Discurso durante a 103ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões a respeito dos acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos, em que filhos de imigrantes ilegais eram separados de seus pais e encarcerados pela imigração.

Solicitação, à Câmara dos Deputados, da votação do Projeto de Lei do Senado nº 64, de 2018, que “disciplina o regime de cumprimento de pena privativa de liberdade da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, bem como sobre a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar das mulheres na mesma situação.”

Autor
Simone Tebet (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Simone Nassar Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Reflexões a respeito dos acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos, em que filhos de imigrantes ilegais eram separados de seus pais e encarcerados pela imigração.
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Solicitação, à Câmara dos Deputados, da votação do Projeto de Lei do Senado nº 64, de 2018, que “disciplina o regime de cumprimento de pena privativa de liberdade da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, bem como sobre a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar das mulheres na mesma situação.”
Publicação
Publicação no DSF de 04/07/2018 - Página 28
Assuntos
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MOTIVO, SEPARAÇÃO, PAI, MÃE, FILHO, SITUAÇÃO, ILEGALIDADE, IMIGRAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), ASSUNTO, PRISÃO DOMICILIAR, MULHER, CONDENADO, PRISÃO PREVENTIVA.

    A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/MDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Obrigada, Sr. Presidente.

    Srªs Senadoras, Srs. Senadores, sei que vivemos no País um momento muito grave, um momento em que há muitos problemas pontuais para serem resolvidos, inclusive, por esta Casa, problemas locais, problemas nos nossos Estados, problemas regionais e mesmo problemas nacionais, mas permitam-me aqui uma breve reflexão, que, confesso, brota muito mais do meu coração do que da minha mente.

    Eu não consigo sequer imaginar como deve ser o sono de um ser humano que retira dos braços de outro ser humano a sua cria frágil e indefesa e a coloca numa jaula, separando, assim, ambos, pais e filhos, tratando-os como verdadeiros animais.

    Eu só sei de uma coisa: esse não pode ser o sono dos justos. Eu ouso imaginar – acredito até que, como mãe, tenho certeza do que digo agora – qual é o sentimento de um pai ou de uma mãe, o desespero de sair do seu país de origem, de fugir do seu país de origem, para buscar, em outro local, terra desconhecida, diante das incertezas, de abandonar tudo que tem, melhores dias em outras terras. Tenho certeza de que o que move essas pessoas é a extrema necessidade – necessidade gerada da fome, da miséria, do desemprego, da guerra, da perseguição. Esse sono, sem dúvida nenhuma, desses pais, juntamente com seus filhos, é o sono dos desesperados.

    Claro que falo, como óbvio, dos acontecimentos recentes dos Estados Unidos, no episódio conhecido pelo mundo como o episódio dos meninos enjaulados do Texas. E por que estou falando disso neste momento, nesta tarde? Porque mais um capítulo dessa novela triste, mas real aconteceu no final de semana.

    Um juiz federal teve a coragem, nos Estados Unidos, de liberar uma mulher brasileira e seu filho, alegando que, por uma série de princípios contra a humanidade, pela violação desses princípios, não se pode separar dessa forma criança e mãe. E nesse episódio, nesse final de semana, nós tivemos conhecimento: nós não estamos falando apenas de 58 crianças brasileiras separadas, arrancadas de seus pais e de suas mães, de forma violenta e injusta; nós estamos falando de 2,3 mil crianças que foram separadas nos Estados Unidos, fruto dessa política de tolerância zero contra a imigração ilegal no Governo Trump.

    Ora, senhoras e senhores, nós poderíamos resumir todo o episódio na cena que vimos, na televisão, de uma âncora do jornal de uma TV americana que, acostumada já a relatar, por dever de ofício, de forma imparcial, retirando toda a parte de sentimento de episódios tão bárbaros quanto, não se conteve em lágrimas e, ao vivo, não conseguiu ler a matéria.

    Nós estamos diante de um estado de calamidade mundial. Nós estamos evoluindo, ou melhor, involuindo nos preceitos mais básicos da civilização. Estou falando aqui da falta, no governo americano, de fraternidade, de solidariedade, até de piedade e de amor.

