Discurso durante a 105ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a falta de credibilidade das instituições brasileiras e levantamento dos desafios que devem ser enfrentados pelo Congresso Nacional na próxima Legislatura.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONGRESSO NACIONAL:
  • Preocupação com a falta de credibilidade das instituições brasileiras e levantamento dos desafios que devem ser enfrentados pelo Congresso Nacional na próxima Legislatura.
Publicação
Publicação no DSF de 10/07/2018 - Página 24
Assunto
Outros > CONGRESSO NACIONAL
Indexação
  • PREOCUPAÇÃO, AUSENCIA, CONFIANÇA, ORGÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, COMENTARIO, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, REFORMA, JUDICIARIO, ALTERAÇÃO, SISTEMA DE EDUCAÇÃO, ENSINO MEDIO, IGUALDADE, EDUCAÇÃO, REGISTRO, NECESSIDADE, PROCESSO, AUTOMAÇÃO, INDUSTRIA, DEFESA, IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, MELHORIA, PRODUÇÃO.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, o que nós vimos ontem, Senador, realizado, feito pelo Sistema Judiciário Brasileiro, é prova de um caos que estamos atravessando no Brasil e, sobretudo, é prova de que cada gesto que nós, as autoridades brasileiras, do Poder Executivo, Judiciário, Legislativo, realizamos, cada gesto aumenta a falta de credibilidade nas instituições brasileiras. Não é o primeiro passo, Senador Elmano, não foi o primeiro gesto; é uma sucessão de gestos que estão levando o povo brasileiro a desconfiar absolutamente das instituições.

    Nós vimos juízes batendo a cabeça – nem vou discutir aqui qual tem razão –, nós vimos juízes politizando questões que deviam ser jurídicas, nós vimos que no Brasil de hoje o resultado do julgamento depende da sorte do réu em cair nas mãos de um juiz ou de outro juiz. Isto é inacreditável que esteja acontecendo numa situação democrática: os réus têm os resultados de suas sentenças, boas ou ruins, conforme o juiz que está no momento, seja para um lado, seja para o outro, e não venham dizer que foi a primeira vez ontem. Isso está se generalizando. Estamos perdendo, ou já perdemos, a confiança no Poder Judiciário também.

    Há uma falta de credibilidade total nas instituições, a tal ponto que um dos candidatos a Presidente propôs nomear mais 15 juízes para o Supremo. Ou seja, temos 11, e ele quer colocar 30, porque aí ele controla. Se ele tivesse dito: "é preciso aumentar o número de juízes, daqui a quinze anos, dez anos, depois que termine o meu mandato", mas não. A ideia é ele nomear, como foi feito na Venezuela, há alguns anos, quando o Poder Executivo aumenta o número dos juízes, nomeia os juízes e toma conta da Justiça, como, aliás, o regime militar fez aqui, com menos descaramento, porque só nomeou um terço dos Senadores chamados biônicos.

    Nós estamos num problema muito mais grave do que um simples dia no sistema judiciário em um dos tribunais do Rio Grande do Sul e precisamos refletir sobre isso, até porque a nossa credibilidade, desta Casa, não é hoje maior do que a do Judiciário. O que a gente tinha até algum tempo atrás era o Judiciário com mais credibilidade do que nós. Estamos empatados, estamos empatados na falta de credibilidade diante da opinião pública.

    Felizmente, estamos numa democracia, Senador Elmano e, daqui a quatro anos, desculpem, daqui a poucos meses, três meses, vamos escolher os dirigentes dos próximos quatro anos. Esta é a grandeza da democracia, permite corrigir o rumo. E um debate que deveríamos estar fazendo aqui é sobre qual o papel do próximo Congresso. Nem vou falar do próximo Executivo, porque aí é um programa de governo que os candidatos podem apresentar. Mas qual é o papel do próximo Congresso, da próxima Legislatura nos próximos quatro anos? E creio que não há dúvida de qual é o desafio. A dúvida é se vamos estar à altura, os que vierem para cá, de cumprir o desafio.

    Tenho dúvidas se esta geração da qual nós fazemos parte está demonstrando estar à altura dos desafios que o País enfrenta. Por exemplo, eu creio que o primeiro desafio é fazer uma reforma política que acabe com o poder econômico e que democratize o processo de escolha, porque não se pode imaginar que é democrático um sistema de escolha com uma eleição em 45 dias. Não se pode imaginar que é democrático um sistema de escolha, de eleição caótico, sem regras, mas também com o número de regras que estão aí, com o excesso de controle que está aí, também não é democrático.

