Discurso durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre artigo do Cardeal Dom Odilo Scherer, publicado no jornal Folha de S.Paulo, sobre a discussão em torno do aborto no STF.

Autor
Ricardo Ferraço (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Considerações sobre artigo do Cardeal Dom Odilo Scherer, publicado no jornal Folha de S.Paulo, sobre a discussão em torno do aborto no STF.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2018 - Página 34
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, CARDEAL, IGREJA CATOLICA, PUBLICAÇÃO, FOLHA DE S.PAULO, ASSUNTO, DISCUSSÃO, ABORTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Senador Cássio Cunha Lima, Presidente em exercício desta sessão e Vice-Presidente do Senado; Srªs e Srs. Senadores, brasileiros e capixabas que nos acompanham, as audiências públicas promovidas pelo Supremo Tribunal Federal sobre o aborto deram ocasião a muitas manifestações, favoráveis ou contrárias, à descriminalização do aborto voluntário.

    Após ouvir a sociedade, o Supremo Tribunal Federal deverá responder à pergunta se os arts. 124 e 126 do Código Penal, que qualificam o aborto como crime e preveem sanções correspondentes e compatíveis, são contrários ou não à Constituição de 1988.

    Desejando participar desse debate e dessa reflexão, o Cardeal Dom Odilo Scherer trouxe uma profunda e precisa reflexão em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo. Poderia o cardeal tratar o aborto do ponto de vista moral e até religioso, mas refletiu apenas com argumentos compartilháveis também com quem não tem a mesma fé religiosa.

O motivo da existência de leis é a preservação de valores e bens de alto apreço. O bem patrimonial privado e público é um valor a ser preservado por leis, e um atentado contra qualquer desses patrimônios leva o legislador a prever a lei que protege este bem e manda o julgador aplicar sanções que penalizem quem desrespeita o legítimo patrimônio. [E não achamos isso estranho.] Assim, há leis para regular o trânsito e penalizar seus infratores; leis para preservar o ambiente e penalizar quem o desrespeita ou violenta. E não é preciso ir mais além nesse raciocínio prático e direto. Alguém pensa que a aplicação da lei ao infrator é uma injustiça contra ele?

A lei que penaliza o aborto provocado está a serviço de um valor altíssimo, que é a vida do nascituro, seu primeiro e mais fundamental e elementar direito. Sei bem que existem diversas percepções sobre o início da vida humana. Penso que o feto humano, desde a sua concepção, já é um ser humano, portanto sujeito de direitos. Não consigo pensar que ele se torna – aspas – "humano" apenas em um estágio posterior de seu desenvolvimento no útero da sua mãe.

A mulher, da mais inculta à mais letrada e conhecedora dos segredos da ciência, quando tem a notícia do início de uma gravidez, exclama: estou esperando um filho. E quem diria que não é assim ou que ela está iniciando a gestação de algo indefinido que apenas depois, mais tarde, se tornará um filho seu, um ser humano, como ela? O embrião é humano desde o primeiro instante de sua gestação. Se não fosse, não haveria lei alguma, ou mesmo Constituição, de país nenhum, capaz de torná-lo humano em momento posterior. Não é uma concessão da lei; é um fato da natureza que precede a própria legislação positiva, entendendo legislação positiva como as leis dos homens.

Argumenta-se que o bebê em gestação ainda não seria sujeito dos mesmos direitos dos já nascidos e dos adultos, e isso é verdade. No entanto, sendo humano, ele tem o direito à proteção dos adultos e de leis que assegurem direitos proporcionais à sua condição, como a saúde, à proteção contra a violência e, sobretudo, o direito à vida.

É da percepção mais elementar da condição humana que os adultos protejam e defendam os humanos mais fracos e indefesos, como é o caso das crianças desde a mais tenra idade. Seria cínico e desumano não reconhecer a dignidade humana do nascituro e aprovar atitudes agressivas contra ele, sobretudo a iniciativa de retirar a própria vida.

Claramente, penso que apenas em uma condição o aborto poderia ser visto com indiferença pela sociedade e suas leis: só se o bebê, em qualquer fase da sua gestação, não fosse um ser humano. Mas quem o poderia afirmar, sem esconder a mais elementar verdade científica?

Sendo o nascituro um ser vivo da mesma espécie de quem o gerou, o aborto interessa à sociedade como um todo, e cabe à sociedade humana civilizada fazer, sim, leis e cuidar de sua aplicação, quando se trata de proteger e defender os inocentes e indefesos. Do contrário, ela deixa de ser civilizada e humana.

Então, o aborto deve continuar a ser tipificado como crime no Código Civil? Minha resposta vem como uma nova pergunta: existe algum modo de proteger e preservar o valor que é a vida dos nascituros sem que haja uma lei expressa que o estabeleça e que também preveja sanções para quem, de modo direto ou indireto, provoque o aborto direta ou indiretamente?

A finalidade da lei não é, antes de tudo, a penalização da mulher que o faz, mas [tão somente] a proteção do seu filho e dela mesma. Existe alguma possibilidade diversa de conseguir esse objetivo, sem ser por uma lei adequada, contrária ao aborto?

A gestante também deve ter a proteção óbvia da sociedade, mediante uma legislação adequada e políticas que a implementem de maneira eficaz, mas o preço pela falta ou pela ineficácia de leis que assegurem a dignidade e os legítimos direitos da mulher não deve jamais ser cobrado do filho dela, inocente e indefeso.

Argumenta-se também que a lei que qualifica o aborto voluntário como crime limita os direitos fundamentais da mulher e desrespeita a sua autonomia, sua dignidade e sua integridade física e até psíquica. Sinceramente, não me parecem argumentos que justifiquem a desproteção legislativa do nascituro. Não é belo e não é adequado ver no filho um "agressor" de sua própria mãe.

As questões em relação aos direitos e à dignidade da mulher podem e devem ser resolvidas sem suprimir a vida dos bebês ainda por nascerem.

A maternidade não é doença... 

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) –

... nem mácula para a dignidade da mulher. A liberdade dela é preciosa, mas também precisa estar vinculada à responsabilidade que lhe corresponde.

A gravidez inesperada pode ser prevenida com meios adequados, sobretudo com a educação e a informação.

     Peço, Sr. Presidente, apenas mais dois minutos, para que eu possa encerrar a minha manifestação.

A falta [portanto] de condições econômicas para criar os filhos deve ser tratada com seriedade, e a mulher [por certo] que se torna mãe tem o direito ao apoio da sociedade para encaminhar bem o filho na vida. Mas a injusta pobreza de muitos não pode ser argumento para eliminar o inocente e indefeso.

As cifras presumidas de abortos clandestinos e os custos das complicações decorrentes devem ter uma solução que, honestamente [e sinceramente], não poderia [e não deveria] ser a legalização do morticínio de bebês ainda no ventre de suas mães.

    Uma manifestação, Sr. Presidente, que cala fundo em meu coração, que não dialoga apenas com os católicos, mas que dialoga, por certo, com a comunidade cristã brasileira, com relação a esse tema, uma vez que o Supremo Tribunal Federal está para deliberar sobre ele.

    E eu pessoalmente considero que esta Casa é a que tem a legitimidade para fazer esse debate e essa manifestação. Uma decisão como essa por parte do Supremo Tribunal Federal não é...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ... e não pode ser qualificada como outra coisa que não uma usurpação das prerrogativas do Parlamento brasileiro.

     É como acredito, é como penso. Essa é a minha fé, essa é a minha crença e é isso que nós continuaremos defendendo e aprofundando no debate no Parlamento brasileiro.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2018 - Página 34