Pela Liderança durante a 107ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para o poder transformador da força política e moral de uma nação.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
ATIVIDADE POLITICA:
  • Alerta para o poder transformador da força política e moral de uma nação.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/2018 - Página 43
Assunto
Outros > ATIVIDADE POLITICA
Indexação
  • ANALISE, CAPACIDADE, INFLUENCIA, DECISÃO, POLITICA, MORAL, RESOLUÇÃO, PROBLEMA, NECESSIDADE, BRASIL, EXTINÇÃO, SITUAÇÃO, POBREZA, ANALFABETISMO, POPULAÇÃO.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Senador Reguffe, Senador Humberto, acho que devemos procurar tirar lição de tudo que acontece.

    Esses dias o mundo inteiro assistiu à Copa do Mundo, por exemplo. Eu creio que dá para tirar uma lição daquilo ali. Inglaterra e França têm metade de seus jogadores filhos de imigrantes. Eles não deixam os imigrantes entrarem atravessando o Mediterrâneo, mas deixam que vistam a camisa, e comemoram os gols que eles fazem. Vale a pena internalizar e tirar esta lição de hipocrisia: "Aceita-se o imigrante que nos sirva, não aceitamos os que precisam".

    Outras lições que gostaria de discutir aqui, e essa é a razão da minha fala, é em relação ao salvamento desses meninos na Tailândia. A primeira lição é como um país pobre, sem recursos, consegue desenvolver, e com uma competência fenomenal até na comunicação das coisas, o salvamento, o atendimento médico desses meninos, doze meninos e um adulto. É uma lição para nós a competência. E tem outra coisa, Senadora Lídice: isso só foi possível, em primeiro lugar, porque dispunham das técnicas, mas eles só puderam usar as técnicas porque tomaram uma decisão política de não deixar aquelas crianças morrerem na caverna. Foi uma decisão política a que se tomou. Terceiro: essa decisão política foi tomada por uma questão moral, que é a ética de que não se pode deixar uma criança morrer numa caverna por falta de oxigênio.

    Agora, Senadora Lídice, vamos trazer isso para cá, e até para a Tailândia, provavelmente, Deputado que aqui está: por que é que não se deixam, felizmente, doze crianças presas numa gruta, mas deixamos milhões presas na pobreza? Deixamos milhões na caverna do analfabetismo, na caverna de falta de oxigênio por não haver atendimento médico; ou seja, a falta de oxigênio numa caverna merece o gesto político de usar a técnica com competência para salvá-las, felizmente, mas a falta de oxigênio porque a ambulância não chega, porque o hospital tem os médicos em greve, essa falta de oxigênio não nos mobiliza.

    É que a moral passa um recado de que isso não depende da gente, de que isso não é grave, e a linguagem colabora. Por exemplo, se alguém que sabe nadar vê uma pessoa se afogando, salta na água, é constrangida a saltar na água para salvar aquela pessoa, mas uma pessoa que sabe ler não perde uma hora, duas por semana para ensinar outra que não sabe a ler. É um afogamento, só que não se usa o verbo "afogar". A linguagem define a moral, a moral define a política, e é a política que escolhe se usamos ou não a técnica. É mais fácil erradicar a pobreza de um país tecnicamente do que salvar doze meninos numa caverna, tecnicamente. Exige mais heroísmo salvar doze meninos em uma caverna do que incorporar um milhão de pobres na sociedade não pobre. Tecnicamente é mais fácil, todo mundo sabe como fazer, todos nós dispomos dos recursos para fazer isso, mas não fazemos, porque não tomamos a decisão política de fazer, como o Governo tailandês tomou a decisão política de usar os recursos políticos, contando, ainda, com a solidariedade internacional para salvar os meninos. Foi uma decisão política.

    Hoje, no Brasil, todo mundo fala mal da política, mas salvar aqueles meninos foi o resultado de uma decisão política. Foi decisão política de usar a técnica, os recursos, a economia. Gastaram muito dinheiro para aquilo, mas foi uma decisão política que alguém tomou na Tailândia, movida a pessoa que tomou a decisão por uma ética: ninguém pode assistir com tranquilidade doze meninos se afogando na falta de oxigênio de uma caverna.

