Discurso durante a 121ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo em favor da revisão da legislação que regulamenta a realização da laqueadura tubária pelo SUS.

Autor
Ione Guimarães (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/GO)
Nome completo: Ione Borges Ribeiro Guimarães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Apelo em favor da revisão da legislação que regulamenta a realização da laqueadura tubária pelo SUS.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2018 - Página 48
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, SENADO, REVISÃO, LEGISLAÇÃO, OBJETO, REGULAMENTAÇÃO, CIRURGIA, ORGÃO, MULHER, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).

    A SRª IONE GUIMARÃES (Bloco Moderador/PTB - GO. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sra. Presidente, Sras. Senadoras presentes, Simone Tebet, Vanessa, Regina, Ana Amélia, Rose; Srs. Senadores, em especial o Senador Randolfe, subo hoje nesta tribuna para abordar um tema muito caro a mim e importante para muitas mulheres em nosso País: a laqueadura.

    Até pouco tempo atrás, quando se falava de planejamento familiar no Brasil, a laqueadura assumia o primeiro lugar entre os métodos de controle de fertilidade.

    Entre os anos de 1980 e 1990, a laqueadura tubária foi a principal ferramenta de controle de fertilidade no Brasil. O porcentual de mulheres laqueadas com idade entre 15 e 44 anos cresceu de 28% em 1986 para 40% em 1996.

    O aumento da laqueadura não ocorreu sem polêmica, visto que a incidência era concentrada nas populações de trabalhadoras, mulheres pobres e indígenas.

    A Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, também conhecida como Lei do Planejamento Familiar, gerou declínio da laqueadura, em razão da contextualização dos métodos e técnicas de concepção e contracepção no âmbito do Sistema Único de Saúde.

    A título de ilustração, 3,3 milhões de mulheres foram laqueadas no Brasil entre 2000 e 2006, em seis anos, configurando uma média de 480 mil tratamentos por ano. De 2007 a 2017, em dez anos, por sua vez, essa média caiu para 51 mil procedimentos apenas, estabilizando-se em torno de 60 mil, em 2016 e 2017.

    Curiosamente, a Lei do Planejamento Familiar tinha o sentido de democratizar o acesso a técnicas e métodos contraceptivos, inseridos no SUS como procedimentos cobertos pelo sistema.

    No entanto, ao instituir restrições ao perfil de mulher atendida – maiores de 25 anos ou com dois filhos vivos –, ao estabelecer procedimentos complexos como pré-requisitos e ao introduzir a necessidade de consentimento do cônjuge, a lei terminou por travar a expansão das laqueaduras.

    Hoje em dia constata-se claramente a demanda frustrada por parte de muitas mulheres que consideram a laqueadura, em razão de sua condição – muitas vezes de pobreza extrema –, a melhor solução contraceptiva.

    Matéria veiculada no canal GloboNews, em 17 de janeiro de 2018, mostrou a atuação da Defensoria Pública, no Município fluminense de Duque de Caxias, na defesa de grupo de 60 mulheres que demandavam o direito de fazer laqueadura pelo SUS.

    Muitas mulheres reclamavam que o extenso prazo de quase oito meses para se conseguir uma laqueadura e a enorme burocracia levaram-nas ao desalento e à desistência do processo e frequentemente a gravidezes.

    Em meu entendimento, essa situação caracteriza um descaso com alguns dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição de 1988: os direitos sexuais e reprodutivos, cuja proteção está expressa no art. 226, §7º, regulamentado na Lei do Planejamento Familiar.

    Eu peço a permissão dos senhores e das senhoras para ler, na íntegra, esse importante dispositivo da nossa Carta Magna, abro aspas:

Art. 226.

........................................................................................................

§7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais ou privadas [fecho aspas].

    Cabe ao Estado, portanto, propiciar os recursos educacionais e científicos para o planejamento familiar.

