Comunicação inadiável durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lamento pelos resultados apresentados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Comunicação inadiável
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Lamento pelos resultados apresentados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
Aparteantes
Raimundo Lira.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2018 - Página 43
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • REGISTRO, RESULTADO, INDICE DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO BASICA (IDEB), DEFESA, NECESSIDADE, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Senador Raimundo, esta semana o Brasil ficou absolutamente chocado com um incêndio da memória, do passado, do patrimônio da história brasileira e até da humanidade, mas não ficou chocado com outro incêndio, que é tão grave quanto aquele e passa desapercebido: é o resultado do Ideb.

    O incêndio no museu, Senador, queimou uma memória, cujo valor não temos como medir, mas o resultado do Ideb – que mostra como as nossas crianças estão ficando sem saber Português nem Matemática, e, portanto, nem História, nem Geografia, nem Física – está queimando o futuro. Passa desapercebido esse incêndio que faz um verdadeiro crematório na mente brasileira, nos cérebros brasileiros. É óbvio que o que aconteceu naquele museu, no nosso museu, no museu que é do mundo inteiro, ou era, é de uma gravidade que faz, às vezes, a gente nem querer ver o noticiário de tanta dor que sente. Mas é uma pena que nós não sintamos a mesma dor, porque não vemos o fogo quando observamos as notícias que dão o resultado da avaliação do estado de nossas escolas, para vermos a maneira como cremamos naquele incêndio a memória.

    O resultado da situação da educação brasileira está mostrando que estamos cremando a inteligência. O Brasil está virando cinzas, está virando cinzas nos museus, está virando cinzas no cérebro. Onde vai terminar um País que nem tem memória do passado guardada, nem tem inteligência para construir o futuro? Onde vamos terminar? Não é difícil responder: ficando para trás, continuando um País pobre no conjunto da riqueza nacional e com uma riqueza má distribuída, uma riqueza concentrada que, além de ter uma pobreza, em média, de todos, tem uma pobreza no nível da miséria para uma parte considerável da população. Mas não é só isso: é um País que fica perdendo terreno em relação ao resto do mundo, porque o verdadeiro, o maior de todos os recursos econômicos de hoje é o conhecimento, é a inteligência.

    Então, Senadores, eu não acredito que a gente vá despertar, porque são tantos os discursos aqui, ao longo do tempo, que nós fizemos, tantos de nós, alertando do incêndio que toma conta do cérebro do povo brasileiro, a partir da negação da educação às nossas crianças, que dá a impressão de que não vai adiantar, que vamos continuar como um imenso crematório de cérebros.

    Mas, ao lado disso, vem outra notícia que é também um grande incêndio, é um incêndio sobre a verdade. Ninguém está querendo analisar com rigor o que é que causa o incêndio no cérebro das nossas crianças e o que é que causou o incêndio no Museu Nacional. Cada um fica concentrado numa análise específica do dia antes de ontem ou nos meses anteriores, quanto foi liberado, quanto não foi para a manutenção. As pessoas não estão querendo analisar que isso é o resultado de três problemas, Senador Raimundo: primeiro, o equívoco nas prioridades; segundo, a corrupção; terceiro, a má gestão. A poucos quilômetros, ou mesmo metros, daqui há um estádio nacional construído há poucos anos, ao custo de R$2 bilhões! Com três ou quatro das centenas de colunas daquele prédio, nós teríamos salvado o Museu. Três ou quatro daquelas colunas têm um custo que equivale à manutenção do Museu durante o ano inteiro. E gastamos esse dinheiro – nós, o Brasil – calados. Eu vim aqui denunciar isso. Desde quando se decidiu trazer a Copa do Mundo para o Brasil, eu vim aqui denunciar que essa era uma prioridade equivocada.

    Mas por que a gente gastou? Nós, eu digo, o Brasil? Eu não me sinto responsável nem culpado disso, Senador Otto. Por que gastamos tanto dinheiro para esse estádio e mais 11 no Brasil, verdadeiros elefantes brancos, enquanto o Museu Nacional definhava já a olhos vistos? Porque estádio permite corrupção e propina, e consertar a fiação de um museu não dá propina – primeiro fato. Dá propina estádio, não dá propina manutenção de edificações. Dá propina fazer um novo; não dá manter um antigo.

    Segundo, por erro de prioridade. A primeira prioridade era escola e não estádio. Quantas vezes eu falei aqui? E não dá para fazer estádio e escola, porque 1kg de cimento você só usa uma vez: ou numa escola, ou num estádio. Erramos nas prioridades. E, agora, dois incêndios simultâneos: o do museu e o das escolas, dos cérebros das nossas crianças; as chamas do Museu Nacional e as chamas indicadas pelo Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.

    Terceiro, gestão. Com todo respeito à realidade de que se poderia estar gastando um pouco mais na universidade, uma universidade que tem 3 bilhões – e mais do que isso – de orçamento poderia gastar 500 mil na fiação e na manutenção de um museu. Eu fiz as contas: é 0,001%! É impossível que um mínimo de boa gestão não fosse capaz de conseguir 500 mil em um orçamento de 3,4 bi, se eu não me engano.

    Pois bem. A irresponsabilidade, a má gestão e a propina terminaram fazendo, quando elas três, sistematicamente, são aplicadas em um país, esses três incêndios: o incêndio bem visível das chamas sobre o Museu, o incêndio meio invisível da cremação dos cérebros brasileiros indicado pelo Ideb e o incêndio sobre a verdade...

    O Sr. Raimundo Lira (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – Senador Cristovam, quando for de sua conveniência, gostaria de um aparte.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Muito bem!

