Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à Medida Provisória nº 844, de 2018, que altera leis e normas referentes ao serviço de saneamento básico no País.

Autor
Fátima Bezerra (PT - Partido dos Trabalhadores/RN)
Nome completo: Maria de Fátima Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO:
  • Críticas à Medida Provisória nº 844, de 2018, que altera leis e normas referentes ao serviço de saneamento básico no País.
Aparteantes
Lindbergh Farias.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2018 - Página 20
Assunto
Outros > AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO
Indexação
  • CRITICA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), MARCO REGULATORIO, SANEAMENTO BASICO, RISCOS, AUMENTO, DESIGUALDADE REGIONAL, COMENTARIO, NECESSIDADE, DISCUSSÃO, SOCIEDADE, GOVERNADOR, REPUDIO, AUSENCIA, IGUALDADE, FALTA, PARIDADE, MUNICIPIOS.

    A SRA. FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, os que nos acompanham pelas redes sociais.

    Sr. Presidente, cresce a mobilização social e política contra a Medida Provisória 844, de 2018, que tramita aqui, no Congresso Nacional, que altera o marco regulatório que trata do saneamento em nosso País, desta vez com uma carta, aqui, assinada, já, por 24 governadores e uma governadora, que passo a ler neste exato momento:

Carta dos Governadores sobre a Medida Provisória 844, de 2018, que altera a Lei do Saneamento.

Os Governadores atuais e eleitos abaixo assinados vêm a público manifestar a preocupação com a aprovação da Medida Provisória nº 844, de 2018, que altera o marco legal do saneamento, na forma do Relatório do Senador Valdir Raupp aprovado na Comissão Mista, na última quarta-feira, dia 31 de outubro.

Da forma como foi aprovada, ao invés de avançar rapidamente na universalização dos serviços, a Medida Provisória 844 traz grandes riscos de agravamento das desigualdades, de desestruturação do setor e de piora das condições fiscais dos governos estaduais.

Em primeiro lugar, não houve discussão ampla com a sociedade, com os Governadores atuais e muito menos com os Governadores eleitos. Os Estados, por meio de suas empresas, prestam serviços de água para 120 milhões de pessoas nas cidades brasileiras (76% dos que têm acesso aos serviços). As empresas estaduais estão presentes em mais de 4 mil Municípios brasileiros, dos quais 3.600 são municípios de pequeno porte e de menor renda e IDH, incluindo 90% dos Municípios do Semiárido brasileiro.

Os Governadores [repito] atuais e eleitos reconhecem que falta ainda muito a fazer rumo à universalização dos serviços. Os desafios são crescentes, agravados ainda pelas mudanças climáticas e pela crise fiscal do País. Para superar estes desafios, é preciso aumentar a participação do setor privado nos investimentos de setor tão importante.

Entretanto, a Medida Provisória 844, sob o pretexto de aumentar a participação privada, que é necessária, vai [é] desorganizar o setor. Municípios de maior tamanho e renda são atrativos ao setor privado, enquanto a maioria dos Municípios, pequenos e pobres, e aqueles onde há escassez hídrica, não serão. Ao invés de estimular as parcerias privadas junto com os serviços estaduais, atendendo indistintamente a Municípios maiores e mais ricos e aqueles muitos menores e mais pobres, a Medida Provisória 844 vai gerar participação privada apenas nos Municípios de maior rentabilidade ou onde as necessidades de investimento per capita são menores.

Ao invés de aproveitar e potencializar os ganhos de escala e ampliar as possibilidades de solidariedade social entre Municípios ricos e pobres, a MP [afirma a carta dos Governadores] vai resultar exatamente num oposto perverso [ou seja]: aumento das desigualdades, Municípios maiores e mais ricos vão avançar; e a maioria dos Municípios menores e mais pobres vai ficar mais ainda para trás); [acrescente-se ainda] agravamento dos déficits sociais no acesso aos serviços, especialmente pela escassez de recursos fiscais e pela limitada capacidade de pagamento das populações desses Municípios; aumento da dívida e do déficit público – a grande maioria das empresas dos Estados são não dependentes, [portanto] pagam suas dívidas em dia. Com a sua desestruturação [alerto aqui] os Estados terão que assumir essas dívidas.