    E este é um tempo em que nós pensávamos que a democracia estava sendo coroada pelos novos meios de comunicação. Nós, que assistimos ao início do processo da internet, dizíamos: "Agora a democracia chega!". Ao contrário, a democracia está sendo tolhida pelas fake news, está sendo tolhida pelo excesso de controle que as fake news exigem. Este vai ser o desafio fundamental que o Congresso, daqui a poucos meses, menos de seis meses, vai ter que levar adiante: uma verdadeira reforma política, mas uma reforma política patriótica e não oportunista, como a que fizemos no ano passado, aliás, neste ano ou no ano passado, em que discutimos mais um fundo de financiamento com dinheiro público para as campanhas dos candidatos do que aquilo que os candidatos que vencerem vão fazer depois. Discutimos mais como os candidatos abocanham dinheiro público do que como controlar o mandato desses eleitos, inclusive com a possibilidade de destitui-los antes do final do mandato, se não cumprirem aquilo que prometem nas suas campanhas. Nós temos que fazer uma reforma política, e esse é o primeiro desafio. E eu espero que os candidatos apresentem suas propostas de reforma política e que os eleitores fiquem atentos para votar conforme as propostas dos candidatos.

    Segundo, é a reforma do Poder Judiciário. Não podemos ter medo disso. Não é possível continuarmos com um Poder Judiciário caótico, em que cada juiz é uma república em si, cada tribunal é uma república em si, cada turma é uma república em si, que determina o que quer sobre tudo e nem explica direito como é que toma essas decisões. A reforma do Poder Judiciário tem que ser feita. E não é a nomeação de mais juízes que vai fazer isso. Não é nem mesmo simplesmente como uma das PECs que eu tenho aqui, proposta de emenda à Constituição, mudando a forma como os ministros do Supremo são eleitos. Tem que mudar! Isso não vai ser suficiente. É muito mais profundo o que o próximo Congresso vai ter que fazer aqui para recuperar a credibilidade na classe política, recuperar a credibilidade na classe do Poder Judiciário e fazer com que funcione aqui sem oportunismo e lá sem um burocratismo monárquico, que decide as coisas conforme a veneta de quem está em baixo ou de quem está em cima. Nem estou emitindo juízo de valores aqui sobre quem é que tem razão.

    Eu creio que um terceiro desafio fundamental – e essa é a razão pela qual eu estou aqui – é uma reforma do sistema educacional. Mas eu não falo reforma com pequenas mudanças, como fizemos aqui, no ano passado, no ensino médio. E eu votei a favor. E os resultados positivos estão vindo. Mas são resultados minúsculos, longe do que o Brasil precisa para entrar no século XXI com uma alta produtividade, em primeiro lugar, que depende da educação de cada brasileiro para produzir mais, e também com um sistema igualitário de educação que permita que a renda seja distribuída conforme o talento, conforme a persistência de cada um, conforme a sua vocação.

    Nós vamos precisar fazer essa reforma com profundidade aqui. Eu tenho a minha proposta, que é a ideia de, ao longo de 20, 30 anos, caminharmos para um processo de federalização da educação de base no Brasil, mas essa pode não ser a melhor. Mas algo tem que ser feito. Não dá para deixar sobre os ombros dos pobres Municípios brasileiros, com receitas minúsculas, a responsabilidade de educar suas crianças, como se essas crianças não fossem brasileiras; fossem municipais.

    A 'brasileirização" das crianças brasileiras – para não usar a palavra nacionalização, que tem conotações, às vezes, diferentes –, por uma educação de qualidade igual para todos, é uma responsabilidade do próximo governo e do próximo Congresso também.

    A adaptação da economia brasileira às regras de um mundo diferente, em mutação, é outra responsabilidade. Tentou-se aqui, com a reforma trabalhista. Foi um passo muito pequeno ainda, insuficiente, até porque não veio acompanhado da educação dos trabalhadores, de licença para os trabalhadores estudarem e se aperfeiçoarem nos seus ofícios.

    Nós vamos precisar fazer com que a economia brasileira entenda, um, que estamos em um mundo globalizado. Não adianta protecionismo para salvar a economia brasileira. É preciso competitividade, para que a economia brasileira seja capaz de ser uma das grandes do mundo.

    É preciso levar em conta o processo de automação que veio no processo produtivo – eu nem disse mais industrial, porque, até pouco tempo atrás, Senador Elmano, que é um estudioso nisso, a automação era na indústria e hoje é em todos os serviços. Hoje já há, no mundo, supermercados sem trabalhadores. Aqui no Brasil já há uma loja dessas, de sanduíche – não vou dizer o nome para não fazer propaganda –, em que você entra, pede, compra, paga, sem ver trabalhador. A automação chegou aos serviços.

    A automação chegou à agricultura, como essas grandes máquinas que a gente vê hoje, trabalhando no agronegócio.

