Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o posicionamento do Presidente da República eleito quanto à economia, à política externa e ao respeito aos direitos humanos.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Preocupação com o posicionamento do Presidente da República eleito quanto à economia, à política externa e ao respeito aos direitos humanos.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2018 - Página 38
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • APREENSÃO, MOTIVO, FUTURO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, GOVERNO, CANDIDATO ELEITO, DEPUTADO FEDERAL, JAIR BOLSONARO, ENFASE, MANUTENÇÃO, RELAÇÃO, ACORDO, ECONOMIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, CHINA, PAISES ARABES, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, AUSENCIA, CONFLITO, VENEZUELA.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, paira no ar um temor em relação à postura do próximo Governo em relação à economia, em relação ao respeito aos direitos humanos, em relação ao respeito ao meio ambiente, mas para mim, Sr. Presidente, mais preocupante que isso, para mim, paira no ar um temor em relação à política externa no próximo Governo. Até porque no que se refere à política interna, se se comete um erro, dá para corrigir sem muita dificuldade, mas em política externa para construir uma relação entre países, são necessários anos, às vezes décadas, e, por um descuido, nós podemos interromper tudo isso e aí necessitar de outros anos e décadas para reconstruir o que se destruiu.

    Por exemplo, a entrevista do Ministro da Fazenda, de desprezo em relação às relações do Brasil com a Argentina, deixa-nos com uma preocupação muito grande, como se o próximo Governo estivesse olhando só para o norte, para os Estados Unidos, por exemplo, e querendo virar as costas para o sul, que é próximo de nós. É preocupante!

    Quem tem um pouco mais de tempo de vida e que estuda história se lembra de como as relações entre o Brasil e a Argentina eram tensas, e não só em dias de jogo de futebol. Havia um antagonismo Brasil/Argentina. Graças a Sarney, graças a Alfonsín e aos que vieram depois, inclusive o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Presidente Lula, foi possível transformar isso em uma relação fraterna, apesar do futebol.

    Qualquer descuido, palavra errada gera um antagonismo com outros países; os povos se sentem feridos. Eu senti isso, Sr. Presidente, com a fala ontem do Ministro da Fazenda.

    Preocupa-me muito quando eu vejo o próprio Presidente dizer que a relação com a China precisa ser reavaliada. Até que pode ser tudo reavaliado, mas não se precisa dizer. Faça-se isso pelos canais discretos da diplomacia, por um telefonema entre os Presidentes, mas não se explicita que as relações precisam ser refeitas, até porque, Presidente, o Brasil depende muito da China. Pode-se dizer que a China depende do Brasil, mas menos. Uma quebra na relação comercial do Brasil com a China teria impactos dramáticos na nossa balança comercial, mas não é só a balança comercial; são as relações todas que foram sendo construídas ao longo de 10, 15, 20 anos, que criam uma relação, inclusive, científica e tecnológica com a China, que criam uma relação que vai além da diplomacia. Não se pode descuidar!

    Da mesma maneira, nossa relação com os países árabes. Isso foi um processo de anos, e anos, e anos, de diversos Presidentes, Governos, diplomatas, ministros, até que o Brasil se encontrasse como um país que é visto no mundo árabe com respeito, com carinho.

    O Brasil tem um compromisso imenso com Israel. Foi sob a Presidência de um brasileiro nas Nações Unidas que a Assembleia-Geral votou a criação do Estado de Israel. Além disso, temos uma população sólida de judeus, sejam judeus que praticam a religião, sejam judeus seculares, mas que são judeus. Essa relação com Israel tem que ser mantida, solidificada, mas não se ameaçando as relações com os países árabes. E quando o Presidente levanta a hipótese de mudar a capital do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, cria-se uma animosidade imediata com todos os países árabes do mundo, e não só com os da região ali perto.

    O Presidente Trump tem força suficiente, como potência internacional que é, para fazer um gesto desses; mesmo assim, trouxe consequências negativas para os Estados Unidos. O Brasil não pode correr o risco de levantar essa hipótese, até porque vai parecer uma submissão direta a uma determinação do Departamento de Estado para que o Brasil o faça.

    Eu fico preocupado também quando eu vejo tensão crescente com a Venezuela. Hoje creio que é quase uma unanimidade, raríssimos brasileiros hoje simpatizam com o Governo que tem a Venezuela – raríssimos! Basta ver quantos Senadores chegam aqui para elogiar a Venezuela. Mas isso não justifica que a Nação brasileira crie uma tensão, inclusive na fronteira, com a Venezuela.

    Eu temo profundamente que qualquer descuido possa levar a mais do que discussões, possa levar a conflitos.

    Imaginem que um venezuelano que entra no Brasil e que comete um assassinato de um brasileiro volte para a Venezuela; e que a população brasileira, o Governo brasileiro, com raiva do Maduro, mande buscar esse venezuelano lá dentro do território. E, aí, cria-se um conflito.

    Maduro adoraria uma guerra com o Brasil, porque é uma maneira de unir o seu país. E eu temo que no Brasil alguns maquiavélicos estúpidos queiram fazer o mesmo: unir o Brasil em função de um conflito com um país estrangeiro, no caso a Venezuela. Não seria a primeira vez que para unir um país se cria um inimigo externo. Uma coisa é ter o Maduro como alguém que nós não gostaríamos de ter como Presidente do Brasil e até simpatizar com aqueles que da Venezuela lutam contra ele. Isso é uma coisa. A outra coisa é criar conflito entre países. Eu temo que, de palavras erradas em palavras erradas, o Brasil possa levar o que pode ser uma discordância a um conflito.

