Discurso durante a 130ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da Sessão Solene do Congresso Nacional em comemoração aos 30 anos da Constituição Federal e breve histórico da atuação de S. Exª durante o processo constituinte de 1988.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONSTITUIÇÃO:
  • Considerações acerca da Sessão Solene do Congresso Nacional em comemoração aos 30 anos da Constituição Federal e breve histórico da atuação de S. Exª durante o processo constituinte de 1988.
Publicação
Publicação no DSF de 08/11/2018 - Página 22
Assunto
Outros > CONSTITUIÇÃO
Indexação
  • REGISTRO, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, ACESSO, IGUALDADE, DIREITOS.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso.) – Esperei aqui, Presidente, calmamente, inclusive algumas intervenções fora da ordem, para poder dar duas palavras aqui sobre a sessão de ontem da comemoração dos 30 anos da nossa Constituição.

    Além da sessão do Congresso Nacional a partir de 15 horas, temos agora duas Comissões que estão funcionando nesta Casa, da qual sou membro, tanto que fiz um esforço para estar aqui presente para registrar esse evento. E fiz isso, Sr. Presidente, primeiro, como Constituinte que sou, que fui nesse processo de organização da Constituição de 88 e, segundo, porque creio que as falas ontem tanto do Presidente do Supremo Tribunal Federal, quanto, especialmente, da Procuradora-Geral da República, além da do Presidente da Casa, foram todas num sentido que parecia óbvio, mas, como diria Darcy Ribeiro, é importante dizer o óbvio. E é salvaguardar, defender a democracia brasileira e a Constituição deste País. Portanto, eu queria chamar a atenção para esse processo constituinte de 88, de que pude participar.

    Quando pela primeira vez ouvi a expressão constituinte, estava eu ainda na Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia, debatendo com os colegas, dezenas, centenas de estudantes, que depois se transformaram em milhares, nas assembleias que fizemos na universidade naquele período, as saídas para um processo democrático no Brasil. E aprovávamos, de assembleia em assembleia, curso por curso, a ideia que os estudantes brasileiros – no caso, os estudantes baianos – defendiam como uma das saídas para a construção democrática no Brasil: a convocação de uma assembleia nacional constituinte livre e soberana, democraticamente eleita.

    Portanto, eu, que, logo após a saída da universidade, me elegi Vereadora de Salvador e, três anos após, fui eleita, ainda durante o meu mandato de Vereadora, Deputada Federal Constituinte, tendo a honra de ser uma das duas mulheres que representavam a Bahia naquele período – eu e a Deputada Abigail Feitosa, uma grande e guerreira Deputada baiana, integrávamos a bancada de 39 Deputados e 3 Senadores pela Bahia –, com essa iniciativa, com esse primeiro contato com aquele processo constituinte, pude perceber que aquela Constituição era uma Constituição que nascia de baixo para cima, que nascia da base da organização da sociedade brasileira.

    E essa foi a marca da Constituição de 88, que permaneceu durante a organização do seu texto, com as famosas mobilizações setoriais e temáticas, que se apresentavam através das emendas populares a esta Casa. No exemplar de comemoração dos trinta anos da Constituição, recebemos algumas fotografias. Dentre essas fotografias, está exatamente a dos funcionários do Congresso Nacional recebendo as centenas, milhares de assinaturas que acompanhavam essas emendas parlamentares.

    É, portanto, essa Constituição de 88 uma Constituição que foi chamada pelo seu comandante, o Presidente do Congresso Nacional, Presidente Ulysses Guimarães, de Constituição cidadã, de forma muito própria, muito justa, porque ela nasce com a liberdade, com a organização da sociedade brasileira, da cidadania brasileira. E se afirma cidadã justamente porque nessa Constituição se firmam os pilares da autonomia e da cidadania no Brasil; os pilares da liberdade de organização; dos direitos individuais e coletivos; dos direitos humanos; do direito a um Sistema Único de Saúde ao alcance de todos, que vem através de uma proposta de emenda popular; da educação pública e gratuita de qualidade; da condenação ao apartheid, ao racismo, que se transforma em crime inafiançável; dos pilares da defesa da soberania nacional; e daqueles artigos que consagram um pacto de bem-estar social que se garante, através dessa Constituição, ao povo brasileiro.

    Portanto, há, sem dúvida nenhuma, motivos para comemorarmos a existência dessa Constituição cidadã, ainda mais nos tempos atuais, quando vimos tantos discursos de ódio, tantos discursos racistas, tantos discursos que vão de encontro, portanto em sentido contrário, àquele que prega a Constituição cidadã.

    No entanto, Sr. Presidente, quero descartar especialmente um aspecto dessa Constituição. Essa foi a Constituição que consagrou a presença da mulher na organização, na participação parlamentar em nosso País, àquela época apenas 5% do Parlamento. A Constituinte de 88 foi e ainda é um marco fundamental na elevação da mulher ao patamar de cidadã com direitos iguais aos dos homens. Aquele momento, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, foi a primeira vez que muitas de nós pisávamos nos tapetes verde e azul do Congresso Nacional. Com nossos corações pulsando na boca e a Carta das Mulheres aos Constituintes na mão, afirmávamos: Constituinte para valer tem que ter palavra de mulher.

