não constrói uma sociedade melhor. Ao contrário.
Eu sei que há gente que até defende as atitudes do governo americano. De algum jeito, eu respeito, mas está errado. Vamos refletir melhor nessa lógica.
Nós tivemos, Senador Paim, quase 50 mil haitianos passando pelo Acre. Eles vinham fugindo de um desastre natural no Haiti, o terremoto, uma das nações mais pobres do mundo. Eles saíram de lá gastando o que não tinham. Cada família – todos negros, descendentes de africanos – juntava um dinheirinho e escolhia o melhor deles do ponto de vista da formação: "Vá para o Brasil trabalhar [na época, o pleno emprego no Brasil] para ganhar algum dinheiro para ajudar a família a sair da miséria." Chegaram ao Acre, na fronteira com o Peru. O Governador Tião Viana acolheu. A gente dava abrigo lá em Brasileia, comida para eles, um ato humanitário. Havia gente no Acre que criticava: "Estão ajudando os outros quando podiam estar ajudando os nossos." Gente, nós somos todos seres humanos, não importa onde nascemos, a cor, a raça. E, para quem acredita em Deus, todos somos filhos de Deus.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Permita-me só dizer que, como membro da Comissão de Direitos Humanos, eu acompanhei e quero aqui de público também dar o testemunho do belíssimo trabalho feito pelo Senador Tião Viana e por V. Exª.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Depois, ouvi dizer que nós estávamos exportando, que o Governador estava exportando haitianos para São Paulo. Tenha dó! Essa insensatez, essa insensibilidade é muito ruim.
Só que agora é a nação mais rica do mundo. Quer dizer, o meu Estado, que é um Estado pobre, que tem um povo trabalhador – eu tenho muito orgulho de ser do Acre, de meus pais serem do Acre, de meus avós serem do Acre –, mas que ainda tem muito a prosperar, conseguiu acolher lá. E a nação mais rica do mundo não pode, não quer?
Eu vou ler a nota que fiz, com a ajuda do Marcelo Zero, a quem agradeço mais uma vez, uma nota que, modéstia parte, certamente, vai compor um posicionamento nosso neste momento tão importante:
Os Estados Unidos da América têm uma vasta tradição de acolhimento de imigrantes. Trata-se, na realidade, como muitos outros países do continente americano, inclusive o Brasil, de uma nação que foi construída com o imprescindível trabalho e esforço de imigrantes vindos de todo o mundo.
Eu chamo a atenção para esta parte da nota, Presidente, Senador Paim:
Um dos seus principais símbolos, a Estátua da Liberdade, tem, em sua base, as seguintes frases:
Lá na Estátua da Liberdade, ou todo mundo conhece, porque já foi lá, ou todo mundo já viu uma fotografia, ou todo mundo de algum jeito já ouviu falar. Lá era onde os navios com os imigrantes aportavam, ali embaixo da Estátua da Liberdade, em Manhattan. Olha o que é que está escrito, eu reproduzi aqui, Sr. Presidente e todos que me acompanham pela Rádio e pela TV Senado, na base da Estátua da Liberdade, que talvez o Presidente Trump deveria ler, deveria levar os seus ministros a fazer a leitura. Quem sabe com isso ele mudaria de atitude e de posição.
As frases que estão escritas embaixo da Estátua da Liberdade nos Estados Unidos:
"Dai-me os seus fatigados, os seus pobres,
As suas massas encurraladas ansiosas por respirar liberdade,
O miserável refugo das suas costas apinhadas. "
Olha o que é que diz:
"Dai-me os seus fatigados, os seus pobres,
As suas massas encurraladas ansiosas por respirar liberdade
O miserável refugo das suas costas apinhadas. "
Seguem as frases:
"Mandai-me os sem abrigo, os arremessados pelas tempestades,
Pois eu ergo o meu farol junto ao portal dourado. "
Ou seja, lá na Estátua da Liberdade está escrito: manda para cá os pobres, os que foram arremessados pelas tempestades, aqueles que não têm nada, que estão na miséria. Manda para cá, para a América, que eu ergo o meu farol junto ao portal dourado. Sabe o que é isso? Eu dou as boas-vindas. Está escrito na Estátua da Liberdade, símbolo dos Estados Unidos. E o Presidente Trump ou não lê, ou não leva em conta a história desse país, que está diretamente ligada a receber pessoas de toda parte do mundo.
Da mesma forma [segue a nota], os Estados Unidos sempre foram referência mundial, no que tange à defesa dos direitos humanos (...), e têm uma Constituição que figura entre as mais libertárias do mundo.
