Discurso durante a 105ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à proposta de alteração terminológica prevista no Projeto de Lei nº 6.299, de 2002, que substitui o termo agrotóxicos por pesticidas.

Autor
Fernando Collor (PTC - Partido Trabalhista Cristão/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO:
  • Críticas à proposta de alteração terminológica prevista no Projeto de Lei nº 6.299, de 2002, que substitui o termo agrotóxicos por pesticidas.
Publicação
Publicação no DSF de 10/07/2018 - Página 7
Assunto
Outros > AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO
Indexação
  • CRITICA, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), ASSUNTO, SUBSTITUIÇÃO, PALAVRA, AGROTOXICO, ROTULO, PRODUTO, SUBSTANCIA, CANCER, FACILITAÇÃO, REGISTRO, COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO NACIONAL DO CANCER, PROPOSTA, PERIGO, SAUDE, POPULAÇÃO, DOENÇA CRONICA, ANUNCIO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), TOXICO, PAIS, BRASIL.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Exma Srª Senadora Ana Amélia, Presidente da sessão de hoje do Senado da República, Srªs e Srs. Senadores, em 1990, tive o orgulho e a satisfação, como Presidente da República, de sancionar a Lei 8.078, o Código de Defesa do Consumidor. São quase três décadas de uma das mais representativas leis em vigor no País. Além de constituir um marco nas relações de consumo no âmbito do comércio e da prestação de serviços no setor privado, desde o início mostrou-se eficaz em sua aplicação e totalmente incorporado às expectativas e condutas da sociedade brasileira. Não há, assim, controvérsias quanto ao seu significado para a consolidação de nossa democracia e do próprio Estado de direito.

    Contudo, Srª Presidente, o que temos visto, nos últimos anos, é uma nítida tentativa de esvaziamento dos seus princípios, conceitos e garantias, especialmente no que se refere aos direitos e à proteção da população, sempre o elo mais fraco nas relações de consumo. Trata-se de um retrocesso normativo empreendido por aqueles que só enxergam o lucro como razão maior de suas atividades, sem nenhuma preocupação quanto às consequências sociais de suas ambições.

    Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não bastasse o que temos visto para desidratar o Código de Defesa do Consumidor, estamos presenciando agora uma nova tentativa que, se aprovada, afetará diretamente a saúde e a segurança da população brasileira. Trata-se do Projeto de Lei 6.299, de 2002, que dispõe sobre registro, fiscalização e controle dos agrotóxicos no País, recentemente aprovado numa comissão especial da Câmara dos Deputados.

    Conhecido como o "pacote do veneno", o projeto prevê a alteração do termo "agrotóxicos" para "pesticidas", facilitando assim o registro de produtos cuja fórmula, em alguns casos, utiliza substâncias consideradas cancerígenas pelos órgãos reguladores. Ou seja, retirar das embalagens a expressão "agrotóxico" é, na prática, adulterar a venda de venenos nocivos, claro, à saúde pública. Isso é inadmissível, Srª Presidente!

    O novo texto da matéria prevê também que os órgãos de fiscalização, como o Ministério da Agricultura, a Anvisa e o Ibama, passam a, abro aspas, "analisar e, quando couber, homologar os pareceres técnicos apresentados nos pleitos de registro", fecho aspas. Ou seja, o projeto permite que pesticidas possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura, mesmo antes de o Ibama e a Anvisa concluírem suas análises.

    De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, o perigo é que essa modificação colocará em risco as populações – sejam trabalhadores da agricultura, residentes em áreas rurais ou consumidores de água ou alimentos contaminados –, pois acarretará na possível liberação de agrotóxicos responsáveis por causar doenças crônicas extremamente graves e que revelam características mutagênicas e carcinogênicas.

    Por mais que os defensores do projeto aleguem que tais alterações visam tão somente a dar celeridade ao processo de liberação do uso do agrotóxico, o fato é que o grave risco de suas consequências à saúde do consumidor, por si só, já justifica a recomendação pela rejeição da matéria.

    É o mesmo caso do chamado registro especial temporário, a ser dado em 30 dias para os produtos que estejam autorizados em pelo menos três países membros da OCDE. Mesmo havendo países da organização que são referências no uso de agrotóxicos, há de se lembrar também que existem os que possuem regulações precárias. Portanto, a simples exigência de três países não é nenhuma garantia para se liberar um produto nocivo à incolumidade pública. No mesmo sentido, vai a previsão de liberação temporária em dois anos de substâncias cuja análise não tenha sido concluída, ainda que os efeitos do produto sejam desconhecidos.

    Srª Presidente, mesmo antes dessa absurda proposta de flexibilização do uso de defensivos agrícolas, o Brasil já é considerado o maior consumidor do Planeta de agrotóxicos e de produtos envenenados, incluindo aqueles proibidos nos países mais desenvolvidos. De acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), cada brasileiro consome, em média, 5,2 litros de agrotóxicos por ano, um número considerado elevadíssimo para os padrões internacionais. Além disso, para a mesma entidade, 22 dos 50 agrotóxicos utilizados no Brasil são proibidos na Europa.

    Outro dado alarmante é fornecido pela Organização Mundial da Saúde, que afirma que, por ano, ocorrem 70 mil intoxicações agudas e crônicas por agrotóxicos em países em desenvolvimento, como o Brasil. Segundo estudo do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2015, nosso País registrou 84.206 notificações de intoxicação por agrotóxico. Já para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre 2000 e 2012, houve um aumento de 288% no uso de pesticidas no Brasil. E mais: segundo a Anvisa, 70% dos produtos in natura comercializados estão contaminados por agrotóxicos. E pior, desse total, 28% por substâncias não autorizadas.

    Em síntese, o PL 6.299 constitui uma verdadeira agressão ao consumidor, na medida em que precariza os protocolos simplesmente para atender aos interesses de um segmento econômico, em detrimento do direito da população de consumir produtos saudáveis. Trata-se de um direito claramente previsto no Código de Defesa do Consumidor, em vários de seus dispositivos. Basta citar:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios [e aí vem no inciso II]:

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II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

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d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

    Em outra parte, o Código de Defesa do Consumidor fala, no seu art. 6º.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

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III - a informação [do produto] adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem" [são exigidos];

    Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em que pese admitirmos alguns avanços que o projeto promove e o longo tempo de sua discussão, especialmente na Câmara dos Deputados, é fato que, naquilo que afronta o Código de Defesa do Consumidor, a matéria terá que ser revisada com lupa – terá que ser revisada com lupa – pelo Senado Federal. Aqui precisaremos buscar alternativas administrativas para dar celeridade à homologação dos pareceres técnicos para fins de registro de pesticidas, sem, contudo, colocar em risco a saúde e a segurança da população.

    Há, de fato, a necessidade de atualização da legislação referente ao registro de agrotóxicos, até mesmo para o Brasil se adequar aos próprios acordos e tratados internacionais que assinou sobre o tema. Porém, isso não pode se dar, de forma alguma, às custas da restrição ou flexibilização de direitos inalienáveis do consumidor, principalmente aqueles garantidores da saúde pública.

    Era o que tinha a dizer, Srª Presidente, Ana Amélia, senhoras e senhores.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/07/2018 - Página 7