    Mas o que me traz a esta tribuna é a constatação de que esses meninos do Texas não são apenas do Texas. O Texas é aqui, o Texas está no Oriente Médio. Nós temos meninos e meninas nas mesmas condições ou em condições similares no Brasil e no mundo, nas balsas improvisadas que sucumbem perante a profundidade do Mar Mediterrâneo e que matam milhares de refugiados, nos campos de refugiados hoje criados em países europeus. Nós temos as crianças do Texas nas favelas do nosso País, nos bairros mais humildes, quando tiramos a inocência dessa criança através da violência sexual, quando não damos para as nossas crianças e os nossos filhos melhores oportunidades, quando tiramos delas hoje, muitas vezes, miseráveis, a esperança.

     Casos como esse, senhoras e senhores, e essa é a razão da minha fala, não podem apenas nos emocionar e nos indignar. Casos como esses precisam de ação. É verdade que nada podemos. Como não podemos fazer nada em relação àquele menino de três anos, Alan, naquela foto que também viralizou na rede social, carregado, já morto, por um soldado egípcio. Ele, a mãe e outro irmão faleceram, fugindo da guerra e tentando novos ares.

    É claro que não podemos fazer, no Senado Federal, infelizmente nada no que se refere a tantas guerras civis, mas podemos, sim, fazer muito em relação à guerra civil não declarada no País. E estamos fazendo.

     Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, num habeas corpus coletivo, estabeleceu que toda mãe encarcerada, gestante ou com filhos até 12 anos que ainda esteja esperando uma sentença na cadeia deve ser colocada em regime domiciliar, é claro, desde que não faça parte de organização criminosa, nem seja nociva à sociedade, para não separar filhos e mãe. Aguardar a decisão da sentença em regime domiciliar, como a maioria das pessoas de posse e primárias, muitas vezes, fazem. Mas essa decisão do Supremo – aí, sim, é obrigação nossa, é nosso dever e nossa responsabilidade – não está sendo cumprida por metade dos juízes ou das decisões judiciais. O Supremo deu até abril deste ano para que o Judiciário soltasse, imediatamente, as mulheres nessas situações, e juízes, por medo ou, muitas vezes, resistindo por falta de conhecimento ou de sensibilidade, ainda permitem que essas mulheres permaneçam encarceradas.

    Cabe à Comissão de Direitos Humanos desta Casa e mesmo ao Senado Federal, não só solicitar informações do próprio Conselho Nacional de Justiça e pedir esclarecimentos, mas atuar de forma direta.

    Nosso projeto, aprovado por unanimidade no Senado Federal, que transforma em lei uma decisão do Supremo nesse sentido, encontra-se dormitando na Câmara dos Deputados. Aqui eu rogo a sensibilidade dos Deputados e Deputadas para que não deixem dormir e não deixem engavetar um projeto dessa relevância. Nós não estamos falando de mães encarceradas. Nós estamos falando de filhos, Senador Lindbergh, que nascem dentro de um cárcere sujo, de um cárcere impróprio. A primeira grade que essa criança, esse bebê vê não é a grade de seu berço, mas as grades de uma cela. A sua certidão de nascimento não é de nascimento, é uma sentença, porque ela acaba sendo condenada junto com essa mãe.

    Enfim, é o apelo que faço aqui à Câmara dos Deputados: que transforme em lei esse projeto para que não tenhamos aqui meninas e meninos, crianças enjauladas também nas penitenciárias e nos presídios brasileiros. O Texas, como disse, também é aqui. Cabe a nós – é a nossa responsabilidade, cuidando dos nossos, atuando de uma forma cristã –, acima de tudo, mais que como Parlamentar, mas como seres humanos, acabar ou diminuir com esse sofrimento. Afinal, nós temos que combater esse sofrimento sem trégua, porque só a humanidade, atuando em conjunto, pode garantir à própria humanidade um destino que possamos chamar de efetivamente humano.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/2018 - Página 28