    Nós precisamos, aqui nesta Casa, iniciar o processo de modernização do processo produtivo brasileiro, levando em conta a globalização, da qual não dá para fugir, e a automação, da qual nós temos que tirar proveito, protegendo as pessoas, protegendo os trabalhadores.

    Terceiro, o meio ambiente. Não dá mais para imaginar o tempo em que o propósito do mundo era produzir cada vez mais mercadorias, porque isso chegou ao limite. A temperatura do Planeta está aumentando. Os rios estão destruídos. Já não há água para beber em todas as partes. O processo produtivo vai ter que ficar submisso ao equilíbrio ecológico.

    Quarto, entender que esgotamos a capacidade do Estado para duas coisas: a capacidade do Estado para fazer a gestão está esgotada, e a capacidade financeira do Estado para financiar tudo está esgotada também.

    O Estado nem tem capacidade para gerir, como sempre se imaginou, nem tem recursos financeiros para fazer funcionar uma máquina muito pesada. Um Estado burocratizado impede o funcionamento. E um Estado caro desvia recursos de setores mais eficientes e mais produtivos.

    Eu citei apenas quatro itens maiores da reforma que nós vamos ter que fazer.

    O próximo Congresso será reformista ou será suicida. Ou ele será capaz de fazer as reformas de que o Brasil precisa, ou ele, o Congresso próximo, se anulará, perderá legitimidade ainda mais, deixará de ter uma justificativa para existir, e abrirá as portas para um regime autoritário, que virá com a desculpa de fazer a Justiça funcionar, de fazer a economia ser mais eficiente, de fazer com que o processo produtivo seja aceito, destruindo a natureza. Ou seja, controlado para ajustar-se à natureza.

    O próximo Congresso será reformista ou suicida. E reformista não com base em valores que ficaram superados. Alguns dizem com base em ideologias. Não vou dizer ideologias, porque acho que a ideologia pode ser muito positiva. O que estou falando não deixa de ser uma ideologia. Toda ideia é uma ideologia. O que nós não podemos ter são ideias ultrapassadas, ultrapassadas por uma realidade que se foi modificando, exigindo ideias novas. E alguns ficaram conservadores, reacionários, que não querem mudar nada. E outros ficaram reacionários porque querem mudar sem sintonia com a realidade.

    Há dois tipos de conservadores e reacionários: os que não querem mudar e os que querem mudar sem sintonia com as transformações que acontecem na realidade.

    O próximo Congresso não pode ser conservador, mas não pode querer fazer mudanças que não estejam sintonizadas com a realidade – a realidade dos limites ecológicos, a realidade do processo de modernização das máquinas e da inteligência artificial, que está chegando, a modernização dos limites do Estado, os limites gerenciais, de gestão, e os limites fiscais, financeiros, porque, sem isso, nós vamos cair naquilo que a economia brasileira, a sociedade brasileira, a quase civilização brasileira cai a cada tanto tempo: um regime autoritário e inflacionário. A inflação, para enganar, e o autoritarismo, para controlar. É preciso não haver autoritarismo para controlar, mas é preciso não haver inflação para enganar também, com ilusões. É isso, Sr. Presidente, que eu gostaria de colocar a partir do fato lamentável. E volto a insistir: não estou dizendo que foi lamentável por um ou por outro, mas pelo conjunto de ações, pelo conjunto de gestos que apenas simbolizam, mais uma vez, sintomas de um caos que está tomando conta do País, um caos aqui dentro, um caos no Poder Judiciário, um caos na máquina burocrática do Governo, de tal maneira que a sensação que nos passa esse tipo, essa sucessão de gestos, é que, mais do que uma crise, nós estamos vivendo um processo de desarticulação social e econômica do Brasil. Já não é mais uma crise passageira; é uma desarticulação. Já não são mais gritos que se ouvem; são tiros, são guerras, são choros o que nós ouvimos. E se o próximo Congresso – porque este terminou –, se a próxima Legislatura – porque esta terminou – não for capaz de trazer coesão e rumo para o País, junto com a esperança de algo novo, ele se suicidará, deixará de ser necessário, por perder legitimidade, por perder funcionalidade.

    Felizmente, a gente pode até sempre manter a esperança, mesmo ainda neste momento sem coesão nem rumo. Mas é preciso ter esperança de coesão e rumo.

    Duzentos milhões sentindo-se parte...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – ... de um só País, e esse País sabendo para onde vai nas próximas décadas. Hoje nós não sabemos para onde vamos nos próximos meses, e não estamos indo juntos; estamos divididos, partidos em múltiplas pequenas republiquetas, em vez de uma única, grande República brasileira.

    Era isso, Sr. Presidente, o que eu queria colocar, como uma manifestação de tristeza, de sofrimento, mas também de esperança no Brasil que a próxima Legislatura, eu espero, consiga fazer.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/07/2018 - Página 24