    Mas a moral permite que nós assistamos a pessoas se afogando por falta de oxigênio, seja oxigênio mesmo, porque não há hospitais, seja remédio, que é uma forma de oxigênio para salvar a vida, seja se afogando no analfabetismo, seja se afogando no desemprego, que vem da falta de educação de que a pessoa padece.

    Creio que são lições que vale a pena aprender: sem a política, não se usa técnica para nada; só a política usa a técnica conforme a moral determina. Então, no fundo, no fundo, é uma questão moral. Deixamos alguém se afogar na pobreza, não deixamos se afogar na água; deixamos prisioneira da pobreza, não deixamos prisioneira de uma caverna.

    Nós precisamos despertar para o fato de que as técnicas disponíveis já permitem, sim, alfabetizar os 10 milhões de pobres brasileiros – porque só há analfabeto pobre – que não conseguem reconhecer nem a bandeira da gente, porque não sabem ler "Ordem e Progresso". É inacreditável o fato de que 10 milhões de adultos não sabem reconhecer a bandeira porque não sabem ler "Ordem e Progresso"; se misturar as letras, continuam achando que é a bandeira; se escrever em inglês, eles acham que ainda é a bandeira. Isso não nos constrange moralmente.

    Essa é a pergunta que eu fiquei fazendo depois de ver esse exercício maravilhoso de política dos políticos tailandeses. Não esqueço, inclusive, que o chefe de tudo que aparecia é um ex-governador, ou seja, um político que mobilizou os recursos humanos, os nadadores e os técnicos, e toda a parafernália que foi usada. Ele decidiu junto com os outros políticos. Foi uma decisão política, movida por uma moral. O Brasil precisa despertar moralmente e ter indignação com o quadro de pobreza e com o quadro de analfabetismo.

    O que fez com que Joaquim Nabuco passasse a mensagem da abolição foi a indignação social do Brasil, a indignação, portanto, moral com a escravidão. Isso de que foi uma questão apenas econômica, de que é mais barato usar um trabalhador assalariado do que comprar um escravo, dá uma certa explicação mecanicista. Na verdade, foi indignação, como mostra a Profª Angela Alonso, professora da USP, em um belo livro em que ela mostra os últimos 20 anos da luta pela abolição. E ela mostra que, no fundo, aquilo veio da capacidade de organização política dos abolicionistas certamente,...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – ... mas, sobretudo, do momento de indignação que o Brasil atravessava.

    Lamentavelmente, essa indignação nós não temos hoje. Tivemos governo de esquerda, que não enfrentou o problema da abolição do analfabetismo – chegou a aumentar em 2012. Tivemos governo de direita, insensível ao problema da pobreza, porque acredita que o crescimento econômico resolve por si só, e está provado que não resolve.

    Eu acho que é o momento de tirar lição do que acontece no mundo. Primeiro, essa hipocrisia europeia de não querer imigrantes pobres, mas querer jogadores de futebol que vêm da África. Segundo, quando a moral decide, quando a política quer e as técnicas existem, a gente consegue até um milagre de tirar 12 meninos e um adulto das profundezas de uma caverna geológica. E não consegue porque não quer...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Obrigado, Senador.

    E não conseguimos tirar, porque não nos sentimos constrangidos moralmente, não usamos, portanto, a força política para manipular, manejar as técnicas que permitiriam isto, milhões de brasileiros – não de repente, não em poucas horas, não transmitido pela televisão; ao longo de alguns anos ou décadas – pobres da caverna da pobreza, onde falta oxigênio na hora em que precisa, onde falta educação, de que se precisa todos os dias, onde falta comida, como faltava para os meninos da caverna também. Os pobres vivem numa caverna tão insalubre, tão terrível quanto àquela da Tailândia. Falta querer politicamente e, para isso, falta indignação moral neste País.

    Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/07/2018 - Página 43