    Eu temo muito quando eu vejo as pessoas próximas ao novo Presidente relaxando em relação ao Mercosul. Não vejo o Mercosul como grande parceiro do Brasil, não. Temos que ter parceria com a Europa, parceria com a China, parceria com Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, mas não podemos menosprezar a relação que foi construída com o Mercosul. E por quatro anos eu fui, indicado por esta Casa, pelo Senado, Deputado no Mercosul.

    Eu vi alguém, não sei se o Presidente ou alguém próximo dele, dizer que o Mercosul é uma invenção ideológica das esquerdas. Desculpem, mas precisam ler mais. O Mercosul foi criado por Sarney e Alfonsín, o Presidente Sarney no Brasil e Alfonsín na Argentina, dois Presidentes que vieram com o fim dos dois regimes militares, um em cada país. Eles, que tiveram uma relação excelente entre eles, criaram o Mercosul. Isso tem 30 anos. Como é que a gente vai desfazer uma coisa que levou 30 anos para se fazer?

    É assustador, Sra. Presidente, o que a gente está vendo de ameaças na política externa. Óbvio que é muito cedo para a gente ficar dizendo que as coisas vão acontecer dessa maneira.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – O próprio Presidente Bolsonaro já disse que não ia juntar o Ministério da Agricultura com o do Meio Ambiente, decisão sábia, correta. Soube voltar atrás. Já disse que não vai retirar o Brasil do Acordo de Paris. É preciso que reveja algumas posições que começam a surgir em política externa. E isso nos deixa um certo otimismo, mas não tira a preocupação. Aliás, todo otimista tinha por obrigação ser preocupado.

    E, finalmente, Sra. Presidente – agradeço o tempo e alguns minutos mais que possa me dar –, preocupa-me ouvir o Presidente dizer que vai desideologizar o Itamaraty. O Itamaraty é uma das instituições mais sólidas que o Brasil tem, o Itamaraty é uma...

(Interrupção do som.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Por favor. (Fora do microfone.)

    O Itamaraty, de nossas instituições, como as Forças Armadas também, eu digo, é uma das instituições que merecem mais respeitabilidade. E isso de ideologização, pergunto-me: onde? Pela relação com a Venezuela? Pela relação com a Bolívia? São países próximos, para os quais o Governo teve naquele momento, e que faz três anos que já não tem. Não é mais uma questão de proximidade por razões ideológicas. O Aloysio Nunes, nosso colega daqui, Ministro já há dois anos, não dá para ser acusado de conduzir a política externa sob a forma ideológica.

    Ao contrário, quando eu vejo o Presidente Bolsonaro falar, eu fico com a impressão de que ele está ideologizando a política externa. Não é o atual Governo – e olha que eu estou longe de querer defender o Governo atual. Mas o Itamaraty, hoje, onde está ideologizando? Onde está colocando o interesse ideológico na frente dos interesses nacionais? Onde? Na relação com a China? Na crítica ferrenha à Venezuela? Na falta até de relações com Cuba – não temos embaixador lá e nem eles têm embaixador aqui. Onde está essa ideologização? Eu creio que Bolsonaro, sim, está começando a demonstrar que quer ideologizar a política externa.

    Por isso, Sra. Presidente, eu quis vir aqui hoje para dizer que, muito mais de minha preocupação com mudanças radicais nos direitos humanos, no meio ambiente, na economia, preocupa-me o risco de mudanças na política externa. Mudanças para as quais, se a gente as fizer agora, serão necessários anos, décadas para refazer o que foi destruído. Esta Casa precisa ficar atenta.

    Devo concluir, Sra. Presidente – e aí eu concluo mesmo –, que, quando, três semanas atrás, eu perdi a eleição, eu senti um certo até "frustralívio", uma frustração de não poder participar dos debates dos próximos anos, mas um alívio por outros planos que eu ainda tenho para os últimos anos da minha vida. Mas, quando eu vejo essas declarações do Presidente, a frustração fica maior que o alívio. Até me dá uma sensação de desconforto por estar fora, no próximo ano, dos debates que vão ocorrer aqui, porque, se eles não ocorrerem, o Brasil pode ser levado para caminhos que, quando desperte, já será muito tarde.

    Eu vim tentar fazer aqui uma espécie de alerta das preocupações que eu tenho. Ainda é cedo para dizer que o caminho vai ser esse, negativo, até porque nenhum Presidente consegue mudar as coisas conforme a sua ideologia. Tudo passa pela máquina do Governo, tudo passa pela instituição do Itamaraty, tudo passa pelo Congresso, pela Comissão de Relações Exteriores do Senado, onde hoje discutimos um pouco esse assunto.

    Então, não dá para ter um pessimismo, mas dá, sim, para ter uma preocupação. Dá para ser responsável, e ser responsável hoje é preocupar-se, mesmo sem pessimismo, mas sem tranquilidade.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Não é tempo de tranquilidade e eu quis vir manifestar isso aqui, Sra. Presidente, e agradeço o tempo extra que me concedeu.

    Era isso, Sra. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2018 - Página 38