    E o incêndio sobre a verdade de quem não quer apurar o que provocou esses incêndios.

    Por isso, Senador Otto, Senador Raimundo, Senador Reguffe, eu quero propor uma CPI sobre a situação dos museus brasileiros, porque não é o primeiro que queima nos últimos dez anos. É um e, depois, outro. Não é o primeiro que se degrada, seja pelo incêndio, seja por inundações. Nós precisamos apurar o que está acontecendo de fato nesse abandono à cultura brasileira.

    Isso, Sr. Presidente, é o que eu gostaria de colocar em relação a um dos dias mais tristes que eu confesso que, como cidadão brasileiro, eu tive... 

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – ... quando eu vi as notícias do incêndio junto com as notícias do Ideb. Só que o Ideb – a má qualidade da educação – não mostra as chamas, e já vem há tanto tempo se repetindo que nós nos acostumamos. É como se um museu nacional queimasse por semana. Não ia sair no noticiário. Não sai em noticiário como nós estamos cremando o cérebro das nossas crianças em escolas sem qualidade e tantas fora até da escola.

    Eu queria deixar esse registro, Sr. Presidente, como um dos dias mais tristes da história brasileira que eu assisti, o dia do incêndio no museu e da divulgação de mais um triste resultado do estado da escola brasileira, especialmente no ensino médio.

    Era isso, Sr. Presidente. Mas o Senador Raimundo Lira pediu um aparte, que eu dou com muito prazer.

    O Sr. Raimundo Lira (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – Senador Cristovam Buarque, o estádio de futebol de Brasília simboliza a obstinação que os latinos têm pela corrupção, porque não há nenhuma justificativa a construção do estádio nos moldes em que ele foi construído, numa cidade que nem futebol há para manter esse estádio de futebol. Com relação ao incêndio do museu, eu fico a perguntar: nós não temos um Ministério da Cultura? Estados Unidos não tem ministério da cultura. Nós temos Ministério da Cultura. Por que o Ministério da Cultura, entre suas atribuições, não assume a manutenção dos museus brasileiros...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Raimundo Lira (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – ... em vez de só financiar cinema que as pessoas não vão assistir, ou cantores que as pessoas não vão ouvir? Então, eu acho que parte desse orçamento poderia ser usado na manutenção dos museus. É uma tristeza muito grande o que nós sentimos no coração em ver aquele patrimônio público, que vem de 200 anos, que foi construído por um traficante de escravos e, em seguida, passou a ser a Casa Real de D. João VI aqui no Brasil. Então, é um lamento mundial. Toda a imprensa mundial lamentou este grande incêndio, este episódio que realmente constrangeu a todos nós. É um constrangimento para o País ver...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Raimundo Lira (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – ... que aquela história toda, 20 milhões de itens que estavam ali dentro foram totalmente dizimados e queimados. Com relação ao Ideb, também é outra razão de constrangimento, Senador Cristovam Buarque, V. Exª que sempre dedicou seu mandato no sentido de pedir ao Brasil que melhore a educação. Os países hoje só crescem, só entram no mundo desenvolvido se investirem na educação. Veja o exemplo da Coreia do Sul, que – através da educação e da exportação de produtos, resultado da educação – hoje é um país respeitado no mundo todo, quando na década de 60 era um país pobre junto ao Brasil. Veja o exemplo da própria China...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Raimundo Lira (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - PB) – ... que tem investido maciçamente na educação para que possa se tornar um país de primeiro mundo. Então, eu lamento profundamente, Senador por todos esses eventos que têm acontecido no Brasil, eventos que entristecem e trazem constrangimento para nós brasileiros.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Muito obrigado, Senador Raimundo.

    Eu quero concluir com mais um minutinho, Senador Presidente, para lembrar que, anos atrás, eu viajava por aí e ouvia sempre pessoas dizendo que o Brasil não tinha condições de manter a Floresta Amazônica. Havia um verdadeiro apelo mundial pela internacionalização da Amazônia. Eu lembro que briguei uma vez num encontro nas Nações Unidas dizendo: se é para internacionalizar a Amazônia, vamos internacionalizar os museus do mundo, porque também são um patrimônio da humanidade, e o petróleo, etc.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Eu creio que está começando a surgir depois dessas notícias a ideia de que o Brasil não é capaz de manter o seu patrimônio cultural, que pertence também à humanidade. Parte do que estava no Museu Nacional é um patrimônio mundial, da humanidade, não só do Brasil.

    E nós demos ao mundo inteiro um exemplo de que somos incapazes de manter aqui um patrimônio que é do mundo. Vai começar a surgir gente sugerindo pelo mundo à fora que certos patrimônios mundiais que estão no território brasileiro precisam de uma gestão internacional, como há alguns anos falavam da Amazônia.

    E, no fundo, vamos ter que lutar contra isso. O patrimônio é nosso, mas vamos ter que entender que, mais uma vez, estamos mostrando incompetência e irresponsabilidade em manter aquilo que nos pertence e ao mundo inteiro.

    Finalmente, Senador...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – O senhor lembrou o exemplo de países que se desenvolveram graças à ciência, à tecnologia e, portanto, à educação.

    Hoje a educação brasileira não está preparando o nosso futuro. Daqui a 20 anos, com os cérebros que temos hoje em formação, não seremos capazes de fazer um Brasil desenvolvido, porque, Senador, nós nesta semana cremamos o passado, a memória e mostramos que estamos cremando o futuro também. Passado e futuro transformados em cinza por irresponsabilidade, por corrupção e por má gestão, três grandes pecados do Brasil contemporâneo.

    É isso, Sr. Presidente, que eu queria falar hoje com muita tristeza.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2018 - Página 43