Ademais, os serviços de água e esgotos são monopólios naturais. Assim, cabe ao governo organizá-los. Ao estimular a desagregação e a pulverização da entrada do setor privado, os ganhos dos monopólios serão absorvidos apenas pelas empresas privadas e, eventualmente, por alguns Municípios. Se o modelo privilegiasse soluções conjuntas entre empresas regionais e o setor privado, os ganhos do monopólio seriam também divididos com milhares de Municípios e milhões de brasileiros de menor renda, e mais rapidamente e equanimemente seriam alcançados os objetivos da universalização.

No Brasil, mais de 80% dos investimentos em saneamento básico vem das empresas estaduais e isso [não pode ser desprezado] não pode ser diminuído. Pelo contrário: precisa ser estimulado, com a maior participação do capital privado.

As maiores oportunidades do setor privado no País, nos últimos dez anos, vêm de contratações pelos governos estaduais, através das empresas estaduais de saneamento com PPPs, subdelegações e etc. As maiores oportunidades de investimento no futuro também estão nesse modelo, potencializando e partilhando os benefícios das economias de escala.

Como exemplo, o próprio Governo Federal lançou o Programa de Parcerias para Investimentos, através do BNDES, que tem atuado na estruturação de projetos voltados a formatar parcerias com o setor privado, junto com as companhias estaduais.

O art. 10-A da MP 844 vai desestruturar esses projetos, na contramão da tão sonhada universalização dos serviços de saneamento.

As mudanças no Marco Legal do Saneamento deveriam aumentar a segurança jurídica. [E não o contrário, como está sendo colocado nessa MP, porque vai haver a insegurança jurídica] (...) com aumento de incertezas e (...) [consequentemente, todo um processo de] judicialização, inclusive junto ao STF.

Portanto, os Governadores atuais e os Governadores eleitos urgem para a imediata revisão da MP 844, especialmente o disposto no seu art. 10-A.

Dessa forma, podemos aperfeiçoar o Marco Legal do Saneamento, fortalecer as parcerias entre os setores público e privado, sem discriminação entre Municípios ricos e pobres, garantir foco na universalização dos serviços, com mais investimentos, com subsídio cruzado, e potencializando e partilhando os ganhos das economias de escala.

    Assinam esta carta:

    Governador atual, reeleito, Renan Filho, de Alagoas; Rui Costa, da Bahia, Governador atual, reeleito; Camilo Santana, Governador também atual, reeleito; Rodrigo Rollemberg, Governador atual do Distrito Federal; Paulo Hartung, Governador do Espírito Santo; José Eliton, Governador atual de Goiás; Flávio Dino, Governador atual, reeleito, do Maranhão; Fernando Pimentel, Governador atual de Minas; Reinaldo Azambuja, Governador atual do Mato Grosso; Helder Barbalho, Governador eleito; na Paraíba, Ricardo Coutinho, Governador atual, e João Azevedo, Governador eleito; em Pernambuco, Paulo Câmara, Governador atual, reeleito; Wellington Dias, do Piauí, Governador atual, reeleito; Cida Borghetti, Governadora atual, e Ratinho Júnior, Governador eleito do Paraná; Fátima Bezerra, esta professora e Senadora que lhes fala, Governadora eleita pelo Rio Grande do Norte; Suely Campos, Governadora atual de Roraima; José Ivo Sartori, Governador atual, e Eduardo Leite, Governador eleito do Rio Grande do Sul; Belivaldo Chagas, Governador atual, reeleito, de Sergipe; João Doria, Governador eleito... E mais dois estão assinando esta carta: o Governador Márcio França, atual de São Paulo, e o Governador eleito do Espírito Santo, Renato Casagrande.

    De forma, Sr. Presidente, que eu quero aqui destacar que a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento, junto com a Federação Nacional dos Urbanitários, que tem liderado todo esse movimento desde o ano passado, ressalta, inclusive, o papel importante que os governadores atuais, eleitos e reeleitos, desempenham, nesse momento, ao assinar esta carta, colocando claramente a inoportunidade dessa Medida Provisória 844...

(Soa a campainha.)

