Discurso durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Denúncia contra a suposta disseminação do ódio e da intolerância na campanha eleitoral do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS:
  • Denúncia contra a suposta disseminação do ódio e da intolerância na campanha eleitoral do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro.
Aparteantes
Jorge Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2018 - Página 60
Assunto
Outros > ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS
Indexação
  • CRITICA, CANDIDATO, ELEIÇÃO, CARGO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, JAIR BOLSONARO, INCITAMENTO, VIOLENCIA, CRIME, INJURIA, PERIODO, COMICIO, ESTADO DO ACRE (AC).

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sem dúvida nenhuma, é um momento importante este que nós estamos vivendo no nosso País. Nós que estamos voltando para conversar com o povo na disputa eleitoral, temos visto um Brasil que se movimenta, que debate, que se prepara para uma nova eleição presidencial. Mas, frente ao debate presidencial, eu não posso deixar, Sr. Presidente, caros Senadores e Senadoras, de registrar algo que foge – eu diria, sai da curva – da disputa eleitoral.

    Nessa segunda-feira – e há pouco estava aqui o Senador Jorge Viana do Acre, aliás está ali, com o qual quero me solidarizar –, o Deputado Federal candidato a Presidente da República Jair Bolsonaro, em comício no Acre, cometeu mais um dos desatinos que têm caracterizado sua ação política. Em um único discurso cometeu graves crimes contra a democracia: ameaça, injúria eleitoral, incitação ao crime e à violência.

    Um vídeo que circula nas redes sociais mostra o arauto da violência em cima de um trio elétrico, simulando um fuzil, pasmem, simulando uma metralhadora, um fuzil, e dizendo: "Vamos fuzilar – a expressão é esta – a petralhada aqui do Acre, hein?! Vamos botar esses picaretas para correr do Acre." – gritou ele, ovacionado por uma turba.

    Vivemos, sem dúvida, dias terríveis para a democracia brasileira, num fenômeno que infelicita grande parte do Planeta. Assistimos a uma crescente maré de fundamentalismo político, ideológico, religioso, que nos remete aos tenebrosos tempos da ascensão do nazifascismo.

    E nos surpreende, no entanto, a total omissão do Ministério Público e de parte do Judiciário brasileiro. Ataques frontais aos pilares básicos da civilização democrática vêm sendo perpetrados sob o silêncio cúmplice dos órgãos do Estado e da grande mídia. Políticos oportunistas buscam surfar na onda da frustração justa e legítima de grande parte da nossa população, frustração com muitas coisas lamentáveis de nosso sistema político: com as graves consequências da crise econômica, como o cruel desemprego, com os resultados de uma reforma trabalhista que tem ainda mais precarizado as relações de trabalho no Brasil.

    E essa frustração transformou-se num profundo ressentimento, um ódio irracional contra as políticas sociais que socorrem os mais necessitados e contra o socorro de caráter emergencial aos miseráveis deste País, notadamente o Bolsa Família e outros programas de amparo social, divulgados por essa gente como se fosse o Brasil o único país a ter políticas dessa natureza, esquecendo-se de que os principais países desenvolvidos do mundo, inclusive os Estados Unidos, que servem de medida para muitos desses, têm programas de apoio à baixa renda bastante significativos.

    Ao meu ver, é o caldo da cultura que possibilitou trazer à tona velhos e reprimidos sentimentos de ódio e intolerância que sempre existiram, mas que estavam contidos pelos avanços democráticos, tanto sociais quanto culturais. Esse sentimento insidioso vem tomando as almas de alguns brasileiros que transformam esse ódio genérico em combate aos recursos públicos para aqueles que não têm condição de trabalho. Ódio puro contra mulheres, homossexuais, negros, manifestações culturais e a escalada real da violência urbana, passam a compor um quadro social que parece ter um simplismo de uma visão autoritária do Estado, sua salvação.

    Senador Jorge Viana, com um aparte.