Isso é um fato. Depois, obviamente, da guerra civil que eles viveram.
Por isso mesmo, chocou-nos tomar conhecimento da política de "tolerância zero" da administração Trump, em relação aos imigrantes não documentados, a qual incluía até mesmo a odiosa prática de separar os imigrantes de seus filhos, felizmente agora parcialmente revertida.
Por todo o Planeta, difundiram-se as imagens de crianças, muitas delas de tenra idade, enjauladas em alambrados improvisados com colchonetes no chão e cobertores de papel de alumínio servindo como único consolo à traumática separação forçada de seus progenitores. Também foram difundidos vídeos e gravações do choro desesperado de pequenas crianças [algumas de dois anos] clamando pela presença de seus pais e mães.
Essas crianças, inclusive 49 [até agora identificadas] (...) brasileiras, sofrem um trauma psicológico que poderá deixar sequelas por todas suas vidas.
Inevitavelmente, tal prática provocou reação nacional e internacional de vastas proporções.
A ONU e a Unicef vinham denunciando a prática, que classificavam de "desumana". A diretora-executiva do Unicef, Henrietta Fore, afirmou, em comunicado oficial, que [abro aspas] "parte o coração ver como crianças, alguns deles bebês, que buscavam refúgio nos Estados Unidos são separados dos seus pais" [fecho aspas]. Entidades médicas norte-americanas alertaram para os "danos irreparáveis" que a separação forçada pode ter sob as crianças.
O próprio Papa Francisco também manifestou seu repúdio à prática odiosa. Em entrevista, o Papa afirmou apoiar a declaração dos bispos norte-americanos, que classificam a separação de pais e filhos de "imoral" e "contrária aos valores cristãos".
Muito embora tal prática já tenha sido parcialmente revertida pelo presidente Donald Trump, preocupa-nos a continuidade da política de "tolerância zero", em relação aos imigrantes. Com tal política, essas pessoas, que procuram apenas uma oportunidade de trabalho e de sobrevivência digna, são equiparadas a criminosos [Senador Paim].
Salientamos que ativistas e acadêmicos de todo mundo vêm há anos denunciando o tratamento inadequado da questão migratória e prevendo os riscos para os Direitos Humanos da ampliação de políticas restritivas. Com efeito, os imigrantes e os refugiados vêm sendo transformados, a bem da verdade, em bodes expiatórios da crise mundial.
Trata-se, a nosso ver, de uma visão completamente equivocada da questão migratória, incompatível com os tratados internacionais de direitos humanos e com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951.
Em nosso entendimento, o mundo em crise não precisa de muros e da criminalização de imigrantes e refugiados. Muito menos de cárceres para crianças inocentes. O mundo precisa de mais diálogo, mais entendimento e mais comércio. O mundo precisa, urgentemente, de mais respeito aos direitos [...] [humanos]. Sobretudo, o planeta precisa da generosidade e da solidariedade inscrita nos dizeres da Estátua da Liberdade.
Por tudo isso, sugerimos ao governo dos Estados Unidos que modifique a sua política imigratória e cesse de criminalizar os imigrantes e suas famílias. Acreditamos que todos ganharão com isso...
(Soa a campainha.)
O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) –
... especialmente os Estados Unidos, que [...] [receberam e que recebem] pessoas que querem apenas trabalhar em paz e contribuir para o desenvolvimento do país que os acolheu.
Os EUA tornaram-se grandes, graças a pessoas como essas, que acreditaram no sonho americano.
E conclui a nota, Sr. Presidente:
Esperamos que os Estados Unidos respeitem a sua extraordinária e inspiradora tradição de país acolhedor, generoso e modelo de defesa dos direitos humanos.
É essa a nota, Sr. Presidente, que eu gostaria que constasse dos Anais. Estamos providenciando, para que ela possa chegar à Embaixada dos Estados Unidos e possa ser enviada também oficialmente para a Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, porque há um movimento dentro do Congresso americano contrário a essa política de segregação, que envergonha a civilização, quando nós estamos vendo famílias sendo separadas e as crianças, os inocentes enjaulados pela mais rica nação do mundo. São 2,3 mil crianças agora que estão nessa condição.
E acho que todo mundo, não importa onde esteja, nas redes sociais, num pronunciamento, numa atitude, não ficando indiferente com o que está ocorrendo, pode dar sua contribuição para um mundo melhor, um mundo mais solidário, um mundo mais justo.
Obrigado, Sr. Presidente.
DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR JORGE VIANA.
(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)
Matéria referida:
– Nota da CRE.