    A SRA. FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – ... repito, que tem por objetivo alterar a Lei do Saneamento no nosso País. E diz mais ainda, aqui, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento de todo o País, que é preciso dialogar com os governadores, até porque são eles que vão governar os Estados, a partir do ano que vem, e sentir na pele os efeitos negativos que a medida provisória proporcionará, caso seja aprovada da forma em que está, ressalta aqui Roberto Tavares, que é o Presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento.

    Quero aqui, Sr. Presidente, só mais um minutinho, para dizer o seguinte: em boa hora os governadores, repito, assinam esta carta, que eu estou assinando também, na condição de Governadora eleita pelo povo do Rio Grande do Norte. E deixam aqui muito claro que o sensato, nesse momento, é essa medida provisória...

(Soa a campainha.)

    A SRA. FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – ... perder a sua validade. Aliás, o prazo de vigência dela termina exatamente nesta segunda-feira.

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ. Fora do microfone.) – Senadora... 

    A SRA. FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – E, nesse exato momento, repito, toda essa mobilização está sendo feita pela Federação Nacional dos Urbanitários, pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento, junto com os governadores, porque isso será uma tragédia, Senador Lindbergh.

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – Senadora Fátima, é impressionante quando uma matéria que é rejeitada por tantos Governadores de diversos partidos... Como é que ainda querem aprovar uma medida provisória dessas?

    A SRA. FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – No apagar das luzes.

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – É um absurdo!

    As pessoas sabem que, se fizerem dessa forma, as empresas estaduais não têm como sobreviver, porque vão privatizar o filé-mignon. E a outra parte?

    A SRA. FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – Vai ficar com o osso.

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – Então, veja bem: eu apelo ao bom senso.

    Agora, há um lobby muito grande de gente que quer privatizar. O que está movendo essa medida provisória é o lobby da privatização, sem levar em conta que é uma coisa malfeita. Além de tudo, uma privatização completamente malfeita, porque faz...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – ... de um jeito que o Estado não terá como atender as áreas e os Municípios que mais precisam.

    Mas gostei de ver V. Exa., como sempre, combativa. Ainda não assumiu o Governo do Estado, mas já está aí lutando pelo Rio Grande do Norte.

    A SRA. FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – E quero aqui acrescentar que a Bancada do Partido dos Trabalhadores, através de V. Exa., que é o nosso Líder, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade, porque, inclusive, a medida provisória é inconstitucional, na medida em que fere a autonomia dos entes federados.

    Quero deixar muito claro aqui, Senador João Alberto, que, como Governadora eleita – disse isso na campanha e volto a reiterar –, a nossa Caern, que é a companhia que trata exatamente da água, do esgoto e do saneamento em nosso Estado, será, sim, fortalecida. Nós vamos é dar à Caern uma gestão cada vez mais profissionalizada.

    Por isso, não à medida provisória...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    A SRA. FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – Por isso que não, Senador João Alberto, à Medida Provisória 844, que, repito, quer alterar a lei do saneamento em nosso País, pelo quanto ela vai desestruturar o setor, pelas consequências perversas que advêm dessa medida provisória, penalizando, principalmente, os Municípios mais pobres, porque altera totalmente o arranjo que é adotado nessa área, o chamado subsídio cruzado. Ou seja, a privatização quer entregar o filé às empresas privadas, ficando os Estados com o osso.

    Aliás, ainda acrescento aqui que isso vai na contramão do que está acontecendo lá fora. Países que fizeram a mudança pela privatização desses setores voltaram atrás, porque o modelo não atendeu, de maneira nenhuma, o objetivo central...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    A SRA. FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – ... que era, exatamente, repito, a universalização dos serviços básicos nessa área de saneamento, que é o que mais a população precisa e é onde a gente precisa avançar, e muito, ainda no nosso País.

    Então, nesse caso aqui, não é pela via da privatização, como está sendo sugerido aqui pela Medida Provisória 844, de autoria do Governo Federal, que nós vamos avançar, repito, na universalização do saneamento básico em nosso País.

    Espero que essa carta dos Governadores tenha eco junto aos movimentos sociais e que essa medida provisória, que, repito, expira na segunda-feira, não seja votada, porque é isso que nós realmente esperamos, ou seja, que ela, enfim, perca a vigência.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2018 - Página 20