Discurso durante a 110ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com os altos índices de violência contra a mulher e destaque para a importância da "Lei Maria da Penha".

Autor
Lúcia Vânia (PSB - Partido Socialista Brasileiro/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Preocupação com os altos índices de violência contra a mulher e destaque para a importância da "Lei Maria da Penha".
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2018 - Página 94
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • APREENSÃO, MOTIVO, AUMENTO, INDICE, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, REGISTRO, IMPORTANCIA, LEI MARIA DA PENHA, OBJETIVO, COMBATE, VIOLENCIA DOMESTICA, FEMINICIDIO, INCENTIVO, DENUNCIA, AUSENCIA, IMPUNIDADE, LOCAL, PAIS, BRASIL.

    A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Obrigada, Sr. Presidente.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, subo hoje nesta tribuna para tratar de um assunto ainda muito caro à nossa sociedade: a violência contra a mulher. Exatamente na data de hoje, 12 anos atrás, foi sancionada a Lei nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha.

    É com muita preocupação que abordo o tema nesta tribuna, visto que os índices de violência contra a mulher em nossa sociedade continuam alarmantes. A notícia que tem nos causado muita tristeza nas últimas semanas tem sido a investigação sobre o possível assassinato de uma advogada no Estado do Paraná.

    Posso citar outros episódios recentes, como o da mulher que foi lançada de uma janela do terceiro andar de um prédio na 415 Sul, em Brasília; e o de outra mulher que foi morta pelo marido, policial militar, que, em seguida, tirou a própria vida, no Riacho Fundo II, também no Distrito Federal.

    A Lei Maria da Penha representa inegavelmente uma conquista para a nossa sociedade. Tive o privilégio de ser a Relatora da proposição que deu origem à lei, o Projeto de Lei da Câmara nº 37, de 2006, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. Até aquele 12 de agosto de 2006, quando a lei foi sancionada, a violência contra a mulher era considerada um problema de foro privado, no qual nem familiares deveriam se intrometer. A Lei Maria da Penha retirou esse lacre de inviolabilidade da violência doméstica e trouxe à tona todas as sequelas físicas e psicológicas da vítima, assim como de toda sua família.

    Durante o debate do projeto, do qual fui Relatora nesta Casa, ouvimos relatos comoventes de mulheres mutiladas, inclusive em sua dignidade e autoestima. Vieram à tona muitos casos como o de Maria da Penha Maia, que deu nome à lei, tendo sofrido agressões do marido por 23 anos. Descobrimos milhares de marias da penha pelo País, de mulheres amordaçadas por uma cultura machista e uma ideologia patriarcal que protegia os agressores, bem como pela ausência de uma legislação que as amparassem.

    Até a sanção da Lei Maria da Penha, a violência doméstica era julgada como crimes de menor potencial ofensivo, de acordo com a Lei nº 9.099, de 1995. A vítima não tinha direito a nenhuma medida protetiva e, nas poucas situações em que o agressor era condenado, a pena era reduzida ao pagamento de algumas cestas básicas. Com a Lei Maria da Penha, a violência doméstica passou a ser tipificada como uma das formas de violação aos direitos humanos e os crimes relacionados à norma passaram a ser julgados em varas criminais até que fossem instituídos os juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher nos Estados. A Lei elevou a pena para o agressor, aumentou as condições de segurança para que a vítima pudesse denunciar e aperfeiçoou os mecanismos jurisdicionais, possibilitando que a Justiça atendesse, de forma mais efetiva, os casos envolvendo violência doméstica.

    Ao completar 12 anos, a lei tem se consolidado como uma importante ferramenta no combate à violência doméstica e familiar, sendo reconhecida pela Organização das Nações Unidas como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra a mulher. Segundo dados de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a entrada em vigor da Lei Maria da Penha contribuiu para diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídios contra as mulheres praticados dentro das residências das vítimas.

    E poucos sabem que a Lei Maria da Penha vai além dos casos de agressão física. Nós nos preocupamos em abarcar também os demais casos de violência doméstica que vitimavam as mulheres, tais como o sofrimento psicológico, violência sexual, violência patrimonial.