    A bancada do batom, juntamente com os movimentos de mulheres, lutou muito para garantir na nova Constituição a ampliação dos direitos das mulheres, como a conquista da aposentadoria, férias e licença maternidade, o combate à violência doméstica e a ampliação da participação da mulher na política, uma luta que se traduziu de forma concreta em nosso País na batalha pela igualdade de direitos na sociedade.

    Defendemos temas ligados a direitos essenciais, como assistência integral à saúde da mulher, direito de creche, direito ao trabalho com todas as garantias. Levantamos nossa voz contra a discriminação e a violência que se abatia – e ainda se abate – sobre nós, nos quatro cantos deste País.

    Inúmeras conquistas da Carta de 88 podem ser atribuídas ao famoso lobby do batom, como a licença maternidade de 120 dias; a licença paternidade de sete dias; o salário família; o direito a creche e educação pré­escolar; a proibição de discriminação em razão do sexo; a plena igualdade entre homens e mulheres; a igualdade no acesso ao mercado de trabalho e na ascensão profissional; a igualdade salarial entre homens e mulheres por trabalho igual...

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – Finalizo.

    ... a proteção estatal à maternidade e à gestante; a igualdade de direitos previdenciários e a aposentadoria especial para mulheres; a igualdade na sociedade conjugal; a liberdade no planejamento familiar; a coibição da violência na constância das relações familiares, bem como do abandono dos filhos menores; além do direito à propriedade rural para a mulher.

    A atuação conjunta e suprapartidária da chamada bancada feminina foi fundamental ao garantir a igualdade entre cidadãos e cidadãs.

    Peço a V. Exa., portanto, que dê como lido todo o meu pronunciamento. Mas vou destacar ainda alguns pontos.

    Essa bancada feminina foi o único segmento que se elegeu com uma carta programática. Àquela época, foi expressivo o movimento daquilo que nós chamamos, de acordo com o conceito de Simone de Beauvoir, de nascimento de uma mulher política, que, ao se confrontar com os desafios da política, mudou seu ponto de vista, o seu olhar sobre o fato e mudou a sua própria vida.

    Nós lutamos e exigimos, desde que iniciamos a andar neste cenário do Congresso Nacional, até banheiros femininos no Plenário e nos gabinetes, o que fez parte da reivindicação das mulheres.

    Àquela época, nossa presença era vista como exceção. Éramos poucas e representávamos uma novidade no Congresso Nacional, que havia ampliado de 1,9% para 5,3% a representação feminina no Parlamento.

    Tive a honra de ser uma das 26 Deputadas Constituintes, protagonista daquele momento histórico de nosso País e da luta feminina...

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – ... e feminista.

    Durante a Constituinte, apresentei 196 emendas constitucionais, das quais 31 foram aprovadas. Entre elas, o Projeto de Lei nº 2.350, que tratava da proteção ao mercado de trabalho da mulher; o Projeto de Lei n° 973, que propunha alterações no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; e o Projeto de Lei nº 2.784, que fixou as Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, LDB.

    Foram incorporados à Carta Magna dois importantes artigos relacionados à equidade de gênero e à proteção dos direitos humanos das mulheres que fazem parte dessa conquista da ação da nossa bancada feminina: o art. 5º, inciso I: "Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição"; e o art. 226, §5º: "Os direitos e deveres...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – ... referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher".

    Hoje podemos afirmar que, ao longo dos últimos anos, presenciamos avanços importantes, como a chamada Lei Maria da Penha e a lei que tipifica o crime de feminicídio votada aqui pelo Congresso Nacional.

    De outro lado, ainda persistem situações dramáticas de violência e, principalmente, Sr. Presidente, as últimas votações que tivemos aqui no ano passado contrariam muitos dos direitos e garantias trabalhistas que nós garantimos às mulheres nessa Constituição.

    Decorridas três décadas daquela que foi uma das principais ações do movimento de mulheres, nós nos encontramos hoje apreensivas com a possibilidade e a ameaça de esses direitos serem desconstituídos, como alguns dos projetos que tramitam nesta Casa e na Câmara dos Deputados...

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – ... que dizem respeito e que impactam a vida de milhares de mulheres neste País.

    Finalmente, Sr. Presidente, nós saímos desta eleição com 77 mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados – eu entre elas – e nove Senadoras, o que faz com que nós tenhamos crescido para respectivamente 15% na Câmara dos Deputados e permanecido no Senado com cerca de 10%.

    Significa dizer que, em 30 anos, nós crescemos a nossa participação na Câmara dos Deputados em apenas 10%. A nossa luta por direitos continua, a nossa luta para não permitir retrocessos aos direitos conquistados continua e agora se acrescenta mais ainda a luta árdua que as mulheres tiveram no processo constituinte...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – ... contra a ditadura em nosso País para afirmar que a nossa luta por democracia e liberdade continua e para garantir a efetiva aplicação da Constituição cidadã e o respeito a ela.

    Muito obrigada.

DISCURSO NA ÍNTEGRA ENCAMINHADO PELA SRª SENADORA LÍDICE DA MATA.

(Inserido nos termos do art. 203 do Regimento Interno.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/11/2018 - Página 22