Pronunciamento de Marta Suplicy em 04/09/2018
Discurso durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Reflexões sobre o incêndio ocorrido no Museu Nacional.
- Autor
- Marta Suplicy (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/SP)
- Nome completo: Marta Teresa Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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CALAMIDADE:
- Reflexões sobre o incêndio ocorrido no Museu Nacional.
- Publicação
- Publicação no DSF de 05/09/2018 - Página 103
- Assunto
- Outros > CALAMIDADE
- Indexação
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- COMENTARIO, INCENDIO, MUSEU NACIONAL (UFRJ), LOCAL, CIDADE, RIO DE JANEIRO (RJ), SITUAÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, PREJUIZO, HISTORIA, PESQUISA CIENTIFICA, PAIS, DEFESA, ORGANIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, GRUPO, OBJETIVO, RECONSTRUÇÃO, MUSEU, TRABALHO, PREVENÇÃO, ACIDENTE.
A SRª MARTA SUPLICY (Bloco Maioria/MDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Caros Senadores, Senadoras e ouvintes que estão nos assistindo pela televisão, tudo o que envolveu o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro provocou muita indignação, provocou raiva, provocou enorme tristeza, entristeceu o Brasil e todos no mundo que prezam e valorizam a cultura.
Nas chamas que consumiram cerca de 20 milhões de itens, tivemos como componentes para a combustão o descaso de anos com a nossa história e memória e, mais do que isso, o descuido com os valores e a formação educacional de nossas crianças, jovens e com a história da nossa Nação.
As transferências de recursos para a UFRJ aumentaram de R$2,6 bilhões para R$3,1 bilhões entre 2014 e 2017, mas os cerca de R$500 milhões a mais, segundo o Governo Federal, foram usados para cobrir o crescimento de despesas com pessoal. Os gastos com custeio passaram de R$464 milhões para R$497 milhões, e os recursos em investimentos caíram de R$65 milhões para R$14 milhões, afetando, claro, o Museu Nacional, não considerado prioridade, que recebeu uma quantia pífia.
Sabemos que é difícil gerir a máquina, e essa questão da falta de recursos para investimento exige assertividade, alternativas, várias coisas. Mas eu acho que o mais importante que faltou também foi a tomada de decisões que levem em conta a Nação, a visão de mundo e uma visão de longo prazo, porque eu tenho certeza que as pessoas responsáveis por esse tipo de decisão de não investimento ficam premidas pelos funcionários, que querem aumento de salário, pela folha de pagamentos, por isso, por aquilo, por outro telhado caindo dentro da universidade. A gente sabe que a UFRJ tem passado muita dificuldade, mas faltou visão, faltou pensar no Brasil e na nossa história.
E quero observar que nos últimos anos o País assistiu a pelo menos oito grandes incêndios que consumiram prédios que guardavam acervo com valor artístico, histórico e científico: o Teatro Cultura Artística, 2008, ainda para ser recuperado para o público, com uma década de prazos descumpridos para a sua reabertura – isso em São Paulo; o Instituto Butantan, 2010, também em São Paulo, cujo acervo, também inestimável, se perdeu de modo que cem anos de história foram varridos pelas chamas; o Memorial da América Latina, também em São Paulo, em 2013, onde perdemos uma tapeçaria incrível da Tomie Ohtake e tivemos bombeiros e brigadistas que ficaram feridos nesse combate ao incêndio; o Museu de Ciências Naturais da PUC, em Minas Gerais, que foi em 2013, um dos maiores acervos de fósseis de mamíferos do Brasil; o Centro Cultural Liceu de Artes e Ofícios, em 2014, erguido em 1873, cujas portas só se reabriram recentemente; e o Museu da Língua Portuguesa, também em São Paulo, em 2015, um espaço dedicado ao estudo da nossa língua, com acervo digital. Ali, o prejuízo maior foi ao prédio da Estação da Luz, que é um prédio histórico, lindo, inaugurado originalmente em 1867 e restaurado em 2006 para receber as instalações do museu; a Cinemateca Brasileira, em 2016, um episódio em que perdemos de forma definitiva 270 títulos armazenados no galpão da Vila Clementino. Foi possível recuperar 461 títulos que tinham cópia de Segurança.
Antes desses, em 1978, nós tivemos o incêndio do Museu de Arte Moderna, o MAM, que pulverizou obras, Senador Paim, de Picasso, Dali, Miró e dezenas de artistas brasileiros. Tudo perdido em 40 minutos! Não foram, portanto, poucos os episódios; prejuízos para a memória nacional e para história tanto do País quanto do mundo.
Ainda é muito viva e intensa também, não poderia deixar de citar aqui, a memória do desastre de Mariana, que extinguiu povoados, paisagens e vidas. Ali houve inclusive grave destruição do patrimônio ambiental. Nesse caso, a causa foi negligência, entre outros fatores.
O que acontece depois das grandes tragédias? Os esforços para recuperação ganham espaço, ganham discursos, gritaria, explicações que ninguém consegue acreditar muito, mas tudo caminha com grande lentidão.