     A lei é considerada o principal marco no combate à violência contra a mulher, mas sabemos que precisamos avançar para garantir a integridade física e psicológica das mulheres. E seguimos fazendo isso no Congresso Nacional, promovendo ações de aprimoramento da lei, como fizemos hoje, para garantir cada vez mais proteção às mulheres, e aumentando a punição aos agressores.

    Em 2017, foi sancionada norma que altera a Lei Maria da Penha, criando regras que qualificam o atendimento policial e a perícia junto às mulheres em situação de violência doméstica. A lei determina, entre outras mudanças, que esse trabalho deve ser prestado, preferencialmente, por servidoras do sexo feminino previamente capacitadas.

    Em 2015, criamos a lei do feminicídio, que introduziu no Código Penal uma qualificação para o crime de homicídio. Tal situação passou a ser incluída no processo quando for observado que o assassinato ocorreu motivado por questões de gênero, com pena prevista de 12 a 30 anos. Acredito que a validade desse recurso jurídico tenha sido possível com a promulgação da Lei Maria da Penha.

    Também criamos, no Congresso Nacional, a lei que torna crime divulgação de mensagens misóginas na internet e a Lei Carolina Dieckmann, que tipifica os chamados delitos e crimes informáticos. Além disso, aprovamos, no Senado, a proposta de emenda à Constituição que torna o estupro um crime imprescritível.

    Outras mudanças estão em tramitação no Congresso, como o projeto de ajuizamento de ação regressiva da Previdência Social, de autoria da Senadora Marta Suplicy, proposta que obriga o agressor a cobrir benefícios pagos a vítimas de violência, e do qual sou Relatora.

    Há também o projeto que obriga hospitais e profissionais de saúde a informar à delegacia mais próxima ou ao Ministério Público, o atendimento de vítima de violência no prazo de cinco dias.

    Foram propostas também mudanças na Lei Maria da Penha quanto à realização de audiência para revogação de prisão preventiva de quem for enquadrado na norma. Outro projeto possibilita a aplicação de medidas protetivas de urgência contra o agressor.

    Estamos aprimorando a legislação para dar conta do enorme desafio que é combater a violência contra a mulher em múltiplos aspectos, como as sequelas psicológicas e emocionais.

    Infelizmente, no entanto, os dados apontam o aumento de 66,4% nesses casos de violência entre 2006 e 2016, segundo informações do último Atlas da Violência. No Brasil, uma mulher é morta a cada dois minutos por arma de fogo, segundo o portal Relógios da Violência, do Instituto Maria da Penha.

    No Estado de Goiás, estamos mais sujeitas a essa violência. Goiânia é a terceira capital mais violenta para as mulheres no Brasil, de acordo com o Atlas da Violência. A taxa de homicídios no Município é de 7,1 para cada 100 mil habitantes, índice cinco vezes maior do que a média mundial, que é de dois para cada 100 mil.

    De acordo com o último levantamento do Ipea, referente a 2015, a lei diminui em cerca de 10% os homicídios contra as mulheres dentro das residências.

    Os dados evidenciam que a legislação por si só não vai impedir a violência contra a mulher. Precisamos avançar na criação de mecanismos de combate à cultura machista predominante no País. Em meu entendimento, o tema deveria ser objeto de campanha nacional, com foco nas escolas, no serviço público e nos meios de comunicação.

    Para encerrar esta minha intervenção, cito um trecho extraído do estudo do Ipea, anteriormente citado por mim, que avaliou a efetividade da Lei Maria da Penha – abro aspas: "A violência doméstica é a mãe de todas as violências. As vítimas não são apenas as mulheres e crianças que sofrem reiteradamente, apanham, são estupradas e eventualmente são mortas. A vítima termina sendo toda a sociedade" – fecho aspas.

    Ou seja, o combate à violência contra a mulher deve ser uma causa de toda a sociedade, não apenas das mulheres.

    Era o que tinha a dizer.

    Muito obrigada, Sr. Presidente, por esta oportunidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2018 - Página 94