    E faço questão, também, de ler para todos os presentes o conteúdo do art. 9º da Lei do Planejamento Familiar, que regulamentou o referido dispositivo constitucional, abro aspas:

Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantindo a liberdade de opção [fecho aspas].

    Ora, se a opção da laqueadura não se verifica no SUS, então constatamos claro desrespeito à cidadania, pois não se cumpre aqui um dos mais altos direitos previstos na nossa Constituição: o direito ao controle da reprodução.

    Por esses motivos, considero oportuna a iniciativa do Projeto de Lei do Senado nº 107, de 2018, do Senador Randolfe Rodrigues, que altera a Lei do Planejamento Familiar com o objetivo de facilitar o acesso a procedimentos de laqueadura e vasectomia.

    A proposição retira a proibição de associação entre cesariana e esterilização, bem como exclui a necessidade de consentimento do cônjuge.

    Como assinalou a Relatora da proposição na Comissão de Assuntos Sociais, Senadora Marta Suplicy, em seu voto, trata-se de medida desejada e oportuna para muitas mulheres que não terão oportunidade de se submeter a outra cirurgia e se afastar de suas funções cotidianas. E cabe, ainda, destacar que a mulher corre menos risco cirúrgico quando os procedimentos são realizados em uma única oportunidade. Claro.

    Penso, no entanto, que a matéria objeto do projeto de lei do Senador Randolfe Rodrigues poderia ser aperfeiçoada, razão pela qual apresentei o Projeto de Lei do Senado nº 406, de 2018.

    O PLS 406 altera o artigo 9º da Lei do Planejamento Familiar, que trata do oferecimento de métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas.

    A alteração consiste em incluir no referido artigo, além dos métodos e técnicas de contracepção, a esterilização cirúrgica voluntária para mulheres e homens com capacidade civil plena, garantida a liberdade de opção. Esta prescrição só poderá ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre os riscos, vantagens, desvantagens e eficácia.

    Considero que incluir a possibilidade de esterilização no art. 9º da Lei do Planejamento Familiar configura elevar a importância do procedimento ao nível das técnicas de contracepção garantidas na legislação.

    Só para os senhores terem uma ideia, todos os Senadores que estão aqui, como trabalho como médica no Sistema Único de Saúde (SUS) e no sistema privado, tenho pacientes que demoram meses para conseguir uma laqueadura: é preciso passar por dois médicos, uma assistente social, uma psicóloga; o cônjuge tem que assinar; não pode ser feita durante uma cesárea ou durante um parto normal. A laqueadura tem que ser feita em outro tempo. Nisso, decorrem meses. A mulher que está com um bebê recém-nascido, amamentando, vai se deslocar do seu lar para todo esse processo. Até lá, ela desiste e engravida de novo. É uma dificuldade que pode ser alterada e facilitada pela desburocratização, com essa lei que podemos modificar aqui no Senado da República.

    Para concluir esta minha fala, ainda que seja apenas um primeiro passo para se regularizar a situação atual – um passo ainda tímido, em meu entendimento –, pretendo não só apoiar o PLS nº 107, de 2018, como também me esforçar para introduzir novos aperfeiçoamentos à matéria no decorrer da tramitação no Senado Federal.

    Era o que tinha a dizer, Sra. Presidente.

    Muito obrigada a todos.

    E conto com o apoio de todos os senhores que estarão aqui nos próximos anos, em que não estarei, para ajudar com o aperfeiçoamento dessa lei, facilitando, assim, a vida de tantas mulheres e com isso, talvez, permitindo que tantas outras, no seu direito de serem mulheres, no seu direito de "meu corpo, minhas regras", tenham o direito de dizer quantos filhos querem ter, quando querem parar de ter filhos e de submeter a uma laqueadura, que é um procedimento cirúrgico – desde que seja clinicamente aceito pelo médico e pedido pela paciente – e um método praticamente sem nenhum risco para a paciente.

    Gostaria de contar com todos os senhores que estarão aqui no próximo ano.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2018 - Página 48