Tornaram a recuperação do Museu Nacional um case de recuperação e de novos parâmetros de segurança. As medidas anunciadas nesta tarde pelo Governo Federal me parece que podem ter algum sentido. Vamos lá. Foram três grandes decisões: primeira, a instalação de um comitê gestor para coordenar o processo de reconstrução do Museu Nacional. O grupo vai ser formado pelos Ministérios da Educação, Cultura, Relações Exteriores, Casa Civil, além de bancos públicos; segunda, a liberação de 25 milhões pelo BNDES para financiar projetos executivos de segurança, prevenção de incêndios e modernização de museus, arquivos e instituições. Vai ser por edital, e as instituições ligadas ao patrimônio cultural do País poderão apresentar propostas e solicitar parte da verba; terceira, uma medida provisória para criar lei sobre os fundos patrimoniais. Isso é algo que já estava discutindo com a minha equipe. Nós temos uma minuta de projeto nessa linha, e penso em contribuir no debate dessa medida provisória. A partir da MP, um fundo específico para o Museu Nacional poderá ser criado para receber recursos destinados à reconstrução. Essa me pareceu uma ideia bastante boa. A burocracia tem de ser cumprida, evidentemente, mas é inexplicável o que aconteceu com o projeto de patrocínio da reforma do Museu Nacional, que chegou ao BNDES e demorou quase três anos para ser aprovado. O banco informou que a demora ocorreu devido a adequações no projeto – dentre as quais, isso é incrível, a implementação efetiva de um sistema de combate a incêndio. Quer dizer, tinham pedido vários itens, vários recursos para diferentes ações e não tinham pedido um sistema de combate a incêndio –, bom, e também aí a desculpa: a necessidade de aprovações de órgãos fiscalizadores, urbanísticos, ambientais, patrimônio.
Bem, deu nisso, deu nessa tragédia incomensurável.
O que precisa mudar é a visão sobre prioridades e mais do que isso: a competência para executar os planos, seja no setor da cultura, seja no da educação – agora tivemos um resultado tenebroso no meu Estado, no Estado de São Paulo, na questão do Ideb –, seja no da saúde. Nós temos que pensar em algo muito caro e que, infelizmente, não é uma consciência no nosso País: a verdadeira responsabilidade social.
A responsabilidade social tem de vir de todos: cidadãos, autoridades. É bem mais do que um projeto sobre a mesa, é bem mais do que dinheiro que temos ou não temos, é o compromisso com as nossas pessoas, as nossas memórias afetivas e o cuidado com as futuras gerações.
A educação do século XXI é um processo mais amplo do que nós conhecemos hoje no Brasil, do que a educação formal que nós tivemos nas escolas há tantos anos, e os museus são imprescindíveis.
Não há museu no mundo... No Brasil, temos também experiências bastante acentuadas – eu mesma ajudei algumas e vejo também quando frequento museus –, mas é muito comum muita criança dentro de museu, porque elas estão ali para aprender: aprender arte, aprender história, aprender a ter uma visão de que o mundo não se resume à sua cidade, ao seu bairro, ao seu quarteirão ou ao seu país. Isso é importantíssimo para a formação.
Bom, mas, de prático, o que eu Senadora estou fazendo?
Bom, primeiro, é simbólico, mas é um ato relevante. Eu estou relatando um projeto da Senadora Maria do Carmo que institui o Dia Nacional do Museu. Esse projeto quer, fundamentalmente, valorizar a preservação do patrimônio cultural brasileiro. É uma ideia que nós podemos aprovar com rapidez. Assim como nós tivemos outras práticas de mobilização social aprovadas pelo Legislativo, como, por exemplo, Senador, o Dezembro Vermelho, para a campanha de combate e prevenção ao HIV/aids.
Se nós aprovarmos a data para o Dia Nacional do Museu – e aí agora aumentando essa consciência da preservação da nossa história nos museus após essa tragédia –, que nós consigamos uma mobilização maior da população e de patrocínios também, porque no Brasil nós não temos o hábito de patrocinadores ofertarem aos museus recuperação de alas ou compra de peças, nada disso.
Bom, eu também tenho a minuta de um projeto de lei, que estou examinando com a nossa equipe, que versa sobre obter recursos a partir de fundos patrimoniais. Agora também entrou uma MP sobre a mesma coisa. A ideia é, por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas, aplicar valores em um fundo patrimonial cujos dividendos ficariam disponibilizados para melhoramentos dos museus, entre outras finalidades pertinentes. Agora a gente está afinando as ideias na nossa equipe. A MP já avança nisso, e nós queremos contribuir nessa linha.
Também pensei, como ex-Ministra da Cultura, sobre a Lei Rouanet. E por que nós não podemos avaliar algo como uma compensação em todas as operações dessa lei, visando um fundo de financiamento para os museus?
Nós temos visto muitas publicações dizendo: "Olha, a Lei Rouanet financia isso, financia aquilo...", e colocam todo tipo de cantor, de programa, de teatro, etc., com todos os tipos de crítica. Não estou aqui discutindo se são válidas ou não. Eu só estou dizendo que nós temos um grande debate hoje a ser feito aqui no Congresso Nacional sobre a Lei Rouanet e poderíamos colocar que, em todo projeto aprovado na Lei Rouanet, dentro desse novo enfoque que provavelmente vai surgir, uma parcela do que fosse patrocinado naquele projeto – pode ser uma parcela pequena – poderia ir para a manutenção dos museus, porque os museus brasileiros têm pouco recurso mesmo.
Eu sofria bastante como Ministra para tentarmos fazer um mínimo aceitável nos nossos museus não só em manutenção, na questão de incêndios, etc., mas com coisas até mais básicas, como museus que às vezes descobríamos que estavam sendo roubados, as pessoas levavam, porque não havia vigilantes suficientes. Era um espanto!
E, muitas vezes, essa situação... O Ministro da Cultura ontem estava dizendo que os museus brasileiros na área da cultura – porque o que foi queimado não está dentro da cultura; está na educação, porque pertence à Universidade Federal do Rio de Janeiro – estão razoavelmente bem protegidos contra incêndios. Espero que sim!
Agora nós temos que pensar não só na tristeza mas temos que pensar, Senador Paim, em solução e em encaminhamentos, e eu quero estar junto desse grupo que pensa nas soluções.
Obrigada.