    O Sr. Jorge Viana (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Eu queria, cumprimentando V. Exª, Senadora Lídice, agradecer a solidariedade de V. Exª com todos nós do Acre por conta do episódio do último sábado, quando um candidato a Presidente da República vai ao meu Estado, ao querido Estado do Acre, e, num ato que não tem nada de civilizado, vai e simula, com o tripé de uma câmera de televisão, ter na mão uma metralhadora ou um fuzil e propõe que se fuzilem as pessoas que divergem dele, as pessoas que têm uma opção partidária diferente. Eu fico me perguntando: em que tempos nós estamos vivendo? Nós vimos agora, no fim de semana, a memória nacional sendo queimada, virou cinza, ardeu em chamas. O museu do nosso País, a nossa história foi queimada. E aí eu fico pensando: como é que fica o nosso futuro quando um candidato a Presidente vai ao Estado, é bem recebido por seus apoiadores e, ao invés de apresentar algo de bom, algumas das suas ideias, prega o ódio, a intolerância e a violência? Comete um crime. Eu daqui a pouco vou falar, eu sou o próximo orador inscrito, dessas e outras questões. Eu queria agradecer a V. Exª, Senadora que defende as boas causas, que tem bom senso, uma grande Parlamentar nesta Casa, que, lamentavelmente, não é candidata à reeleição – a Bahia merece V. Exª como Senadora –, mas que não sai da luta e é hoje candidata a Deputada Federal. Eu espero que seja eleita para seguir engrandecendo o Congresso Nacional como Deputada. Eu lamento sinceramente, Senadora Lídice, estarmos vivendo estes tempos de ódio, de intolerância, em que o pior das mensagens está sendo passado para as gerações futuras. Eu só lamento – e vou cobrar isto – a omissão, uma ação de silêncio que no fundo...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Jorge Viana (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – ... é quase criminosa do próprio Ministério Público, que é tão operoso para atender os seus interesses ou para cumprir aquilo que lhe determinaram fazer contra determinados setores da política, como o PT, contra o Presidente Lula, mas que se omite quando vê praticado, em rede nacional, um crime como o que foi cometido no Acre, no último sábado, por um candidato a Presidente que afrontou a civilidade quando pegou algo, simulando uma metralhadora e um fuzil, e disse que as pessoas deveriam fuzilar todos aqueles que não concordavam com a ideologia que ele prega. É lamentável estar vivendo estes tempos no nosso País. Parabéns, Senadora Lídice. Muito obrigado por sua solidariedade.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – Obrigada pelo aparte, Senador Jorge Viana.

    Quero dizer a V. Exª que eu não me solidarizo apenas porque se trata – digamos – de uma ação contrária ao PT. Não! Eu me solidarizo por duas razões: primeira, porque se trata do Governador do Estado, do Prefeito da capital, ambos eleitos pelo povo, portanto, alguém que visita aquele Estado, mesmo que seu opositor, tem que respeitar...

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – ... a soberania do voto popular; segunda e mais grave razão, que é esta que eu denuncio aqui e que privilegio nesta denúncia, a incitação à violência, clara, absolutamente clara, feita por alguém que se pretende candidato a Presidente da República, e mais, com o silêncio das autoridades do Ministério Público e do Judiciário. Vão passando, como se fossem normais, as agressões covardes às mulheres perpetradas por esse candidato, na Câmara dos Deputados, às jornalistas e às suas colegas. Vai passando, como se fosse natural, essa tentativa de, no uso da língua portuguesa, criar...

(Interrupção do som.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA. Fora do microfone.) – ... chamamento da violência no nosso País...

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – Vou finalizar.

    Permita-me finalizar o meu pronunciamento com a sistematização do meu raciocínio.

    Surge neste momento de frustração um candidato que se coloca como uma contraposição ao status quo, ou seja, à política tradicional, sendo ele um representante legítimo dessa política tradicional. Há 27 anos Parlamentar, com todos os seus filhos Parlamentares, uma verdadeira franquia familiar no Parlamento – aliás, tão clara da antiga e da velha política que nós conhecemos no Brasil das capitanias hereditárias –, coloca-se beneficiando de todos os privilégios...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – Peço dois minutos para que possa finalizar o meu raciocínio.

    Não é um nazista clássico, pois o nazismo oriundo da expressão Nacional Socialista tem como componente essencial o nacionalismo exacerbado. Ele, ao contrário, pelas suas próprias declarações, é um entreguista assumido. Pretende entregar a Amazônia ao capitalismo estrangeiro. Essa submissão aos interesses norte-americanos ficou patente quando envergonhou o País batendo continência para a bandeira americana em recente visita aos Estados Unidos.

    Na verdade, parece mais candidato a ditador latino-americano dos anos 60, um títere dos EUA, violento, cruel, mas submisso aos interesses do grande capital estrangeiro.

    Entre a tristeza e o horror, os democratas brasileiros de esquerda,...

(Interrupção do som.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – ... de direita e de centro, não podem permitir o avanço de semelhante ameaça... (Fora do microfone.) ... à nossa democracia, por mais frágil e defeituosa que ela seja.

    Portanto, Sr. Presidente, que as autoridades competentes fiquem atentas e tomem para si a devida responsabilidade de conter alguém que vem convocando o povo brasileiro à violência e à barbárie num processo claro de desrespeito à Constituição nacional.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2018 - Página 60